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Capela do Rato, Lisboa

Diálogo entre arte contemporânea e sagrado abre com obra de Rui Moreira

A Comunidade da Capela do Rato conserva como matriz identitária uma vivacidade singular no modo como experimenta e traduz a experiência cristã. Se tivéssemos de escolher uma palavra para designar essa vivacidade, talvez nos inclinássemos pela palavra diálogo. Em épocas diferentes do seu percurso a Comunidade empenhou-se no diálogo entre a Fé e a construção da Democracia, entre o Evangelho e a causa da Justiça e da Paz, buscou um diálogo entre a Liturgia e novas linguagens celebrativas, inovou na música e no estilo de presença, etc...

Existem hoje novos desafios que a cultura e o tempo colocam a uma vivência empenhada do cristianismo. Um deles é o do diálogo com a Estética. Se o Mistério de Deus se soletra pela tríade Verdade, Bem e Beleza, quer dizer que esta última integra indefectivelmente o património que dá substância à própria Fé. Sem a dimensão da Estética a experiência cristã permanece incompleta.

O que é que pode aproximar Arte e cristianismo, num diálogo inovador? Acreditamos naquilo que escreveu o teólogo Paul Tillich: o importante não é tanto o motivo, quanto a essência de uma e de outra realidade. O que coloca uma obra de arte em diálogo com o religioso não é o primado do tema, nem o contexto de produção, exposição e uso. Precisamente um entendimento desses conduziu à banalidade e à dispersão que avultam na representação do sagrado. Segundo Tillich, «o estilo artístico tem de encontrar em si mesmo uma significação religiosa». Esta, ou existe no interior dele ou não existe de todo, pois não pode ser infundida, nem acrescentada.

Como é que este novo diálogo se pode estabelecer entre nós, Comunidade da Capela do Rato? Convidaremos criadores (de várias áreas artísticas) para uma intervenção no espaço da Capela, de modo a fazer coincidir (não só temporalmente, claro) cada contributo com uma etapa do ciclo litúrgico, procurando acompanhar cada obra de uma reflexão/debate. No final do ano propomo-nos editar um livro que englobe o caminho feito com os diversos projectos. Para já os criadores convidados são: Rui Moreira, Gabriela Albergaria e Lourdes Castro (artes visuais); João Madureira e Sete Lágrimas (música).

A primeira proposta é a de uma obra de Rui Moreira, colocada no espaço celebrativo, a encimar o altar. Descartes dizia que «não podemos desistir de compreender o infinito». Na espécie de cartografia celeste que Rui Moreira apresenta, que significa compreender? Certamente a resposta não será unívoca. Significa interrogar o mundo e os mundos, indagar amplamente os confins, restaurar o espanto de que dá conta, por exemplo, aquele passo extraordinário do salmo bíblico: «Quando contemplo os céus, obra das tuas mãos, a Lua e as estrelas que Tu criaste!». Mas compreender significa também conter, hospedar. Em relação ao infinito, há, de facto, um conhecimento que só se constrói na hospitalidade: sabemos quando misteriosamente sentimos o infinito em nós.

Um núcleo curatorial está comprometido com a elaboração teórica e executiva deste projecto: António Neto Alves; Bernardo Abreu Mota; Frederico Arruda; Paulo Martins Barata; Pedro do Carmo Costa; Vera Cortês; P. José Tolentino Mendonça.

 

Desenhos geométricos

Os meus desenhos geométricos têm múltiplas ligações. Alguns estão mais relacionados com as viagens que fiz a Marrocos e ao deserto, ao caos da arquitectura urbana de Fez, à geometria sagrada all-over das mesquitas islâmicas. Neste projecto foram feitas nove viagens ao sul de Marrocos, ao deserto do Sahara. Depois de ir uma primeira vez, para conhecer a paisagem, fiquei viciado. Não há nada mais belo e mais próximo da morte do que o deserto. Sempre que faço uma viagem ao deserto começo por descer o país. No norte há montanhas cheias de árvores. Depois, à medida que se avança para sul, tudo vai desaparecendo – as árvores vão rareando, as elevações, as montanhas passam a monte, os montes a gargantas, o verde torna-se raro, acaba, começa o deserto de pedras, depois acaba a estrada, começa a pista e a pedra torna-se areia. O silêncio impera. É possível ouvir um virar de página a 200m. A nossa percepção está ao máximo. Propus-me a este projecto no deserto para ver, ao alterar coordenadas, como é que diferentes condições físicas alteravam a minha percepção e o meu desenho. Desenhei do nascer ao pôr do sol para me inserir mais na natureza do lugar, no seu tempo cíclico. Queria ver como é que aquela luz enorme, a ausência de sombra, o calor abrasador, o ver muito longe, o horizonte enorme (visão macroscópica e panorâmica), o silêncio quase total, a solidão do deserto influenciavam e me mudavam a mim e ao desenho. A crueza do lugar leva também a uma crueza interior. O pensamento e a intuição ficam na sua essência, nada que seja supérfluo pode existir. Há uma introspecção natural e intuem-se os gestos, os pensamentos dos outros. No deserto há uma comunicação telepática.

Esta paisagem do deserto estava ligada, na minha viagem, com a experiência das cidades orgânicas árabes, labirínticas, com as suas muralhas. Particularmente com a cidade de Fez, com o seu souq interminável. Quando lá estava com Pedro Paixão, reparámos que as trancas da grande porta da cidade estavam por fora e não por dentro. Imaginámos que os antigos habitantes daquela cidade viviam no deserto e só lá iam de dia para negociar mercadorias. À noite voltavam ao deserto deixando a cidade vazia. O dentro era o deserto, o nomadismo, o movimento, o risco. O fora era a cidade.

Por vezes, nos desenhos, estes elementos encontram-se com as formas e os movimentos da vida no fundo do mar. Os desenhos mais recentes (geométricos vermelhos) ligam-se também às cores da Índia, à roda da vida e da morte, às cúpulas indo-arábicas, às pinturas faciais das danças milenares do Kathakali, ao filme “2001 Odisseia no Espaço”.

Nas suas diferenças, todos os desenhos geométricos se ligam ao poema “A Máquina de Emaranhar Paisagens” de Herberto Helder, encontrando também desta maneira um fluxo de ligação com os desenhos de paisagem. Neste poema, Herberto Helder reúne seis frases de diferentes proveniências: do Génesis, do Apocalipse, de François Villon, de Dante, de Camões e uma frase de sua própria autoria. Sempre com esta mesma matéria de palavras o autor vai misturando, emaranhando e criando novas imagens – seis imagens diferentes. Nos desenhos geométricos, com os mesmos elementos, vou destruindo e reconstruindo novas imagens. Através de movimentos de diferença e repetição, vou criando novos desenhos assimétricos, desequilibrados e mutantes, sempre em formação, revolução.

 

ImagemRui Moreira, 2010

A obra de Rui Moreira na Capela do Rato pode ser contemplada a partir de 26 de Fevereiro, às 22h00.

 

Capela do Rato
Texto "Desenhos geométricos": Rui Moreira
© SNPC | 23.02.10

Logótipo da Capela do Rato
















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