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Luís Miguel Cintra: «O máximo respeito que devemos pedir a nós próprios é levar a nossa vida a sério»

Luís Miguel Cintra: «O máximo respeito que devemos pedir a nós próprios é levar a nossa vida a sério»

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O encenador Luís Miguel Cintra, distinguido com o Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes/2017, manifestou hoje apreço pelo facto de os reparos que dirige à Igreja católica não terem sido impedimento para a distinção.

Em declarações ao Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, Luís Miguel Cintra fala da relação entre a espiritualidade cristã e o teatro, e sublinha: «O máximo respeito que devemos pedir a nós próprios é levar a nossa vida a sério».

 

Como reagiu à notícia da atribuição do Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes?

Com muita alegria. Desde logo porque o Prémio tem o nome do P. Manuel Antunes, que é alguém que me diz muito porque fui seu aluno, ele foi muito amigo dos meus pais, e eu próprio também fui muito amigo dele. Muitas vezes fui levá-lo a casa, à "Brotéria", com o meu pai.
Depois, sabendo-se como tenho sido tão violento, e até excessivo, nas minhas críticas e observações em relação ao que eu penso que devia ser verdadeiramente a Igreja católica, é-me grato que ela - ou pelo menos alguém a ela pertencente - não me leve a mal, antes pelo contrário.
Isto comove-me muito porque tudo o que tenho dito sobre a Igreja é no sentido de um empenhamento cada vez maior e mais profundo por aquilo que ela devia ser e que, de certa maneira, com o novo papa, se está a tornar.

 

O que significa este Prémio para o Luís Miguel Cintra?

Significa ter companhia. Ter companhia de muito grande qualidade moral, porque respeito muito as outras pessoas que já o receberam e são muito importantes para mim. Portanto, é como se me aceitassem nesse grupo.
Reconheço em todas as pessoas premiadas um apreço pela vida que é fundamental para todos os cristãos - levar-nos-ia muito longe dizer porquê, mas acho que é óbvio. O próprio título do Prémio, "Árvore da Vida", fala disso. São pessoas que encararam a vida de maneira muito séria, como se fosse aquela coisa sagrada que julgo que é e que é tão maltratada.

 

Como é na vida do Luís Miguel Cintra se tem cruzado a espiritualidade cristã, o teatro e o pensamento que lhe é inerente?

Para mim o teatro é uma coisa muito séria. É uma forma de pensar com o corpo, com a alma das pessoas. É como se fossem muitas personalidades, não só dos atores, mas também na iluminação, cenografia, guarda-roupa, etc. É uma forma de estar e pensar em grupo sobre a vida e o que é estar com os outros. Isto, e os cristãos sabem-no bem, não se esgota nas vidas individuais, mas transcende-as, e tudo acaba por ser a obra de Deus no seu conjunto e a vida com letra muito grande.
O teatro é uma maneira de pensar outra vez, outra vez. E até mesmo quando se está a fazer a mesma peça diariamente, no dia seguinte pensar outra vez sobre o mesmo passo. E fazer uma coisa que, parece-me, é muito importante em relação ao que possa ser a religião cristã: uma forma de pensar que não é discursiva. Nisto acho que a Igreja se enganou muitas vezes. No teatro percebemos como se pode pensar por imagens ou por metáforas, e que o pensamento se organiza muitas vezes por associações de ideias, memórias, contradições, interrupções do pensamento, sonhos, uma quantidade de coisas que não pertencem a uma linguagem discursiva, organizada logicamente. No teatro os atores sabem muito bem que a construção das personagens, a reconstrução da vida, não é uma imitação da vida, mas uma construção de metáforas através de pessoas vivas para representar um pensamento sobre a vida. Esse pensamento não é necessariamente uma lição de moral, mas pode ser uma sensação, uma carga afetiva, uma contradição, um mistério - muita parte de mistério.
Isto é uma coisa sobre a qual tenho vindo a pensar sempre, sempre, sempre, porque é muito insatisfatório fazer teatro, usar toda a sua pessoa, de uma forma irresponsável; se acreditamos que somos obra de Deus, é terrível, é indigno tratar-se a si próprio com desrespeito. O máximo respeito que devemos pedir a nós próprios é levar a nossa vida a sério.

 

O júri refere que Luís Miguel Cintra também se distinguiu por uma fecunda intervenção no debate de ideias e questões ético-sociais no espaço público...

O [realizador] Manoel de Oliveira também recebeu este Prémio, não foi?

 

Sim.

Foi com ele que aprendi uma coisa que nunca mais me esqueci e que ele ensinou de maneira muito simples. Ele mandava muitas vezes os atores olharem diretamente para a câmara, o que no cinema é uma coisa proibida, digamos assim, porque se rompe a ilusão de que estamos a assistir a uma realidade inventada, e portanto cai imediatamente por terra a máscara, rompendo a quarta parede que é o ecrã. E ele dizia-me: «Lembre-se, quando olha para a câmara, que está a falar para a sala». Quando falava nisso estava a pensar que o cinema, como todas as atividades artísticas, são intervenções na vida do mundo, coisas que queremos dirigir aos outros seres humanos.
Eu percebi isso claramente e cria-me uma responsabilidade muito grande na medida em que sou inventor de espetáculos. Posso não ser tão autor como os cineastas, mas sou responsável pelas intervenções na vida pública de todos aqueles espetáculos que construímos. Tenho muita noção disso. E é isso que me pede muitas vezes uma intervenção, uma vontade de dizer coisas que me parecem importantes. E se pecam é por excessivas, porque cansam de tão insistentes que são.



 

SNPC
Publicado em 11.05.2017 | Atualizado em 22.04.2023

 

 
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