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A castidade nas relações humanas

A castidade nas relações humanas

Imagem Marina Vorontsova/Bigstock.com

Castidade é uma palavra quase sempre incompreendida, também mal conhecida e ridicularizada, sobretudo porque é confundida com a abstinência sexual, com o celibato. A etimologia sugere-nos que é casto ("castus") aquele que recusa o incesto ("in-castus"). O incesto acontece de cada vez que não se vive a distância e não se respeita a alteridade, que não é só diferença. Não é casto quem procura a fusão, a dependência, a posse: sinal dessa busca é a agressividade que, nestes casos, facilmente se acende e manifesta.

A sexualidade - disso estou convencido mais do que nunca, após uma vida vivida a observá-la, contemplá-la, vivendo-a na paz e na fragilidade - está no espaço do dom, porque requer dar e receber, e coloca-se sempre na relação entre dois sujeitos. A sexualidade não se reduz à genitalidade, e por isso a capacidade de dom e de acolhimento é mais ampla do que a exercitada na genitalidade: investe, com efeito, a pessoa inteira e as suas relações. Por isso a sexualidade é uma coisa boa e bela, mas o seu uso pode ser inteligente ou estúpido, amante ou violento, ligado ao amor ou simplesmente à pulsão. A sexualidade impele-nos à relação com o outro, mas depende de nós procurar, nesta relação, o encontro ou a posse, a sinfonia ou a prepotência, o intercâmbio e a partilha ou o narcísico possuir o outro.



Quando se toca um corpo não se toca qualquer coisa, mas uma pessoa, que não é um objeto de prazer, que não pode ser consumada, mas que é possibilidade de comunhão autêntica. Sem esta comunhão não é possível a castidade, mas só a obediência à pulsão, ao impulso, à posse



Podemos dizer que a castidade é a arte de nunca tratar o outro como um objeto, porque nesse caso ele se "consuma" e destrói. Arte difícil e laboriosa, que requer tempo: não se nasce casto mas, ao contrário - diga-se com clareza -, nasce-se incestuoso, e o exercício de separação e de distinção conduz-nos para uma subjetividade verdadeira e autónoma. A castidade confere às relações humanas uma transparência que permite às pessoas reconhecerem-se no respeito do seu ser mais íntimo.

Pense-se no encontro sexual dos corpos, na sua nudez e na intimidade que dele deriva. Quando os corpos na nudez se encontram e se entretecem, acende-se um conhecimento recíproco que não é comparável ao que podem ter um do outro mesmo os amigos mais íntimos. Partilhar o corpo, partilhar a respiração, partilhar o leito cria uma união que é "conhecimento único", é - ousarei dizer, citando João Paulo II - «liturgia dos corpos», é conhecimento de uma profundidade única. Quando se toca um corpo não se toca qualquer coisa, mas uma pessoa, que não é um objeto de prazer, que não pode ser consumada, mas que é possibilidade de comunhão autêntica. Sem esta comunhão não é possível a castidade, mas só a obediência à pulsão, ao impulso, à posse. Escrevia Rainer Maria Rilke: «Não há nada mais árduo do que amar-se: é um trabalho, um trabalho diário... O amor é difícil e não está ao alcance de todos».



O amor entre duas pessoas é um caminho longo que só a misericórdia de Deus pode fazer ler como caminho possível sem interrupções: da parte dos amantes há sempre uma perda, um não se ser adequado ao outro, uma incapacidade de serem sinfónicos. O amor deve vencer sempre, a cada dia, sobre todas as forças que lhe são contrárias por obedecerem só à pulsão, que não quer o bem do outro, ainda que se autorize a dizer que ao outro se quer bem



