A Paixão de Cristo na basílica da Sagrada Família: Em memória de Josep Maria Subirachs
O artista catalão Josep Maria Subirachs, autor do conjunto sobre a Paixão de Cristo esculpido numa das fachadas da basílica da Sagrada Família, em Barcelona, morreu esta terça-feira, 8 de abril, aos 87 anos.
Estudante da Academia das Belas Artes em Barcelona entre 1951 e 1953, permaneceu depois em Paris e Bruxelas. Trabalhou durante mais de vinte anos no templo expiatório de Gaudí.
O arquiteto Jordi Faulí, atual responsável pelas obras na catedral, redigiu no dia a seguir à morte do escultor um artigo que foi publicado no jornal “La Vanguardia”, de Barcelona: «Foi um privilégio colaborar com ele».
«A sua última obra – recordou – foram as portas do Pai-nosso; tinha um estúdio no interior da Sagrada Família e era habitual para nós vê-lo na obra às primeiras horas da manhã, sempre cordial e disponível com os operários e com todos nós, correto e generoso».
«Duras e retilíneas, não sem momentos de grande doçura», as esculturas de Subirachs, que não reuniram a unanimidade, exprimem bem o drama do sacrifício e da morte», acrescentou Jordi Faulí.
Fachada da Paixão
1 - Última Ceia
2 - Judas e as moedas
3 - Porta do Getsémani
4 - Pedro e os soldados
5 - Beijo de Judas
6 - Serpente
7 - Portas do Evangelho
8 - Álfa e Ómega
9 - Flagelação
10 - Galo
11 - Nagação de pedro
12 - Labirinto
13 - Porta do coroação
14 - Ecce
Homo
15 - Juízo de Pilatos
16 - Águia romana
17 - Pilatos lava as suas mãos
18 - Três Marias e cireneuy
19 - Verónica
20 - Evangelista
21 - Soldado
22 - Soldados jogando aos dados as vestes de Jesus
23 - S. João, Maria, Maria Madalena
24 - Crucificação
25 - Véu rasgado
26 - Enterro
Jesus momentos antes de anunciar aos apóstolos que um deles o haveria de trair
Última Ceia de Jesus com os 12 apóstolos
A figura de S. João expressa uma tristeza profunda
Beijo de Judas; no canto inferior direito, junto ao apóstolo, uma serpente, animal biblicamente associado à tentação e ao mal
Os 16 algarismos que compõem este criptograma permitem 310 combinações que somam 33, idade de Cristo ao morrer
O cão, símbolo da fidelidade, opõe-se à serpente
Flagelação: Jesus está atado a uma coluna dividida em quatro partes, simbolizando os quatro braços da Crus e o desmoronamento do mundo antigo. Os três degraus representam os dias da Paixão e Morte
Apóstolo Pedro, acusado de ser seguidor de Jesus, nega conhecê-lO
À terceira negação de Pedro, o galo cantou
Labirinto simboliza o caminho de Jesus até à cruz e o inexorável caminho da vida até à morte
«Ecce Homo» («Eis o Homem»): o governador Pilatos apresenta Jesus aos sumos sacerdotes e seus servidores, depois de o ter mandado flagelar; na cabeça de Jesus, uma coroa de espinhos imposta pelos soldados; no lado direito, uma águia - símbolo do Império Romano - encima a coluna que inclui o nome de Tibério, imperador de Roma aquando da morte de Jesus
Mãe de Jesus, Maria de Magdala e Maria, mãe de Tiago e José (três Marias), juntamente com Simão de Cirene, que levou a cruz de Jesus no caminho para a morte quando Ele sucumbiu ao esforço
Verónica enxuga o rosto de Jesus; o rosto da mulher não tem contornos dado que Verónica não aparece nos Evangelhos
Soldado atravessa com a espada o lado de Jesus crucificado
Soldados jogam aos dados a túnica de Jesus. Os capacetes são inspirados em motivos criados por Gaudí em casas de Barcelona
Crucificação de Jesus; em cima, o véu rasgado do templo de Jerusalém
José de Arimateia sustém o corpo de Jesus, enquanto Nicodemos - cujo rosto se assemelha ao de Subirachs - unge-o com mirra e aloés
A porta de bronze situada à esquerda da Fachada da Paixão contém cenas da oração noturna de Jesus no Monte do Getsémani
As portas centrais da fachada, em bronze, contêm 8500 letras com textos evangélicos referentes às esculturas
Subirachs e a Fachada da Paixão
Chegou Judas, um dos Doze, e, com ele, muito povo com espadas e varapaus, da parte dos sumos sacerdotes, dos doutores da Lei e dos anciãos. Ora, o que o ia entregar tinha-lhes dado este sinal: «Aquele que eu beijar é esse mesmo; prendei-o e levai-o bem guardado.» Mal chegou, aproximou-se de Jesus, dizendo: «Mestre!»; e beijou-o.” (Marcos 14, 43-45)
O detalhe da expressão severa de Jesus quando Judas quer abraçá-lo revela o dramatismo do início da Paixão.
