Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura

Jesus, o pastor belo e bom

Jesus, o pastor belo e bom

Imagem ollirg/Bigstock.com

Ao tempo de Jesus os pastores estavam presentes em todo o lado na Palestina, encontrando-se no campo e nas cidades, nas planícies e nos montes. A figura do pastor era conhecida e conheciam-se os lugares nos quais estava, de dia ou de noite, com as ovelhas, que forneciam leite, carne e queijo. Na Bíblia a figura do pastor está muito presente não só como protagonista da narração, também como parábola e tipologia. Por isso Deus, o Senhor, é chamado e reconhecido com «Pastor de Israel», o seu povo é dito «seu rebanho», ovelhas que são a sua propriedade. As diversas situações em que se encontram o pastor e o rebanho servem portanto para descrever condições históricas concretas, como leitura das relações entre Deus e o seu povo.

Deus é o Pastor, mas para que esta sua qualidade seja reconhecida pelos crentes, Ele envia ao seu rebanho pastores, escolhidos «para que a comunidade do Senhor não seja um rebanho sem pastor». Mas estes pastores por vezes tornam-se infiéis à sua missão, tornam-se «maus pastores»; ao mesmo tempo, outros que não foram enviados por Deus «fazem-se pastores», assumindo uma função de serviço que na realidade tem como finalidade os próprios fins. Os profetas denunciaram várias vezes estas situações, nas quais o povo do Senhor geme e sofre, mas também anunciaram a vinda de Deus ou do seu Messias, como pastor das suas ovelhas.

No quarto Evangelho, enquanto Jesus se encontra em Jerusalém para celebrar a festa da dedicação do templo, é descrito um encontro entre Ele e alguns fariseus (João 10, 1-10), depois de ter curado, num sábado, um cego de nascença. Graças  à fé em Jesus o cego consegue ver, enquanto os guias religiosos surgem como cegos, incapazes de reconhecer nele a missão de Deus. Jesus afirma por isso que veio abrir um processo que manifestará quem é cego e quem, ao contrário, vê, quem permanece na incredulidade e quem, ao contrário, chega à luz.

Isto, todavia, constitui um êxodo, uma saída do sistema religioso judaico para a comunidade que adere a Jesus. A pretensão de Jesus é esplendente e escandalosa, como nos é apresentada pelas expressões que a comunidade de João forjou a partir das suas palavras e ações, contempladas, meditadas e interpretadas. O discurso de Jesus é organizado em torno da formulação de uma "paroimía" (Jo 10,6), ou seja, de um enigma construído por imagens (Jo 10, 1-6), a que se segue a explicação que o resolve em mistério de fé (Jo 10, 7-18) e, por fim, uma conclusão (Jo 10, 19.21).



Nestas poucas palavras delineia-se todo o caminho do discípulo, ovelha do rebanho de Jesus: deve escutar a voz do pastor, deve reconhecê-la como palavra para si, deve por isso conhecer o pastor e, portanto, segui-lo para os pastos da liberdade, em vista de uma «vida em abundância»



Eis, assim, o enigma: «Ámen, ámen, Eu vos digo: quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas por outra parte, é um ladrão e um bandido». As solenes palavras de Jesus evidenciam uma oposição: há aqueles que entram no redil do rebanho não através da porta, que é vigiada, mas passando por cima da cerca. Estes são os ladrões e os bandidos: as ovelhas não lhes pertencem, mas eles querem apoderar-se delas. São ladrões porque roubam e são bandidos, que podem entrar no redil só com o engano; na realidade são lobos, falsos pastores que não cuidam das necessidades das ovelhas mas só pensam em si próprios.

