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Leitura: "Por uma Igreja em saída"

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Leitura: "Por uma Igreja em saída"

«Na Palavra de Deus, aparece constantemente este dinamismo de «saída», que Deus quer provocar nos crentes. Abraão aceitou a chamada para partir rumo a uma nova terra. Moisés ouviu a chamada de Deus: "Vai; Eu te envio" (Ex 3, 10), e fez sair o povo para a terra prometida. A Jeremias disse: "Irás aonde Eu te enviar". Naquele "ide" de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova «saída» missionária. Cada cristão e cada comunidade há-de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho.»

Estas palavras da exortação apostólica "A alegria do Evangelho" ("Evangelii gaudium"), do papa Francisco, que constituem uma das linhas de ação mais marcantes do seu pontificado, inspiraram a publicação do livro "Por uma Igreja em saída", de George Augustin, que a Paulinas Editora lançou em fevereiro, e de que apresentamos um excerto.

 

Coragem para falar de Deus
George Augustin
In "Por uma Igreja em saída"

O fundamento da nossa fé é Deus. Se este fundamento se desmoronar cada vez mais e deixar de ocupar o centro da nossa vida e pensamento, perderá incessantemente relevância e reconhecimento, e, então, o projeto de fé e de vida ficará sem base de sustentação. Na nossa época, o discurso sobre Deus é impugnado de muitos modos e, ao mesmo tempo, é absolutamente atual. Hoje, vivemos uma situação paradoxal e ambivalente: em numerosas pessoas Deus desaparece de toda a consciência, outras abusam de Deus e do nome divino no altar dos seus interesses pessoais.

Se quisermos oferecer uma resposta adequada aos desafios da secularidade, teremos de estar preparados para dar a razão da nossa esperança cristã (cf. 1Pe 3,15). Concretamente, isto significa que a pergunta principal sobre a fé, sobre o problema de Deus, deve voltar a ocupar o centro de todos os debates. Chegou a hora de falar de Deus num mundo em que Deus já não tem lugar e de abrir espaços para a transcendência na imanência do mundo. Devemos trazer para a luz com nova clareza a ideia de Deus, libertada de todas as falsas noções que abusaram da sua verdadeira noção.

Deus não é uma de muitas realidades; mas, sim, é a realidade que tudo determina. É o Uno de quem procede o múltiplo. Nele convergem todas as linhas da vida e do pensamento. Em última análise, entre a fé e a razão não há nenhuma contradição; e isto deve tornar-se visível em todas as ações e em todos os discursos cristãos.

Os cristãos corajosos devem estar dispostos a encetar com o mundo secular um diálogo intenso sobre os temas centrais da fé cristã. Aqui, não se trata de aspetos de segundo plano, mas das questões fundamentais da vida humana: qual é o sentido da vida? Donde vimos e para onde vamos? Porque é que o ser humano deve agir moralmente? O que é a liberdade e qual é o fundamento que possibilita a verdadeira liberdade? O que significam a redenção e a consumação? E a ressurreição e a vida eterna?

As pessoas em processo de busca só aceitarão entrar em diálogo connosco sobre a salvação, se nós próprios, os cristãos que vivem na Europa, crermos de verdade que a fé cristã dispõe de respostas convincentes às perguntas principais do homem. Para que as pessoas de boa vontade sintam a atração da nossa fé, é necessário que lhes seja possível reconhecer que a fé cristã nada mais faz que todas as perguntas sobre a condição humana em relação a Deus. O verdadeiro sentido da vida tornar-se-á reconhecível onde quer que comecemos a pensar e a viver a partir de Deus e para Deus.

Quem põe Deus no centro também tem energia para advogar a favor dos seres humanos. Em contrapartida, ao negar Deus, o homem também perde a sua verdadeira grandeza; e, sem a fé, na qual o homem é imagem de Deus, a dignidade do ser humano vê-se privada do fundamento duradouro que lhe permite ser reconhecida. Por isso, depende realmente de nós iniciar um diálogo com a cultura do mundo secular sobre a força que molda e ilumina a fé. Uma fé em Deus, forte e cheia de confiança, liberta energias para um compromisso corajoso a favor das pessoas. Porque a necessidade de que a fé dialogue com o mundo tem o seu fundamento na lógica interna da fé cristã na encarnação de Deus. Um diálogo de vida, desenvolvido na verdade e no amor, pode mostrar que a Modernidade não conduz necessariamente à perda de fé e à indiferença moral.

