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Papa Francisco: «Cultura do conflito, não; cultura do encontro, sim»

O papa considera que a Igreja deve seguir uma rota que privilegie o encontro e a abertura, evitando uma visão apocalíptica da história marcada pelo conflito, isolamento, fuga e resignação, à maneira do «lavar das mãos» de Pilatos.

As palavras de Francisco foram pronunciadas no «encontro com o mundo da cultura», em Cagliari, na aula magna da Pontifícia Faculdade de Teologia da Sardenha, ilha italiana que o papa visitou este domingo (cf. “Artigos relacionados”).

Francisco vincou o papel das universidades na renovação da sociedade, realçou as perspetivas dos políticos jovens e afirmou que «toda a crise, mesmo a atual, é uma passagem, o trabalho de um parto que compreende fadiga, dificuldade, sofrimento, mas que traz em si o horizonte da vida, de uma renovação, traz a força da esperança».

A intervenção do papa foi guiada pelas palavras «desilusão», «resignação», «esperança», baseadas na narrativa bíblica dos dois discípulos de Jesus que, após a sua morte, fazem o percurso de Jerusalém a Emaús; já ressuscitado, Jesus junta-se a eles no caminho mas os discípulos só o reconhecem à refeição, regressando logo depois a Jerusalém.

Excertos do discurso:

«1. Estes dois discípulos levam no coração o sofrimento e a desorientação pela morte de Jesus, estão desiludidos com o desfecho dos acontecimentos. Encontramos um sentimento análogo também na nossa situação atual: a delusão, a desilusão, devido a uma crise económico-financeira, mas também ecológica, educativa, moral, humana. É uma crise que diz respeito ao presente e ao futuro histórico, existencial do homem nesta nossa civilização ocidental, e que acaba por afetar o mundo inteiro.

E quando digo “crise”, não penso numa tragédia. Os chineses, quando querem escrever a palavra “crise”, escrevem-na com dois caracteres: o carácter do perigo e o carácter da oportunidade. Este é o sentido em que eu uso a palavra.

É verdade que cada tempo da história traz em si elementos críticos, mas, pelo menos nos últimos quatro séculos, não se viram tantos abalos nas certezas fundamentais que constituem a vida dos seres humanos como no nosso tempo. Penso na deterioração do ambiente, que é perigosa, pensemos antecipadamente na guerra da água que está a chegar; nos desequilíbrios sociais; no terrível poder das armas – falamos muito disto nestes dias; no sistema económico-financeiro, que tem no centro não o homem mas o dinheiro, o deus dinheiro; no desenvolvimento e no peso dos meios de informação, com toda a sua positividade, de comunicação, de transporte. É uma alteração que diz respeito ao próprio modo como a humanidade leva por diante a sua existência no mundo.

 

2. Diante desta realidade, quais são as reações? Regressemos aos dois discípulos de Emaús: desiludidos ante a morte de Jesus, mostram-se resignados e procuram fugir da realidade, deixando Jerusalém. Podemos ler as mesmas atitudes neste momento histórico.

Perante a crise pode ocorrer a resignação, o pessimismo em relação a cada possibilidade de intervenção eficaz. Num certo sentido, é um abandono da própria dinâmica da atual reviravolta histórica, denunciando os aspetos mais negativos com uma mentalidade semelhante àquele movimento espiritual e teológico do II século depois de Cristo denominado “apocalíptico”. Temos a tentação de pensar em chave apocalíptica.

Esta conceção pessimista da liberdade humana e dos processos históricos conduz a uma espécie de paralisação da inteligência e da vontade. A desilusão conduz também a uma espécie de fuga, a procurar “ilhas” ou momentos de trégua. É algo de semelhante à atitude de Pilatos, de “lavar as mãos”. Uma atitude que emerge como “pragmática”, mas que de facto ignora o grito de justiça, de humanidade e de responsabilidade social, e conduz ao individualismo, à hipocrisia, se não a uma espécie de cinismo. Esta é a tentação que temos à nossa frente, se andarmos por esta estrada da desilusão ou da delusão.

 

3. Chegados a este ponto, perguntamo-nos: haverá um caminho a percorrer nesta nossa situação? Devemos resignar-nos? Devemos deixar obscurecer a esperança? Devemos fugir da realidade? Devemos “lavar as mãos” e fecharmo-nos em nós próprios?

Penso não só que há uma estrada a percorrer, mas que precisamente o momento histórico que vivemos impulsiona-nos a procurar e encontrar caminhos de esperança, que abram horizontes novos à nossa sociedade. E aqui o papel da universidade é precioso. A universidade como lugar de elaboração e transmissão do saber, de formação para a “sabedoria” no sentido mais profundo do termo, de educação integral da pessoa. Neste sentido, gostaria de oferecer algumas breves pistas de reflexão.

a) A universidade como lugar de discernimento. É importante ler a realidade, olhando para ela de frente. As leituras ideológicas ou parciais não servem, alimentam apenas a ilusão e a desilusão. Ler a realidade, mas também viver esta realidade, sem medo, sem fugas e sem catastrofismos.

Toda a crise, mesmo a atual, é uma passagem, o trabalho de um parto que compreende fadiga, dificuldade, sofrimento, mas que traz em si o horizonte da vida, de uma renovação, traz a força da esperança. E esta não é uma crise de “mudança”: é uma crise de “mudança de tempo”.

É um tempo, aquele que muda. Não são mudanças epocais superficiais. A crise pode tornar-se momento de purificação e de novo pensamento sobre os nossos modelos económicos e sociais, e de uma certa conceção do progresso que alimentou ilusões, para recuperar o humano em todas as suas dimensões.

