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Muro de Berlim caiu há 25 anos: Nada do que sucedeu poderia ter acontecido sem João Paulo II

Muro de Berlim caiu há 25 anos: Nada do que sucedeu poderia ter acontecido sem João Paulo II

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Foi o acontecimento mais surpreendente do fim do século XX. A 9 de novembro de 1989 a queda do Muro de Berlim, esse "muro da vergonha", triste símbolo do comunismo moderno, subverteu os grandes equilíbrios do mundo, redesenhou o mapa da Europa, libertou nações há muito oprimidas e mudou a vida diária de centenas de milhões de pessoas, para melhor ou, por vezes, para pior.

Nascido em outubro de 1917 com a revolução russa, o sistema comunista soviético tinha-se espalhado brutalmente em 1945, em nome da «vitória sobre o nazismo». Leste e Oeste, envolvidos na "Guerra Fria", tornaram-se blocos irreconciliáveis. A construção do Muro de Berlim, a 13 de agosto de 1961, foi uma trágica demonstração.

Até meio dos anos 70, a União Soviética (URSS) beneficiava de uma imagem positiva no mundo, e a sua influência não tinha cessado de estender-se aos quatro cantos do planeta. Foi precisamente nessa altura que apareceram as primeiras fissuras naquele formidável "bunker" em que se tinha tornado o império comunista.

A 1 de agosto de 1975, o mundo tinha os olhos voltados para a Finlândia: em Helsínquia, os delegados de trinta e cinco países do Leste e do Ocidente, sob a dúplice tutela dos Estados Unidos e da URSS, assinam acordos «sobre a segurança e a cooperação na Europa».

Estes documentos são objeto de negociações duras. Trinta anos após a repartição do mundo concretizada em fevereiro de 1945, em Ialta, pretendem «legalizar» o "statu quo" político e militar no Velho Continente, depois de três movimentadas décadas: o bloco de Berlim (1948), a insurreição de Budapeste (1956), a construção do Muro de Berlim (1961) e a repressão da Primavera de Praga (1968) cimentaram e reforçaram com arame farpado esta inacreditável divisão da Europa.

«Tudo o que é nosso, é nosso, tudo o que é vosso, é discutível», fazia dizer-se aos dirigentes da URSS, Nikita Khrushchov e Leonid Brejnev. Este último elevou a princípio imutável a doutrina da «soberania limitada»: qualquer veleidade de autonomia, no Leste, provocará a intervenção militar dos outros «países irmãos».

Em 1975 os acordos de Helsínquia colocam, portanto, as relações Este-Oeste sob o signo da «distensão», mas na condição tácita de que a doutrina de Brejnev permaneça em vigor dentro do bloco de Leste. O mundo está mais do que nunca dividido em dois. E, aparentemente, durante muito tempo.

O comunismo, com efeito, está então em plena expansão. É naquele tempo que o Kremlin abarca na sua zona de influência a Somália (outubro de 1969), a Etiópia (novembro de 1974), o Cambodja (abril de 1975), o Vietname (abril de 1975), Moçambique (junho de 1975), Angola (novembro de 1975), o Laos (dezembro de 1975), o Afeganistão (abril de 1978). No mapa do mundo, a «mancha vermelha» estende-se sem medida, enquanto que os partidos comunistas ocidentais se aproximam do poder em Portugal, Espanha, Itália e França.

A «distensão», porém, é um veneno que fragilizará o sistema comunista, que por natureza se apoia na luta entre classes e entre os blocos. Este veneno contém alguns ingredientes mortais: a promoção dos valores democráticos, a livre circulação dos homens e das ideias, o respeito dos direitos humanos, o desenvolvimento das trocas comerciais, para não falar da objetiva necessidade de desarmamento.

Os acordos de Helsínquia, graças sobretudo à obstinação da França e da Santa Sé, fornecerão instrumentos diplomáticos e argumentos políticos aos movimentos de defesa das liberdades e a uma nova geração de dissidentes, que procurará fazer reaparecer no Leste um conceito então desaparecido: a sociedade civil.

Juntamente com algumas figuras emblemáticas, como Alexandr Sojenítsin ou Andrei Sakharov, despontam em toda a Europa de Leste pequenos grupos que, a partir do exemplo da Carta 77, na Checoslováquia, começam a exigir o respeito dos acordos de Helsínquia em matéria de direitos e liberdades.

A repressão não se faz esperar. Na URSS, os dirigentes destes movimentos são enviados para os "gulag", ou, melhor ainda, exilados a Ocidente: o próprio físico Andrei Sakharov é preso em Gorki. Na Polónia, o padre [beato] Popieluszko é morto pela polícia política. A "Securitate" romena e a "Stasi" da Alemanha Oriental agem contra os contestatários. Entre um punhado de militantes corajosos e o maior sistema repressivo existente no mundo, a batalha é desigual.