A longo prazo, o futuro da Igreja decidir-se-á única e exclusivamente no problema de Deus e não em qualquer questão social ou de política eclesial. Um olhar despreconceituoso para a realidade do mundo realmente existente leva-nos à busca de uma realidade mais além da realidade e suscita o anseio de algo maior e transcendente. Como posso configurar adequadamente a minha vida? Como posso experimentar, na minha vida, integridade e salvação? Este anseio é o fundamento humano da fé. Por isso, deve ser sempre claramente reconhecível que Deus, e só Deus, é a resposta da Igreja às perguntas dos homens e do mundo. Todas estas respostas devem ser pensadas a partir de Deus e feitas em relação a Ele. Se se esquecer da sua obrigação mais específica de ser procuradora e testemunha de Deus e, em vez disso, elevar a pretensão de estar em condições de resolver intramundanamente todos os problemas sociais, a Igreja estará a exigir demasiado de si mesma. Uma pastoral unilateralmente antropocêntrica tornará irreconhecível a essência da Igreja. Só a pessoa que está junto de Deus pode estar realmente junto dos outros. Já é tempo de que se faça na Igreja uma viragem teocêntrica. (...)

A pergunta sobre Deus coincide sempre com a pergunta sobre o homem aos olhos de Deus. Quando o homem se esforça por expor a sua conceção de Deus, a fé cristã pretende com isso fundamentalmente informar sobre a grandeza e a dignidade do ser humano juntamente com a sua pobreza e precariedade existencial. Por isso, uma relação vivida com Deus seja condição indispensável para a nossa saída em direção aos seres humanos. A missão que nos foi encomendada entre os homens decide-se nas perguntas: Deus existe? Se a resposta for positiva: Quem é Deus? Como é? Como é que o ser humano pode experimentar o seu amor e misericórdia? Se não dermos resposta a estas perguntas, não vale a pena fazer mais perguntas sobre as atividades eclesiais. «Na realidade, o seu centro e essência é sempre o mesmo: o Deus que manifestou o seu amor imenso em Cristo morto e ressuscitado » (EG, 11). (...)

Na atualidade, também vivemos na Igreja uma certa afasia no concernente a Deus e à fé. A razão disso basear-se-á no facto de nos faltar experiência viva de Deus? O silêncio de Deus – ou, talvez, o silêncio sobre Deus – na nossa época e a incapacidade de falar sobre Deus obedecem provavelmente ao facto de a Igreja ter poucos espaços para a experiência de Deus. No entanto, é precisamente a experiência de Deus o que constitui a base da evan gelização, mediante o anúncio da mensagem de vida. Porque, desde os tempos apostólicos, só podemos transmitir o que recebemos: «Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos» (At 4,20).

Dar testemunho de Deus, anunciá-lo como amor infinito, é o primeiro passo decisivo no caminho da evangelização. Para podermos descobrir a essencialidade desta tarefa, devemos experimentar a sua amorosa presença como fonte de energia. Também na experiência da ausência de Deus é de capital importância que su portemos, confiada e esperançadamente, esta dolorosa experiência. Sentir a falta de Deus já é um sinal do anseio de Deus. A experiência intensa de Deus é a motivadora força motriz de uma Igreja em saída.

Onde estiver Deus, aí haverá futuro, aí reinará a confiança que nasce da fé. A miséria de numerosas personagens da nossa época reside na dúvida permanente e paralisante sobre a possibilidade de encontrar na forma atual da Igreja em múltiplas Igrejas particulares. Muito frequentemente, só vemos os problemas e as dificuldades das pessoas que formam o rosto visível da instituição eclesial. Por isso, consideramos os problemas humanos da Igreja como se os víssemos através de uma lente de aumento e falamos muito sobre os estados de alma humanos e pouco sobre Deus. Em contrapartida, se dirigíssemos o olhar conjuntamente para Deus, não precisaríamos de nos deter nos erros e debilidades de quem temos na nossa frente. Naturalmente, o olhar conjunto para Deus não é uma desculpa para que fechemos os olhos e omitamos os problemas existentes; mas dá-nos a serenidade necessária para abordarmos com liberdade interior os problemas humanos que há na Igreja.