Ao invés, «o pastor das ovelhas entra através da porta» e o guarda colocado à entrada reconhece-o e abre-a; então «as ovelhas escutam a sua voz: Ele chama as suas ovelhas, cada uma pelo nome, e condu-las para fora». Jesus é este pastor e o Pai é o guardião que abre a porta. Com efeito, foi o Pai que lhe deu as ovelhas, que o enviou, que tudo colocou nas suas mãos. Por isso o Pai reconhece Jesus como único pastor do rebanho, e assim fazem também as ovelhas: reconhecem a sua voz, escutam-na e exultam, cada qual por Ele chamada com o próprio nome.

Jesus tem uma tarefa precisa: chamando as ovelhas pelo nome, fá-las "sair", faz-lhes realizar um êxodo do redil para os pastos abertos, para a liberdade. Esta ação é mais do que o fazer sair Moisés do Egito para a terra prometida, porque é um fazer sair da escravidão para a liberdade, da morte para a vida para sempre. Nestas poucas palavras delineia-se todo o caminho do discípulo, ovelha do rebanho de Jesus: deve escutar a voz do pastor, deve reconhecê-la como palavra para si, deve por isso conhecer o pastor e, portanto, segui-lo para os pastos da liberdade, em vista de uma «vida em abundância».

O pastor define-se depois como «porta». O enigma é assim explicado mediante duas afirmações: «Eu sou a porta» e «Eu sou o bom pastor». Tome-se atenção: Jesus não diz que é a porta do redil, mas a porta das ovelhas! Ele não é uma porta que faz aceder a um redil, a uma instituição, mas uma porta ao serviço das ovelhas. No Antigo Testamento a imagem da porta é reveladora de uma passagem para o céu (Génesis 28,17), de uma passagem para aceder à presença do Senhor, a sua "Shekinah", no templo; mas aqui é Jesus que se torna porta pequena e estreita, único caminho de entrada e de saída para Deus, o Pai.



Em cada tempo surgem no mundo e também na Igreja alegados "ungidos", falsos enviados, que Deus não mandou, homens e mulheres que imputam ao Senhor as suas elucubrações, mas que são sempre reconhecidos por quem é crente atento em Jesus: não estão no meio do rebanho, mas acima; não conhecem as ovelhas pelo nome, mas só querem comandá-las; não protegem a ovelha frágil, mas abandonam-na



Chegada a plenitude dos tempos, quando «se adora em Espírito e Verdade», Jesus é agora o único acesso a Deus, a única via para fazer parte do rebanho do Senhor: é uma porta aberta para um espaço sem limites. Nos últimos discursos aos seus discípulos, dirá: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida», palavras que explicitam a afirmação: «Eu sou a porta», que exprimem e são o caminho que conduz ao conhecimento de Deus e, portanto, à vida para sempre. Estas palavras de Jesus podem surpreender-nos e até desestabilizar: como é possível que um homem se tenha ufanado de tais pretensões? E no entanto João coloca na boca de Jesus tais revelações, porque assim requer a fé naquele que é o Filho de Deus, o Messias vindo ao mundo.

Eis então a exigência de discernimento em relação àqueles que vieram antes de Jesus com a pretensão de serem pastores enviados por Deus: muitos já vieram, mas eram ladrões, bandidos, estranhos «vindos para roubar e sacrificar», como diz lateralmente o texto. Jesus certamente não deslegitima os "pastores" enviados por Deus - de Abraão aos profetas -, mas os falsos Messias, como bem entendeu Inácio de Antioquia: «Cristo é a porta do Pai, através da qual entraram Abraão, Isaac, Jacob, os profetas, os apóstolos e a Igreja».

Em cada tempo surgem no mundo e também na Igreja alegados "ungidos", falsos enviados, que Deus não mandou, homens e mulheres que imputam ao Senhor as suas elucubrações, mas que são sempre reconhecidos por quem é crente atento em Jesus: não estão no meio do rebanho, mas acima; não conhecem as ovelhas pelo nome, mas só querem comandá-las; não protegem a ovelha frágil, mas abandonam-na; não vão à procura da ovelha perdida, mas preferem estar com as outras dentro do redil.