Mas em outubro de 1978 um acontecimento inesperado muda as regras do jogo. Em Roma, o conclave elege como cabeça da Igreja católica o cardeal Karol Wojtyla, arcebispo de Cracóvia, número um da Igreja polaca. O novo pontífice, um eslavo, vem do outro lado da cortina de ferro.

«Este papa é um dom de Deus», comenta o escritor Sojenítsin aos microfones da BBC. Quando João Paulo II, recém-eleito, lança o seu grito, «não tenhais medo», todas as comunidades cristãs no Leste da Europa são percorridas por uma espécie de frémito.

Em junho de 1979, quando o papa realiza a sua viagem triunfal ao país natal, dezenas de milhões de polacos readquirem confiança no próprio destino. E os seus vizinhos checos, eslovacos, húngaros, ucranianos ou lituanos, testemunhas mudas daquele extraordinário périplo, como não poderão ser tocados por aquele papa que ousa afirmar que o comunismo não é mais do que um parêntesis na história e que a divisão em dois da Europa não é senão transitória?

Pouco mais de um ano após aquela viagem, os operários de Gdansk lançam-se numa greve com tons inéditos: um quadro de João Paulo II é entronizado na cancela dos estaleiros navais. O chefe do movimento, um eletricista de nome Lech Walesa, confia cegamente no papa; e quando o primeiro sindicato independente do Leste procura um nome, encontra-o na homilia papal do ano anterior: "Solidarność". Porquanto é precisamente a "solidariedade" entre os homens que levará a melhor sobre aquele vergonhoso sistema em que o indivíduo não é mais do que uma engrenagem da máquina social.

A epopeia do sindicato "Solidarność", que reúne dez milhões de polacos, durará cinquenta dias e apaixonará os médias do mundo inteiro. No Kremlin, onde se teme o contágio aos "países irmãos", em particular na Lituânia e na Ucrânia ocidental, regiões católicas, busca-se uma maneira de limitar os danos. A questão é crucial: pode evitar-se intervir militarmente naquela Polónia imprevisível e predileta do papa?

A decisão levará tempo e concretizar-se-á no «estado de guerra» brutalmente decretado em dezembro de 1981 pelo general polaco Jaruzelski. Encerramento das fronteiras, lei marcial, prisão dos dirigentes do "Solidarność". A ordem reina em Varsóvia. Um imenso desencorajamento abate-se sobre a região. Quem presta então atenção ao papa João Paulo II quando regressa à Polónia em 1983, e depois ainda em 1987, para pregar sem cessar o diálogo social entre o Estado, a Igreja e o "Solidarność", única via de saída possível, segundo ele, para o seu infeliz país?

Naquele tempo, a imagem e o prestígio da URSS tinham-se deteriorado muito. Em Moscovo, anciãos pretensiosos e enclausurados nas suas certezas sucedem-se na condução de um imenso país esclerótico e imóvel. Brejnev, Gromyko , Ustinov, Andropov e Chernenko revelam-se incapazes de adequar a segunda superpotência mundial às exigências do momento. À semelhança dos seus afiliados locais no interior do país (como Chtcherbitski e Kounaev) ou na sua periferia (Kadar, Husak e Jivkov, entre outros), que encarnam este período que rapidamente será denominado de "zastoi" (estagnação).

Surpresa! A 11 de março de 1985, esta sequela de velhos dinossauros dá-se um novo líder de 54 anos, que fala uma linguagem compreensível, não tem medo dos jornalistas e cuja mulher é uma graciosa senhora de olhar vivo que paga as suas compras com um cartão "American Express".

O novo chefe do Partido Comunista não é um dissidente, conhece até de memória a obra de Lenine, mas está convencido de que «não se pode continuar a viver assim». Foi escolhido para modernizar o seu partido e para fazer sair o seu país da marginalidade. «Este homem tem um belo sorriso mas esconde dentes de aço», diz o velho Gromyko.

Mikhail Gorbachev depressa se rodeia de pessoas da sua geração (como Shevardnadze,
Ligachev, Ieltsin) e abre três pistas: a "perestroika", que consiste em reformar a fundo as estruturas do país, sobretudo no plano económico; a "glasnost", que visa uma maior transparência nos jornais, nas estatísticas, nos livros e na cultura; e o «novo pensamento», que propõe deixar de olhar o futuro do mundo como um recontro mortal entre Leste e Oeste.

Ao princípio, ninguém acredita. Nem na URSS nem em nenhum lado. Que erro! Mas pouco a pouco, sobretudo depois da catástrofe [nuclear] de Chernobyl, em abril de 1986, os dirigentes de ambos os campos começam a perguntar-se se aquele homem não está a tentar verdadeiramente reformar aquilo que parece irreformável. Quando anuncia o fim da famosa doutrina da "soberania limitada", os ocidentais permanecem céticos. Gorbachev será sincero quando prega o fim da Guerra Fria, para que as suas reformas económicas tenham mais possibilidades de sucesso?