O Criptograma. Subirachs chamou a atenção do espectador para um jogo de números que esconde habilmente a idade de Cristo no momento da traição: os 16 números do quadrado permitem formar 310 combinações diferentes que somam sempre o número 33.
O Senhor Deus disse à serpente: «Por teres feito isto, serás maldita entre todos os animais domésticos e entre os animais selvagens. Rastejarás sobre o teu ventre, alimentar-te-ás de terra todos os dias da tua vida». (Génesis 3, 14)
Desde a Antiguidade a serpente tem sido símbolo do mal, da traição e do diabo por ter induzido a Adão e Eva a comer do fruto proibido no paraíso. O escultor colocou a serpente junto à figura de Judas.
Entretanto, Jesus com os seus discípulos chegou a um lugar chamado Getsémani e disse-lhes: «Sentai-vos aqui, enquanto Eu vou além orar.» E, levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se. Disse-lhes, então: «A minha alma está numa tristeza de morte; ficai aqui e vigiai comigo.» (Mateus 26, 36-38)
Os apóstolos Tiago e João sucumbiram ao sono, apesar do pedido angustiado do Mestre.
Voltando para junto dos discípulos, encontrou-os a dormir e disse a Pedro: «Nem sequer pudeste vigiar uma hora comigo! (...) O espírito está pronto, mas a carne é débil. (...) Continuai a dormir e a descansar! Já se aproxima a hora, e o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamos! Já se aproxima aquele que me vai entregar.» (Mateus 26, 40-46)
Pedro, qualificado por Jesus como “pedra” e base da sua futura Igreja, adormeceu sobre a rocha com a espada ao lado, que servirá para cortar a orelha de um soldado às ordens dos captores. Debaixo do corpo de Pedro aparecem ironicamente as chaves, símbolo dos poderes que o Mestre lhe havia confiado.
E, adiantando-se um pouco mais, caiu com a face por terra, orando e dizendo: «Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice. No entanto, não seja como Eu quero, mas como Tu queres.» (Mateus 26, 39)
Este versículo indica o tema central das horas nocturnas, angustiantes no Getsemani, até ao ponto de Jesus querer livrar-se do cálice amargo e da cruz que o esperam, cálice e cruz que se vêem cinzelados sobre o bronze, à direita da cabeça. A fotografia permite observar a textura que o escultor deu ao conjunto.
Por isso, também Jesus, para santificar o povo com o seu próprio sangue, padeceu fora das portas. (Hebreus 13, 12)
Esta é a primeira das três grandes portas de bronze da fachada da Paixão. Subirachs utiliza a sua superfície para representar simbolicamente cenas ou palavras da Paixão, realçando a solidão, o abandono e a angústia nocturna de Jesus no Getsemani. Destacam-se três quadros: Jesus orando prostrado em terra; Tiago e João dormindo, apoiados um no outro; e Pedro, também dormindo sobre a rocha.
E molhando o bocado de pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. E, logo após o bocado, entrou nele Satanás. Jesus disse-lhe, então: «O que tens a fazer fá-lo depressa.» Nenhum dos que estavam com Ele à mesa entendeu, porém, com que fim lho dissera. (João 13, 26-28)
A imagem sublinha o rosto atormentado do traidor que leva escondidas na mão as trinta moedas do preço de venda do Mestre aos seus verdugos. A legenda, em grandes caracteres, sublinha a farse que desencadeará o início da Paixão.