O discernimento não é cego nem improvisado: realiza-se sobre a base de critérios éticos e espirituais, implica a interrogação sobre o que é bom, a referência aos valores próprios de uma visão do homem e do mundo, uma visão da pessoa em todas as suas dimensões, sobretudo na espiritual, transcendente; não se pode continuar a considerar a pessoa como “material humano”! Esta é, talvez, a proposta oculta no funcionalismo.

A universidade como lugar de “sabedoria” tem uma função muito importante na formação do discernimento para alimentar a esperança. Quando o viajante desconhecido que é Jesus ressuscitado se junta aos dois discípulos de Emaús, tristes e desconsolados, não procura ocultar a realidade da crucificação, da aparente derrota que provocou a sua crise; pelo contrário, convida-os a ler a realidade para a guiar à luz da sua ressurreição. «Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» (Lucas 24, 25-26). Discernir significa não fugir, mas ler seriamente, sem preconceitos, a realidade.

b) Outro elemento: a universidade como lugar em que se elabora a cultura da proximidade. Esta é uma proposta: cultura da vizinhança. O isolamento e o fechamento em si mesmo ou nos próprios interesses nunca são o caminho para voltar a dar esperança e operar uma renovação, mas é a proximidade, é a cultura do encontro. O isolamento, não; proximidade, sim. Cultura do conflito, não; cultura do encontro, sim.

A universidade é espaço privilegiado em que se promove, ensina e vive esta cultura do diálogo, que não nivela indiscriminadamente diferenças e pluralismos – este é um dos riscos da globalização – e muito menos os extrema, tornando-os motivo de conflito, mas abre ao confronto construtivo. Isto significa compreender e valorizar as riquezas do outro, considerando-o não com indiferença ou temor, mas como fator de crescimento. As dinâmicas que regulam as relações entre pessoas, grupos e nações não são muitas vezes de proximidade, de encontro, mas de conflito.

Regresso novamente ao trecho evangélico. Quando Jesus se aproxima dos dois discípulos de Emaús, partilha os seus caminhos, ouve as suas leitura da realidade, as suas desilusões, e dialoga com eles; precisamente desta maneira reacende nos seus corações a esperança, abre novos horizontes que já estavam presentes, mas que só o encontro com o ressuscitado permite reconhecer.

Não tenhais nunca medo do encontro, do diálogo, do confronto, mesmo entre universidades. A todos os níveis. Estamos na sede da Faculdade de Teologia. Permiti dizer-vos: não tenhais medo de vos abrirdes aos horizontes da transcendência, ao encontro com Cristo, ou de aprofundar a relação com Ele. A fé nunca reduz o espaço da razão, mas abre-o a uma visão integral do homem e da realidade, e defende do perigo de reduzir o homem a “material humano”.

c) Um último elemento. A universidade como espaço de formação para a solidariedade. A palavra “solidariedade” não pertence apenas ao vocabulário cristão; é uma palavra fundamental do vocabulário humano. (…) É uma palavra que nesta crise arrisca-se a ser banida do dicionário.

O discernimento da realidade, assumindo o momento de crise, a promoção de uma cultura do encontro e do diálogo, orientam-nos para a solidariedade, como elemento fundamental para uma renovação da nossa sociedade.

O encontro, o diálogo entre Jesus e os dois discípulos de Emaús, que reacende a esperança e renova o caminho das suas vidas, conduz à partilha: reconheceram-no na fração do pão. É o sinal da Eucaristia, de Deus que assim se faz próximo em Cristo, presença constante que partilha a sua própria vida. E isto diz a todos, mesmo aos não crentes, que é precisamente numa solidariedade não dita, mas afirmada, que as relações passam de considerar o outro como “material humano” ou como “número”, para o considerar como pessoa.

Não há futuro para nenhum país, para nenhuma sociedade, para o nosso mundo, se não soubermos ser todos mais solidários. Solidariedade, por isso, como maneira de fazer a história, como âmbito vital em que os conflitos, as tensões, mesmo os opostos alcançam uma harmonia que gera vida.

A este propósito, pensando nesta realidade do encontro na crise, encontrei nos políticos jovens outra maneira de pensar a política. Não digo melhor ou pior, mas outra maneira. Falam de maneira diferente, estão à procura… a sua música é diferente da nossa. Não tenhamos medo! Escutemo-los, falemos com eles. Eles têm uma intuição: abramo-nos às suas intuições. É a intuição da vida jovem. Digo os políticos jovens porque é o que ouvi, mas os jovens em geral procuram esta chave diferente. Para nos ajudar ao encontro, ajudar-nos-á ouvir a música destes políticos, “científicos”, pensadores jovens.

Antes de concluir, permiti-me sublinhar que a nós, cristãos, a própria fé dá uma esperança sólida que nos estimula a discernir a realidade, a viver a proximidade e a solidariedade, porque o próprio Deus entrou na nossa história, tornou-se homem em Jesus, imergiu na nossa debilidade, fazendo-se próximo de todos, mostrando solidariedade concreta, especialmente aos mais pobre e necessitados, abrindo-nos um horizonte infinito e seguro de esperança.»

FotoREUTERS/Giampiero Sposito

 

Papa Francisco
Cagliari, 22.9.2013
Tradução: rjm
© SNPC (trad.) | 23.09.13

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FotoCagliari, 22-9.2013
REUTERS/Giampiero Sposito

 

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