Jesus é por isso a porta a atravessar em liberdade para ir e vir, para se conduzir para os pastos do céu e voltar ao refúgio quando chega a ameaça. É uma porta de salvação, que dá uma salvação não transitória, como aquela que às vezes os humanos se dão na história. Consequentemente é também o pastor que deseja para as ovelhas uma só coisa: «a vida em abundância». Por isso fá-las sair em liberdade, por caminhos de êxodo nos quais se abrem horizontes novos e se conhecem novos pastos. Eis a liberdade dos filhos de Deus, na qual há também proteção, porque - diz Jesus - «ninguém pode raptar as minhas ovelhas da minha mão».



A sua missão de dar e gastar a vida é dirigida a todos os seres humanos, mesmo àqueles que pertencem a outros redis, não só ao de Israel. Virá o dia em que também estas ovelhas provenientes das gentes poderão escutar a voz de Cristo e assim tornar-se ovelhas do rebanho que é o seu



A outra explicação do enigma consiste na autorrevelação de Jesus enquanto «pastor belo e bom»: «Eu sou o pastor belo e bom, que depõe a própria vida pelas ovelhas». A manifestação da vinda "pastoral" de Jesus não consiste nas ideias, na doutrina, no ensinamento, mas no depor e gastar a vida pelas ovelhas. Se Deus era cantado no salmo como Pastor do crente à quem nada falta, Jesus diz de si que Ele próprio dá a sua vida pelas ovelhas. E se nos Evangelhos sinóticos o pastor da parábola era repleto de amor, até ir procurar a ovelha perdida para a trazer a casa, aqui o pastor dá a sua vida quer pela ovelha perdida quer por aquela que permanece no redil.

É assim especificada a relação entre o pastor e as ovelhas: um conhecimento recíproco que se torna amor, um conhecimento penetrativo através do qual o pastor conhece as ovelhas em profundidade nas quais elas próprias não conseguem conhecer-se; e as ovelhas conseguem reconhecer o pastor como aquele que toma conta delas porque as ama. Experiência indizível, e todavia autêntica, na qual se escuta a voz do pastor, se consegue discernir a sua presença elusiva, mas sobretudo em que nos sentimos amados, compreendidos, perdoados por um amor que é sempre também misericórdia.

Mas junto ao bom pastor aparece também o «pastor assalariado», que realiza a sua função e o seu trabalho apenas pelo salário. Muitos eram os pastores deste género ao tempo de Jesus, e muitos são-no ainda hoje: não são maus, não fazem mal, não roubam o povo de Deus nem o maltratam, mas são meros funcionários. Se a Igreja fosse uma máquina, poderia andar em frente assim; mas a Igreja é o rebanho do Senhor, é uma realidade viva, um corpo no qual, se não há amor gratuito, acontece uma triste desfiguração. O pastor assalariado desempenha o seu mester na medida em que é pago; por isso, se vê chegar o lobo, pensa em salvar-se a si próprio, não as ovelhas. Jesus, ao contrário, não! A sua missão de pastor é motivada só pelo amor, e o Pai ama-o precisamente por isso: porque sabe dar a vida pelas ovelhas, para depois a receber de novo dele. A sua missão de dar e gastar a vida é dirigida a todos os seres humanos, mesmo àqueles que pertencem a outros redis, não só ao de Israel. Virá o dia em que também estas ovelhas provenientes das gentes poderão escutar a voz de Cristo e assim tornar-se ovelhas do rebanho que é o seu: dele, o único pastor da humanidade, de toda a criação.



 

Enzo Bianchi
In "Monastero di Bose"
Trad.: SNPC
Publicado em 07.05.2017

 

 
Relacionados
Destaque
Pastoral da Cultura
Vemos, ouvimos e lemos
Perspetivas
Papa Francisco
Teologia e beleza
Impressão digital
Pedras angulares
Paisagens
Umbrais
Mais Cultura
Vídeos