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A minha resolução de Ano Novo: ser um pouco mais como os cristãos de Alepo

A minha resolução de Ano Novo: ser um pouco mais como os cristãos de Alepo

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Num recente programa de rádio, o escritor norte-americano Jack Hitt contou uma história sobre como explicar o Natal à sua filha de quatro anos. Um dia, quando ela lhe perguntou sobre o que era essa festa, ele falou-lhe do nascimento de Jesus, o que aguçou a sua curiosidade. Compraram-lhe uma Bíblia para crianças e ela aprendeu sobre o nascimento de Jesus e os seus ensinamentos, incluindo a antiquada expressão «faz aos outros como gostarias que te fizessem».

Noutro dia, passaram de carro por uma grande igreja com um enorme crucifixo no exterior. «Quem é aquele?», perguntou ela. Hitt percebeu que nunca tinha falado à filha dessa parte da história. «Então respondi-lhe alguma coisa como "oh, bem, é Jesus. E eu esqueci-me de te dizer o final. Ele entrou em conflito com o governo romano», recordou Hitt na emissão.

«Esta mensagem que Ele tinha foi tão radical e perturbadora para as autoridades do tempo, que elas tiveram de o matar. Elas chegaram à conclusão de que Ele tinha de morrer. A sua mensagem era muito problemática», explicou o escritor à criança.

Algumas semanas após aquele Natal, a escola pré-primária fechou por causa do feriado dedicado a Martin Luther King Jr., e Hitt levou a filha a almoçar. Na mesa do restaurante estava o suplemento artístico do jornal local, que tinha um grande desenho de Luther King feito por uma criança. «Quem é este?», interrogou ela.



As imagens do Menino Jesus descansavam pacificamente na meia dúzia de presépios espalhados pela casa. E a Igreja celebrava um jovem do primeiro século que foi apedrejado por causa do que acreditava e fez. É uma justaposição dissonante. Segue até ao extremo a mensagem de amor e paz revelada na manjedoura e pode ser que acabes numa cruz ou na varanda de um hotel



Ele respondeu que King tinha sido um pregador que havia afirmado que «deves tratar todos da mesma forma, sem olhar à aparência». Ela ficou a pensar naquelas palavras por alguns momentos. «Então foi o que Jesus disse», respondeu. Hitt afirmou que nunca tinha pensado nisso daquela maneira, mas sim, tem muito a ver com a frase «faz aos outros...».

A criança voltou a ficar pensativa por instantes, depois olhou para o pai e interrogou: «Também o mataram?».

Esta história andou às voltas na minha cabeça a 26 de dezembro, a festa de Santo Estêvão, o primeiro mártir cristão. Os novos brinquedos da nossa filha continuavam dispersos por toda a sala de estar, o quarto dela, a entrada. As imagens do Menino Jesus descansavam pacificamente na meia dúzia de presépios espalhados pela casa. E a Igreja celebrava um jovem do primeiro século que foi apedrejado por causa do que acreditava e fez. É uma justaposição dissonante. Segue até ao extremo a mensagem de amor e paz revelada na manjedoura e pode ser que acabes numa cruz ou na varanda de um hotel.

Nunca vi uma imagem mais poderosa sobre esta verdade do que a fotografia que povoou a internet nos dias a seguir ao Natal: crentes amontoados na secção frontal da catedral maronita católica em Alepo, tendo atrás de si a grande nave da igreja totalmente bombardeada.



«Digo-vos uma coisa», afirmou o papa Francisco no dia de Santo Estêvão. Na sua habitual forma direta, pareceu-me que estava a falar precisamente para mim e para os meus confortáveis companheiros cristãos: «Os mártires de hoje são muitos mais em relação aos dos primeiros séculos»



A palavra "mártir" significa testemunha, e estas testemunhas sírias deixaram-me estupefacto. As suas vidas do dia a dia tornam-nas pessoalmente mais íntimas com a história de Santo Estêvão do que a maioria de nós alguma vez será. Ainda assim, confrontadas com uma violência inimaginável, apareceram para adorar juntas o Príncipe da Paz. Apareceram. Apareceram.

Eu, quanto a mim, passei os olhos pela seleção de cânticos da nossa Missa do Galo. Tenho evitado olhar diretamente para os olhos da maior parte dos sem-abrigo que vejo nas ruas em redor do meu escritório. Muitas vezes, demasiadas vezes, não estou a aparecer.

«Digo-vos uma coisa», afirmou o papa Francisco no dia de Santo Estêvão. Na sua habitual forma direta, pareceu-me que estava a falar precisamente para mim e para os meus confortáveis companheiros cristãos: «Os mártires de hoje são muitos mais em relação aos dos primeiros séculos [da Igreja]. Quando lemos a história dos primeiros séculos, aqui, em Roma, lemos tanta crueldade com os cristãos; eu digo-vos: hoje existe a mesma crueldade, em número superior».

«Hoje queremos pensar neles que sofrem perseguições, e estar próximos deles com o nosso afeto, a nossa oração e também com o nosso pranto», continuou ele. «Não obstante as provas e os perigos, eles testemunham com coragem a sua pertença a Cristo e vivem o Evangelho comprometendo-se a favor dos últimos, dos mais esquecidos, fazendo o bem a todos sem distinção; testemunham assim a caridade na verdade.»

Eis aqui alguma inspiração para uma resolução de Ano Novo que valha a pena. Pertencer a Jesus. Viver o Evangelho. Favorecer os últimos e os esquecidos. Fazer o bem a todos sem distinção. Extrair energia da coragem de Martin Luther King, dos cristãos de Alepo e de Santo Estêvão. Por outras palavras: ser uma testemunha, por amor de Deus.



 

Mike Jordan Laskey
In "National Catholic Reporter"
Trad. / adapt.: Rui Jorge Martins
Publicado em 03.01.2017 | Atualizado em 30.04.2023

 

 
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