João XXIII, a encíclica "Mater et Magistra" e a Agricultura
Este breve texto pretende ser um convite a olhar a beleza da agricultura, bem como um incentivo à leitura da Encíclica Mater et Magistra [Mãe e Mestra]. Os números 120 a 154 são especialmente dedicados à agricultura, sendo, neste texto, destacados apenas alguns deles.
A 15 de maio de 1961, o Papa João XXIII apresenta, no seu terceiro ano de Pontificado, uma nova Encíclica, intitulada Mater et Magistra. A Encíclica demonstra preocupações sociais, revelando desde já a presença do que chamamos Doutrina Social da Igreja. João XXIII foi o primeiro a escrever uma Encíclica sobre a questão rural e a necessidade da promoção das comunidades rurais.
No número 3 da Encíclica, o Papa João XXIII diz que a Igreja se preocupa com a santificação das almas, mas que «não deixa de preocupar-se ao mesmo tempo com as exigências da vida quotidiana dos homens». A preocupação com a vida quotidiana implica também uma preocupação com a agricultura e com o meio rural. Na época em que foi publicada a Encíclica, podemos ter presente esta preocupação em Portugal, destacando-se por parte da Igreja os Organismos Rurais da Ação Católica Portuguesa (JAC – Juventude Agrária Católica e LAC – Liga Agrária Católica, masculina e feminina) –, rurais que se preocupam e trabalham para o bem comum do meio rural e seus habitantes.
Na terceira parte da encíclica, João XXIII dedica alguns pontos da sua reflexão à agricultura. No número 120 diz que não lhe parece que a população rural do mundo tenha diminuído, antes, refere que é visível nos vários países a deslocação dos rurais para as cidades. No número 121 diz que «o êxodo da população, do setor agrícola para outros setores produtivos, não é provocado somente pelo progresso económico». Segundo João XXIII, deve-se à vontade de escapar a um ambiente que aparenta não ter futuro.
João XXIII refere ainda a necessidade de uma economia hábil na agricultura: «Para se obter progresso económico harmonioso entre todos os setores produtivos, requer-se uma política económica hábil no campo agrícola no que se refere ao regime fiscal, ao crédito, à previdência social, à defesa dos preços, ao fomento das indústrias complementares e à modernização dos estabelecimentos» (nº 128). Refere também a necessidade de uma política de crédito especial que não prejudique os agricultores: «Exige o bem comum que se aplique à agricultura uma política especial de crédito que assegure aos lavradores esses capitais a uma taxa razoável de juros» (nº 131).
A Encíclica refere que para a agricultura familiar obter uma vida digna, é necessário que as pessoas recebam instrução: «É oportuno, aliás, insistir em que a empresa de dimensões familiares será viável somente se dela puder obter-se um nível de vida digno para a família. Para isso, torna-se indispensável que os cultivadores sejam instruídos, modernizados continuamente e assistidos na técnica da sua profissão» (nº 140).
O número 141 refere que os lavradores «podem facilmente convencer-se de quanto é nobre o seu trabalho: vivem no templo majestoso da criação; estão em relações frequentes com a vida animal e vegetal, inesgotável nas expressões e inflexíveis nas leis, a qual lembra constantemente a Providência do Criador; das suas mãos, por assim dizer, brotam, em toda a sua variedade, os alimentos que sustentam a família humana; e com elas proporcionam à indústria um número cada vez maior de matérias-primas» (6). No fundo, o Papa João XXIII elogia a proximidade dos agricultores às maravilhas do Criador.
No número 143, o Papa João XXIII apela à congregação dos agricultores, porque hoje «as vozes isoladas quase não têm possibilidade de chamarem sobre si as atenções, e muito menos de se fazerem atender».
João XXII refere também os incentivos para se ser agricultor, aludindo a esta atividade como uma vocação: «O homem encontra no trabalho agrícola mil incentivos para se afirmar, progredir e enriquecer, mesmo na esfera dos valores do espírito. É, portanto, um trabalho que se deve considerar e viver como vocação e missão; isto é, como resposta ao convite recebido de Deus para colaborar na realização do Seu plano providencial na história, como compromisso tomado de se elevar cada um a si e elevar aos outros, e ainda como auxílio para a civilização humana» (nº 146).
Com a exposição e análise destes números, podemos concluir que exercer a atividade agrícola não é só a execução de mais um trabalho, é uma vocação, uma missão, uma proximidade com a obra do Criador.
Joana Veigas
Estudante de Teologia, dirigente nacional da Ação Católica Rural (ACR), membro da equipa redatorial da revista "Mundo Rural"
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15.06.13