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Cinema

Vila do Conde: 21.º Curtas de Resistência e de Revelação

O filósofo argentino Ernesto Sabato no seu livro “Resistir” escrevia que «o homem é feito não só de morte, mas também de ânsias de vida; não só de solidão, mas também de comunhão e de amor». Aprender a resistir nas suas diversas modalidades pode ser um belíssimo gesto de «imaginação profética». Ainda segundo o citado pensador: «estamos a tempo de inverter este abandono e este massacre […] O ser humano sabe fazer dos obstáculos novos caminhos porque, para a vida, basta o espaço de uma fenda para renascer.»

Nessa pluralidade de expressões e tematizações do real transposto imaginativamente do pensamento para a ação comunicativa plena encontra-se o 21º Festival Internacional de Curtas de Vila do Conde (em cartaz de 6 a 14 de julho). Atendendo à crítica especializada, o Festival já conquistou um espaço peculiar no panorama cinematográfico nacional e internacional. Não estamos a falar de uma visualização consumística desenfreada ou versão voyeurista de amor-próprio. É de interlocução entre realizador-ator-público, de reaprender a saber olhar, a sentir, a tocar, a poetizar, a realizar e a imaginar no solo firme do homem/mundo contemporâneo. É também uma formidável oportunidade para conhecer as mais recentes tendências do cinema contemporâneo. Muitas das películas projetadas são fruto de academias de cinema onde vigoram conceitos e técnicas próprias, para além do talento de cada realizador ou equipa de trabalho. Nesse sentido, assistimos a uma progressiva passagem do chamado cinema de autor, ensimesmado no seu trabalho, a uma realização cinematográfica condividida, de trabalho conjunto. Esta passagem não negligencia obviamente a genialidade de cada autor no modo como utiliza a imaginação e a fonte inesgotável dos atos humanos existentes na realidade.

 

Resistência é palavra de fundo das curtas-metragens em cartaz no Festival. Resistência, não só como temática a explorar e a recriar, mas no sentido pleno do termo. Um Festival destas dimensões, onde vigora sobretudo o cinema experimental, de jovens cineastas criativos, de imaginação emergente, altamente qualificado, não é de todo fácil manter tão grande longevidade. Resistência foi portanto o tema escolhido para esta edição, tema que não se coloca de modo algum à margem do contexto cultural e social em que vivemos. Embora a aposta na criatividade qualitativa e na cultura alternativa seja quase nula, é gratificante verificar que a maioria das curtas-metragens exploram a dimensão social, a relação individuo-sociedade, transpondo a enigmaticidade das questões sócio-humanas para o grande ecrã, dando-lhe intensidade e expressão comunicativa. No fundo, e em muitas das películas exibidas, um outro modo de sermos humanidade, e de reconstrução social a partir da aventura da imaginação.

FotogramaTokyo Giants

Não se trata de uma experimentalismo vazio, solipsístico, ou narcísico, em que o realizador dá a ver somente o seu mundo subvertendo tudo a um dandismo autocentrado. Antes pelo contrário, assistimos a um neorrealismo muito na linha dos grandes mestres, como Pasolini, Loach ou Olmi. Cinema de intervenção sem radicalismos inúteis ou de ideologização fácil das questões do momento. Esta dimensão prática/pática, de consciência ética sobre a realidade, onde o eu e o tu se sentem interpelados eticamente na realização de um progresso sustentado e justo, substancia evidentemente a dimensão especulativo-filosófica do cinema. É aqui que as Curtas de Vila do Conde cumprem também o seu papel educativo, de construção e religação dos tecidos da realidade, de nos dar a ver o invisível e de fazer pensar. Um Festival que é ação comunicativa de uma geração de jovens criadores que nos fazem sentir a pulsação da realidade e da cultura contemporânea.

 

É nesta panorâmica que se evidenciam, a título de exemplo, cinco notáveis curtas-metragens exibidas na modalidade de competição internacional: Pandas de Matus Vizar (Eslováquia/República Checa, 2013); Belle comme le jour de Dominique Gonzalez-Foerster (Tristan Bera-França, 2012); Tokyo Giants de Nicolas Provost (Bélgica, 2013); Misterio de Chema García Ibarra (Espanha, 2013, com apresentação in loco do próprio realizador); Sharaf de Hanna Helborn/David Aronowitsh (Suécia 2012). De imediato nos apercebemos da dimensão pluricultural das proveniências dos realizadores e inerentemente da riqueza das perspetivas em jogo, de escolas de pensamento e de genialidade multiforme. Independentemente da votação final do público, é convincente a curta-metragem Belle comme le jour (12m), não apenas porque é uma “prequela a Belle de Jour de Luís Bunuel e a Belle Toujours de Manoel Oliveira”, mas essencialmente porque apresenta a dimensão estética da corporeidade humana como linguagem, corpo falante pela beleza que diz tudo e tudo diz sem a mediação das palavras em exclusivo. Num registo cinemagráfico, surpreendente na forma e no conteúdo, foi também Sharaf, com a temática dos refugiados que deixam os seus países para procurarem condições de vida dignas. Sharaf é um desses refugiados que narra a sua história dramática de sobrevivência em pleno Oceano Atlântico até chegar à Gran Canaria.

FotogramaBelle comme le jour

A missão do cinema alternativo não é apenas provocar gozo ou fruição pessoal. Se é autêntico, ele traduz uma perspetiva, uma realidade, um pensamento que provoca a consciência do espectador, ao ponto de o con-verter intelectual e espiritualmente! Esta realidade não pode permanecer à margem da comunidade eclesial universal e local. Participar e interagir com esta dimensão artística e estes eventos públicos, é perceber as dinâmicas sociais e as diversas correntes que nela se cruzam. Quem sabe se futuramente este Festival não possa vir a incluir um prémio ou uma participação religiosa mais explícita? É uma provocação saudável aos organizadores do Festival e à comunidade eclesial local, de abertura fecunda às razões crédulas e incrédulas dos que procuram autenticamente, por diversos modos e meios, o mais profundo da realidade. Aliás, não foi assim que Deus se revelou e revela à humanidade (Hb 1,1)? A fé na sua disposição proafetiva fiducial «desperta o sentido crítico» e a tornar os crentes «humildes» porque «põe-nos a caminho e torna possível o testemunho e diálogo com todos» (Francisco, Carta Encíclica Luz da fé).

FotogramaSharaf

O Festival termina no dia 14 de julho com a exibição das curtas-metragens vencedoras. Fica a proposta para um fim de semana imaginativo e de resistência construtiva em Vila do Conde.

 

João Paulo Costa
© SNPC | 12.07.13

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