O ato sexual, realizado nos tempos e nos modos que os amantes sabem discernir como belos, bons e «justos», é conhecimento, e não se deve ter medo de afirmar que precisamente o sumo prazer do ato sexual incendeia tal conhecimento. Mas não é fácil distinguir este sumo prazer do encontro dos corpos, dos corações, das inteligências, da pulsão. Sim, a pulsão, só por si, com a sua prepotência, pode criar o inferno, e todavia ela habita-nos e, se não houvesse, não seríamos naturalmente capazes de nos darmos e de nos acolhermos. A pulsão só por si pode, inclusivamente, levar a uma união dos corpos que conhece apenas o instante fugidio e a uma excitação dos sentidos que conhece o envelhecimento precoce dos próprios sentidos. Não é por isso que muitas vezes as histórias de amor, mesmo seladas publicamente, conhecem o fim e, portanto, o falhanço do amor? O amor entre duas pessoas é um caminho longo que só a misericórdia de Deus pode fazer ler como caminho possível sem interrupções: da parte dos amantes há sempre uma perda, um não se ser adequado ao outro, uma incapacidade de serem sinfónicos. O amor deve vencer sempre, a cada dia, sobre todas as forças que lhe são contrárias por obedecerem só à pulsão, que não quer o bem do outro, ainda que se autorize a dizer que ao outro se quer bem.

Quando, diante do outro sujeito, não se sabe estar com respeito, como diante de um mistério, de uma transcendência; quando não se é capaz de se inclinar diante do outro e de o fazer por amor; quando não se perceciona o segrego do outro, que foge à nossa conquista, então não se é capaz de castidade. Eis a dificuldade da castidade, quase impossível, "invivível", poder-se-ia dizer. Jesus, de resto, advertiu-nos: «Quem olha para uma mulher para a cobiçar, já cometeu adultério com ela no próprio coração» (Mateus 5, 28). Olhar uma mulher para a cobiçar não é vê-la enquanto mulher, mas é reduzi-la a um objeto, e portanto a não percecionar nela a pessoa "outra"; significa passar junto de uma possível relação autêntica para percorrer outros caminhos que não conduzem à comunhão.



Do celibato pode dizer-se que é "grandeza", mas deve dizer-se que é também "miséria", essa miséria que cada um conhece nas suas contradições face à castidade: contradições a nível de pensamentos, palavras, ações e também omissões



Mas colocando-nos diante desta exigência, compreendemos as nossas fragilidades, as nossas incapacidades, e medimos a dominante animal que está em nós e que nem sempre somos capazes de submeter e de ordenar. Precisamente por isso - creio eu - Jesus anunciou o mistério da sexualidade e ligou-o de modo escatológico ao reino de Deus adveniente. A castidade é um longo trajeto e só se será verdadeiramente casto se se aceitar morrer, se se for capaz de fazer da morte um ato, um ato de dissolução de laços. Nós cantamos demasiado facilmente o celibato que faz profissão de castidade, esquecendo que o celibato é uma situação que se vive, enquanto a castidade está noutro nível: não é uma situação, mas uma dinâmica que nunca alcança plenamente o seu objetivo. Nós, humanos, somos muito frágeis, conhecemos muito pouco as nossas profundidades, não temos domínio sobre as profundidades das nossas profundidades e somos habitados por pulsões e desejos nem sempre distinguíveis. Precisamente por isso ouso dizer que quem faz profissão de celibato pode prometer diante de Deus e exprimir com os votos essa situação, enquanto a castidade não deveria ser uma promessa, porque o sujeito pode tender para ela, mas nunca vivê-la sem fissuras nem contradições.

O celibato cristão requer procurar a castidade mas não se identifica com ela. Do celibato pode dizer-se que é "grandeza", mas deve dizer-se que é também "miséria", essa miséria que cada um conhece nas suas contradições face à castidade: contradições a nível de pensamentos, palavras, ações e também omissões, porque às vezes a verdadeira castidade exige omitir, sobretudo na relação com o Senhor, um investimento daquilo que deve ser investido apelas na relação sexual entre humanos. A magia é também querer com Deus relações que o Senhor quis apenas entre humanos: relações boas e belas, mas humanas. É por isso que penso que não se pode viver o celibato sem acreditar, acolher e viver a misericórdia do Senhor. «Deus é maior que o nosso coração» (1 João 3, 20).



 

Enzo Bianchi
In "Monastero di Bose"
Trad.: SNPC
Publicado em 28.03.2017

 

 
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