Tomou, então, o pão e, depois de dar graças, partiu-o e distribuiu-o por eles, dizendo: «Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós; fazei isto em minha memória.» (Lucas 22, 19)
Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo bem que tinha chegado a sua hora da passagem deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo. (João 13, 1)
Jesus, de perfil e com uma expressão hierática, dirige as suas últimas palavras aos discípulos, a poucas horas do seu sacrifício.
Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.» (Mateus 16, 17-19)
Na imagem aparecem os dois primeiros apóstolos do relato evangélico e da série escultórica que começa à esquerda do conjunto: os irmãos Pedro e André, escutando as palavras do Mestre. A fotografia evidencia a expressividade que Subirachs conferiu aos personagens da narrativa.
Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo bem que tinha chegado a sua hora da passagem deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo (João 13, 1). Quando chegou a hora, pôs-se à mesa e os Apóstolos com Ele. Disse-lhes: «Tenho ardentemente desejado comer esta Páscoa convosco, antes de padecer» (Lucas 22, 14-15).
O relato da Paixão abre com a Última Ceia, uma imagem monumental com treze figuras (Jesus e os doze apóstolos) que cobrem 10,50 metros de comprimento por 3,40 de altura. Subirachs cria uma cena de movimento e profundidade, situando Jesus de costas para o observador mas dominando o conjunto.
São estes os nomes dos doze Apóstolos: primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o cobrador de impostos; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão, o Zelota, e Judas Iscariotes, que o traiu (Mateus 10, 2-4). Estavam à mesa a comer, quando disse: «Em verdade vos digo: um de vós há-de entregar-me, um que come comigo.» Começaram a entristecer-se e a dizer-lhe um após outro: «Porventura sou eu?» (Marcos 14, 18-29).
Os apóstolos escutam, com expressão grave, as palavras de Jesus dirigidas a Judas. E interrogam-se sobre quem o trairá.
Apesar da distância que separa o observador da cena, consegue apreciar-se como a belíssima escultura das pregas formadas pela toalha.
Eis que subimos a Jerusalém e o Filho do Homem vai ser entregue aos sumos sacerdotes e aos doutores da Lei, e eles vão condená-lo à morte e entregá-lo aos gentios. E hão-de escarnecê-lo, cuspir sobre Ele, açoitá-lo e matá-lo. Mas, três dias depois, ressuscitará. (Marcos 10, 33-34)
Gaudí projectou a fachada da Paixão enquadrada por uma estrutura de ossos mortos, com “o efeito mais tétrico”. Subirachs consegue-o através de um crescendo de dramatismo de um caminho ascendente, que começa à esquerda do plano inferior com a Última Ceia, avançando para a direita, ascendendo em ziguezague até ao segundo e terceiro níveis. Culmina a narração e o conjunto com a Crucificação, baixando depois ao Sepulcro.
Em 1989, o escultor Josep Subirachs (n. 1927) começou a trabalhar na Fachada da Paixão do Templo Expiatório da Sagrada Família, em Barcelona. O projecto respeitou os elementos desenhados em 1911 pelo autor do conjunto, Antoni Gaudí.
O artista catalão apresenta a história da Paixão de Cristo desde a Última Ceia até à Morte, da esquerda para a direita e de baixo para cima, seguindo o trajecto de um “S” que se começa a traçar pela base.
Subirachs. Foto: Sagrada Família
O trabalho de Subirachs, que despertou grande controvérsia, opta por ângulos, linhas e perfis muito marcados, valorizando os volumes das roupas e o esquematismo dos corpos. Alguns dos elementos do conjunto inspiram-se em algumas das obras civis de Gaudí.
As imagens foram obtidas pelo padre jesuíta Manuel Carreira. Todas foram tiradas a partir do nível do solo. A luz é sempre solar, sem iluminação artificial. As fotografias não foram objecto de modificações informáticas. Os textos são assinados por Ricard Lobo.
Texto sobre morte de Subirachs: L'Osservatore Romano
Fotografias a cores: El Templo de La Sagrada Familia, ed. Triangle Postals
Texto e imagens a p/b sobre a fachada da Paixão:Sagrada Familia: La façana de ponent, ed. Mediterrània
09.04.14
Josep Maria Subirachs