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«Estás sempre à minha frente/ quando penso que sim/ quando penso que não»: Meditações para o caminho do Advento (2)

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«Estás sempre à minha frente/ quando penso que sim/ quando penso que não»: Meditações para o caminho do Advento (2)

«Um a um/ esqueci os motivos/ por que vim»

Normalmente, vamos de um lado para o outro sabendo o motivo; a viagem que se faz sabendo o motivo, é muito curta. E não é a viagem. A verdadeira viagem dura tanto, que já não sabemos por que é que viemos, por que é que estamos aqui, o que estou a fazer.

Eu estou - ponto final. Eu vim - ponto final. Já não é a utilidade ou o saber que define a minha vida, mas é o próprio ser a expressão profunda de mim.

 

«A bem-aventurança/ não consiste/ em conhecer»

Nós levamos tanto tempo à procura de saber a razão, de saber o sentido, e, no fundo, é isso que nos move, e é isso que pensamos que nos faz felizes. E depois descobrimos que a bem-aventurança não é essa. A bem-aventurança não consiste em conhecer.

A bem-aventurança consiste em alguma coisa que vamos descobrir, alguma coisa que não nos está dito. Não basta a articulação do saber, os livros que lemos, as coisas que ouvimos.

 

«A verdadeira ciência da santidade/ é viver/ sem porquê»

A santidade é uma forma de ciência, de sabedoria, no sentido em que é uma peregrinação, um caminho, um aberto que percorremos. É um traçado do viver.

Mas ao mesmo tempo tem de ser um viver sem porquê. Demasiadas vezes, a nossa tendência é afunilar a realidade a uma razão ou outra. Como dizia Silesius, a rosa é sem porquê.

Nós também precisamos de ser rosas sem porquê; estar por estar, viver por viver, ser por ser, sem rótulos, sem catalogações, sem dimensões oportunistas que aparentemente dão mais valor à nossa vida. Não, a nossa vida vale em si.

A santidade é essa ciência de viver sem porquê nem para quê.

 

«O vento/ abre furtivamente a porta/ nem o monge se apercebe»

A vida espiritual é muito feita da abertura do coração àquilo que não determinamos. Andamos de lado para lado, corremos, fazemos, pedimos, queremos, mas a forma como o Espírito abre a nossa porta, entra na nossa vida, estabelece uma relação connosco é alguma coisa que não sabemos.

O Espírito é furtivo. Deus é um visitador furtivo, escondido, oculto. Como Ele entra, nós não sabemos.

Nos textos pascais lemos que as portas e as janelas do lugar onde estavam os discípulos encontravam-se cerradas, mas Jesus aparecia no meio deles. «Nem o monge se apercebe».

Sabermos isso, dá à ignorância um estatuto. Nas nossas sociedades, só a ciência e o conhecimento têm estatuto; a ignorância não o tem. O não saber, esta relação com o desconhecido, com o silêncio, com a vida furtiva, com aquilo de que nem me apercebo.

Eu tenho cinco sentidos, e precisaria de cinco mil para perceber a vida. Precisamos de valorizar a ignorância no caminho espiritual que fazemos.

 

«Estás sempre à minha frente/ quando penso que sim/ quando penso que não»

Muitas vezes é o que sentimos que condiciona a expetativa que temos da presença ou da ausência: «Hoje sinto-me mais consolado»; «hoje sinto-me em desolação». Esses estados de alma dão-nos a ideia de que eles é que determinam a presença e a ausência de Deus na nossa vida. Ora, Deus está.

Deus revela-se a Moisés no livro do Êxodo - «Eu sou para vós». Deus está quando eu penso que sim, mas está também quando eu penso que não. Essa é uma certeza que só nos vem quando aceitamos que a ignorância é um saber.

Há muitas coisas que ignoro, e eu conto com isso na síntese que faço daquilo que a vida é.

 

José Tolentino Mendonça
Monjas Dominicanas do Mosteiro de Santa Maria, Lumiar, Lisboa, 9.11.2013
Publicado em 19.12.2014 | Atualizado em 22.04.2023

 

 
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Muitas vezes é o que sentimos que condiciona a expetativa que temos da presença ou da ausência: «Hoje sinto-me mais consolado»; «hoje sinto-me em desolação». Esses estados de alma dão-nos a ideia de que eles é que determinam a presença e a ausência de Deus na nossa vida. Ora, Deus está
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