A Leste, Honecker (Alemanha Oriental), Ceausescu (Roménia) e Jivkov (Bulgária) antipatizam com o novo chefe do Kremlin: sabem que as reformas que perspetiva enfraquecerão o império e colocá-lo-ão em águas agitadas. Só os responsáveis polacos e húngaros estão dispostos a apostar nele. Em particular o general polaco Jaruzelski, que tem a ocasião de falar longamente sobre Gorbachev com João Paulo II, durante uma audiência em Roma, em janeiro de 1987.

O papa, que naquele momento está a preparar a sua terceira viagem à Polónia, aposta também na abertura. Em junho de 1988, a celebração muito aberta do milénio da Igreja russa, em Moscovo, reconforta-o na sua escolha: se a "perestroika" resulta na tolerância religiosa, então é preciso jogar a carta da "perestroika".

Se a posição de Gorbachev se complica no seu país, onde a situação económica e social piora gravemente, no exterior torna-se mais clara. Em fevereiro de 1989, a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão torna-se efetiva, o que acaba com a conversão dos americanos à "gorbymania" que reina desde então no Ocidente. Algumas semanas depois, os dirigentes húngaros instauram o multipartidarismo no seu país sem atrair os furores do Kremlin.

Na Polónia, no fim do inverno, é tomada a decisão de reabilitar o sindicato "Solidariedade" e, durante uma mesa redonda em que está presente Lech Walesa, de organizar eleições «quase democráticas» em junho de 1989. Esta estreia na Europa de Leste levará, depois da esmagadora vitória eleitoral do "Solidarność", a um governo conduzido pelo jornalista católico Tadeusz Mazowiecki, um não comunista que, além do mais, é um velho amigo do papa.

Na República Democrática da Alemanha (RDA), a tensão é grande quando milhares de cidadãos conseguem chegar ao Ocidente tomando as embaixadas ocidentais de capitais amigas, como Budapeste e Praga. Mas é a evidente dissensão entre Gorbachev e a direção do Partido Comunista da Alemanha Oriental durante a celebração do 40.º aniversário da RDA que torna claro que já nada funciona a Leste: «Não é por o meu vizinho voltar a decorar a sua casa que eu devo fazer o mesmo», afirma, fanfarrão, Erich Honecker. Será destituído dez dias depois, entre a estupefação geral.

A nova direção da RDA mostra-se hesitante. Até onde se pode ir com as reformas? O novo chefe do partido, o "aparatchik" Egon Grenz, já não controla a situação. Basta um problema burocrático relativo à legislação sobre os vistos, a 9 de novembro, para que aconteça o irreparável: percebendo, na televisão, que os berlinenses do Oriente podem agora atravessar o "Muro", uma multidão imensa passa rapidamente para Berlim Ocidental, entre uma desordem inacreditável. Os "Vopos", que não receberam ordens, deixam passar aquela maré humana, as armas apontadas para o chão.

Em Moscovo, Gorbachev virá a sabê-lo só na manhã seguinte. A ordem que dá é clara: não imiscuir-se nos assuntos alemães. Que os militares permaneçam nas suas casernas. Não se volta atrás. O Muro de Berlim não é mais que uma ficção. Nem George Bush, nem Margaret Thatcher, nem François Miterrand, nem Helmut Kohl sabem como a situação evoluirá nas semanas seguintes, mas um facto inaudito aconteceu, até então inimaginável alguns dias antes: a "Cortina de Ferro" desapareceu no lixo da história.

Três semanas depois, enquanto os regimes comunistas caem um após outro e a reunificação da Alemanha se torna inelutável, o chefe do Kremlin vai ao Vaticano para um encontro histórico com o papa João Paulo II. Naquele primeiro de dezembro de 1989, a situação está determinada: a fronteira entre as duas Alemanhas é suspensa, a Guerra Fria não é mais do que uma recordação, o regime marxista-leninista agoniza. Serão precisos menos de dois anos para que o império soviético colapse à sua volta e o seu presidente se demita.

Dois meses após a queda, num famoso artigo que será publicado nos jornais "La Stampa", "Libération", "El País" e noutros jornais europeus, Mikhail Gorbachev regressará a esta série de acontecimentos extraordinários e escreverá: «Nada de quanto sucedeu na Europa de Leste poderia ter acontecido sem este papa».

 

Bernard Lecomte, autor deste artigo, foi jornalista do jornal francês "La Croix" e chefe de redação do "Figaro Magazine". Entre as suas obras incluem-se uma biografia de João Paulo II, o livro "J'ai senti battre le coeur do monde", resultante de entrevistas ao cardeal Roger Etchegaray, e "Porquoi le pape a mauvaise presse", sobre Bento XVI. Este ano publicou a biografia de Mikhail Gorbachev.

 

Bernard Lecomte
In "L'Osservatore Romano", 8.11.2014
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 08.11.2014 | Atualizado em 22.04.2023

 

 

 
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