Não se pode negar que, entre as pessoas com quem convivemos, é cada vez maior o número daquelas para quem a fé se torna indiferente e negam a ideia de Deus. As pessoas que, in situ, dão rosto à Igreja não podem subtrair-se completamente a esta atmosfera omnipresente. Como todos conhecem este problema, a pergunta fundamental é esta: O que posso fazer pessoalmente para mitigar esta situação? As sugestões do papa Francisco podem abrir-nos um horizonte novo (cf. EG, 76ss).

A pergunta sobre Deus é permanentemente atual para cada pessoa que busca o sentido da vida. A ideia de Deus une não só as pessoas religiosas de todos os tempos, mas também os não-crentes e os ateus, dado que estes se definem precisamente pela sua rejeição da fé em Deus e por alinhar a sua identidade por con traste com as pessoas crentes. Se, em determinado sentido, a pergunta sobre Deus une todos os seres humanos e as respostas que encontram desempenham um papel decisivo na sua vida, nós os cristãos temos boas razões para pôr a ideia de Deus no centro da vida eclesial.

Se a pergunta sobre Deus é a alma da fé e da pergunta do homem sobre o sentido, e se esta pergunta representa a pergunta fundamental de toda a existência humana, então, a ideia de Deus constitui o verdadeiro lugar aonde cada cristão individual e a Igreja inteira são chamados. Ser-se cristão baseia-se na busca de Deus e no anseio de Deus. Se a pergunta sobre Deus desempenhar o papel fundamental na vida e na ação de cada pessoa religiosa, então a sua relevância configuradora para a Igreja não será superficial mas profunda, não será parcial mas integral, não será ocasional mas contínua, não será suplementar mas permanente e determinante.

Embora a Igreja, consoante a sua autocompreensão, seja um lugar privilegiado da presença e da atividade de Deus no mundo, isso não significa que nós, os cristãos, possamos alguma vez dar por encerrada a pergunta sobre Deus e não tenhamos de, também, continuar a procurar Deus. Devemos esforçar-nos por conseguir uma imagem de Deus que corresponda ao Deus revelado na vida e na mensagem de Jesus, e olhar conjuntamente para a origem da nossa fé: para o Deus de Jesus Cristo e para a autorreve lação de Deus nele.

Na atualidade, há novamente sinais de que o desejo de transcendência está a crescer nas pessoas. O anseio das pessoas, a fome e a sede de transcendência representam grandes desafios e, ao mesmo tempo, grandes oportunidades para a evangelização. Como cristãos, devemos abrir para as pessoas um novo acesso à dimensão do divino e mostrar-lhes caminhos para a compreensão da fé, de modo que vejam claramente que o ser humano é em si mesmo uma pergunta a que só Deus uno e trino constitui a respostas plena e definitiva.

A verdadeira visão humanitária apenas se torna sustentável a longo prazo se for assumida numa perspetiva teocêntrica. É a hora de reorientar o percurso antropológico da Modernidade, pondo-o na linha visual em que Deus é o centro. Todos falam do homem e dos seus problemas; mas não será a hora de mudar de perspetiva para se ver a condição humana a uma nova luz? «Não se constrói um mosteiro para resolver problemas, mas para louvar a Deus no meio dos problemas» (Henri Nouwen). O que o autor dos livros de espiritualidade Henri Nouwen escreve sobre a vida monástica não valerá também, de algum modo, para a pastoral da Igreja? Se o homem tomar consciência da sua origem e da sua meta, poderá ver abrir-se-lhe de par em par o acesso à verdadeira condição humana.

A resposta sensata aos desafios de uma era secular não é o fundamentalismo cego e arrogante nem o tradicionalismo carecido de espírito nem o relativismo indiferente e tíbio. O testemunho cristão de Deus deve diferenciar-se das múltiplas imagens de Deus que se sobrepõem, incessantemente, à imagem do Deus verdadeiro, empalidecendo-a e obscurecendo-a. O desafio permanente da evangelização radica em descobrir sempre de novo o centro e o fundamento de identidade da fé cristã e em en tender e fazer dialogicamente compreensível, a partir da sua raiz, a confissão de fé em Deus como amor. Para isso, a Igreja precisa não só de teólogos que trabalhem conscienciosa e cientificamen te, mas também de pastores de almas cuja pastoral esteja aberta aos tempos e orientada para a missão, assim como de cristãos que vivam a sua fé em comunidade eclesial viva. Deste modo, a Igreja poderá tornar-se esse espaço onde todas as pessoas que se abrem à pergunta sobre Deus terão a possibilidade de encontrar o Deus vivo do amor e da vida.

A relevância social da Igreja na sociedade atual radica justamente em se retomar o problema de Deus, em se desenvolver o tratado sobre Deus e em pôr o Deus de Jesus Cristo no centro do nosso pensamento e da nossa ação. Temos de procurar conjuntamente caminhos de fé e vias de acesso a ela, para sentirmos alento e força viva. Se, como Igreja, formos capazes de oferecer um testemunho gozoso e esperançado do Deus uno e trino como resposta à pergunta humana sobre o sentido, teremos dado o primeiro passo, o mais importante, de saída. A sorte da Igreja depende inteiramente da pergunta sobre Deus e da resposta que a fé lhe der; a saber, que Deus se autorrevela aos seres humanos na pessoa, na mensagem e na missão de Jesus Cristo.

 

Publicado em 01.03.2016

 

Título: Por uma Igreja em saída - Impulsos da Exortação Apostólica "Evangelii gaudium"
Autor: George Augustin
Editora: Paulinas
Páginas: 176
Preço: 9,00 €
ISBN: 978-989-673-510-4

 

 
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Chegou a hora de falar de Deus num mundo em que Deus já não tem lugar e de abrir espaços para a transcendência na imanência do mundo. Devemos trazer para a luz com nova clareza a ideia de Deus, libertada de todas as falsas noções que abusaram da sua verdadeira noção
Os cristãos corajosos devem estar dispostos a encetar com o mundo secular um diálogo intenso sobre os temas centrais da fé cristã. Aqui, não se trata de aspetos de segundo plano, mas das questões fundamentais da vida humana: qual é o sentido da vida? Donde vimos e para onde vamos? Porque é que o ser humano deve agir moralmente? O que é a liberdade e qual é o fundamento que possibilita a verdadeira liberdade?
Uma fé em Deus, forte e cheia de confiança, liberta energias para um compromisso corajoso a favor das pessoas. Porque a necessidade de que a fé dialogue com o mundo tem o seu fundamento na lógica interna da fé cristã na encarnação de Deus. Um diálogo de vida, desenvolvido na verdade e no amor, pode mostrar que a Modernidade não conduz necessariamente à perda de fé e à indiferença moral
Na atualidade, também vivemos na Igreja uma certa afasia no concernente a Deus e à fé. A razão disso basear-se-á no facto de nos faltar experiência viva de Deus? O silêncio de Deus – ou, talvez, o silêncio sobre Deus – na nossa época e a incapacidade de falar sobre Deus obedecem provavelmente ao facto de a Igreja ter poucos espaços para a experiência de Deus
A miséria de numerosas personagens da nossa época reside na dúvida permanente e paralisante sobre a possibilidade de encontrar na forma atual da Igreja em múltiplas Igrejas particulares. Muito frequentemente, só vemos os problemas e as dificuldades das pessoas que formam o rosto visível da instituição eclesial
Ser-se cristão baseia-se na busca de Deus e no anseio de Deus. Se a pergunta sobre Deus desempenhar o papel fundamental na vida e na ação de cada pessoa religiosa, então a sua relevância configuradora para a Igreja não será superficial mas profunda, não será parcial mas integral, não será ocasional mas contínua
A resposta sensata aos desafios de uma era secular não é o fundamentalismo cego e arrogante nem o tradicionalismo carecido de espírito nem o relativismo indiferente e tíbio. O testemunho cristão de Deus deve diferenciar-se das múltiplas imagens de Deus que se sobrepõem, incessantemente, à imagem do Deus verdadeiro, empalidecendo-a e obscurecendo-a
A relevância social da Igreja na sociedade atual radica justamente em se retomar o problema de Deus, em se desenvolver o tratado sobre Deus e em pôr o Deus de Jesus Cristo no centro do nosso pensamento e da nossa ação
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