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Natal

O presépio-lapinha madeirense

Uma análise, ainda que sumária, dos Presépios e Lapinhas madeirenses, leva-nos à conclusão de que o madeirense, em geral, não se fica pelo presépio clássico, vindo da vivência de Francisco de Assis, mas trata de colocar em cena toda a sua vida, os costumes da sua vida religiosa e social.

Não será apenas por respeitar e evidenciar uma tradição que remonta aos primórdios deste povo, mas certamente para proporcionar uma vivência actual e profunda da mensagem do Natal, centrada no mistério da encarnação do Verbo. Aliás, é esse o espírito deixado por Francisco de Assis, quando em 1223 na floresta de Greccio, representou ao vivo, com a participação dos seus frades e a ajuda dos habitantes desta localidade italiana, o nascimento de Cristo Salvador e os franciscanos levaram a ideia da representação artística do Nascimento do Menino Jesus por todo o orbe terrestre, criando figuras em barro e outras matérias-primas. Já no século XVIII, a recriação da cena do nascimento de Jesus estava completamente inserida nas tradições de Nápoles e da Península Ibérica. De Portugal continental veio para a Madeira, na bagagem de fé dos primeiros colonizadores.

A esta representação do Nascimento do Menino Jesus, em figuras de barro, começou então a chamar-se o “Presépio”, cujo conceito original significa “um lugar onde se recolhe o gado; curral, estábulo”.

Foto

Hoje, nas igrejas e nos lares cristãos de todo o mundo, e ainda em muitos lugares públicos, são montados presépios recordando o nascimento do Menino Jesus, com imagens, de madeira, barro ou plástico, em tamanhos diversos e segundo o gosto e posses da comunidade eclesial ou familiar.

 

O Presépio clássico

O essencial no “Presépio” é sem dúvida uma reprodução das cenas do Nascimento do Menino, tal como narra o historiador e evangelista Lucas (Lc 2, 1-20).

O nascimento do Menino, que é colocado numa manjedoura; o anúncio deste acontecimento feito pelo Anjo aos pastores; o encontro destes com Maria, José e o Menino, deitado na manjedoura tal como lhes havia sido indicado pelo Anjo.
Essencialmente são, portanto, estes os elementos originais do “Presépio”. A Tradição, porém, e a fé e devoção dos crentes, juntam as figuras da vaquinha e do burrinho, com cujo bafo aquecem o Menino, e coloca também no presépio a visita dos Reis que posteriormente chegaram a Belém, com presentes.

FotoCasa-Museu Colombo

A este conjunto de figuras, num meio envolvente também identificado, mais ou menos enriquecido, chamamos o “Presépio clássico”.

 

A lapinha Madeirense

O lavrador madeirense, sem muito tempo e posses para armar presépios clássicos, arma a Lapinha (designação que faz referência à gruta do nascimento). Coloca, junto da parede da casa fronteira à porta de entrada, uma mesa coberta com a colcha da rede, vermelha e enramada, e estende sobre esta uma toalha branca, cheia de rendas. Na parede, faz um arco com os ramos de alegra-campo, ornado com flores e cadeias de papel de cor.

Sobre a toalha coloca uma escadinha, e no mais alto desta a escultura do Menino Jesus. Um arco de flores de papel emoldura esta imagem. Hoje chamados «Arquinhos do Menino Jesus». Sobre a escadinha e a mesa são colocados os pastores. Também as «cabrinhas», o «ensaião», e as «searinhas», os «brindeiros» (pães pequenos para as crianças), as garrafinhas de vinho e a fruta – laranjas, maçãs, anonas, castanhas, nozes, etc. Diante do Menino coloca um pires, para as esmolas, e uma lamparina de azeite a arder.

FotoClaudio Vosti

Sobre a mesa, em frente do Menino, há quem coloque também em miniatura, as cinco imagens tradicionais do Presépio, — o Menino, Maria, José, a vaca e o burrinho. Desta forma une o Presépio à Lapinha. O Menino da Lapinha, por vezes com um globo nas mãos, representa já o Menino Rei do Mundo.

Na Madeira, porém, o povo não costuma distinguir entre «Presépio» e «Lapinha». O presépio mais clássico, também é denominado a «Lapinha». Sobretudo se esse presépio também assume as características mais desenvolvidas de uma autêntica lapinha e contém muitos dos seus elementos.

 

O Presépio-Lapinha madeirense

Seja da maior simplicidade ou se revista de grande complexidade, o Presépio-Lapinha madeirense fala eloquentemente da terra e da gente da Madeira, com todos os seus costumes e actos de vida social e religiosa. O madeirense sabe olhar para o seu meio envolvente, para a terra que habita, para os hábitos de vida religiosa e social, sobretudo da mesma época do Natal, e, com toda a sua imaginação, inteligência e criatividade, procura fazer o «seu Presépio-Lapinha».

FotoFoto: http://madeira-gentes-lugares.blogspot.pt/

Fazendo uma análise dos presépios-lapinha que tivemos a oportunidade de visitar pessoalmente ou de tomar conhecimento através da comunicação social, nestes dias próximos passados, mas sobretudo daquele que está instalado no Largo da Restauração, sob a responsabilidade da socióloga Dr.ª Gilda Nóbrega, chegámos a algumas constatações.

A orografia madeirense é quase sempre representada nos grandes presépios, com as suas montanhas, os cursos de água com as suas nascentes e chegada aos seus destinos através das levadas, para irrigar a terra de onde provêm os produtos da subsistência.

O anfiteatro do Funchal é determinante na feitura do Presépio, a tal ponto de se afirmar que a mesma Madeira é um Presépio, quando a verdade é que se faz um Presépio onde a Madeira é encarnada.

A vida de trabalho, na azáfama da feitura e cultura dos «poios» que o madeirense conquistou à montanha, assim como o córrego e as quedas de água é outra constante apreciada agora no referido Presépio do Largo da Restauração.

FotoFoto: Soledade

As zonas altas da Madeira com as suas casinhas cimeiras, brancas com janelas verdes viradas ao mar, são outra realidade madeirense ali patente.

A aldeia madeirense, encaixada no coração dos vales, com as suas casas em redor da Igreja paroquial, em cujo adro toca a Filarmónica e baila o Grupo de Folclore, com as procissões do Santíssimo ou do Santo Padroeiro, pelas ruas adjacentes, falam eloquentemente das tradições madeirenses.

A cena das lavadeiras à beira da levada, são outra tradição patente, muito embora hoje substituída pela máquina de lavar.

Até o «porquinho» da Festa ali está esperando a hora de ser convertido na famosa carne de «vinha-d’alhos», tão desejada e saboreada nas Missas do Parto e na época de Natal.

Os «jarros» do jardim e da montanha, são outra realidade desta terra de flores, que com razão é chamada a «Pérola do Atlântico».

Foto

Vimos noutra lapinha a tradição do arraial madeirense, com os mastros e bandeiras de cruz, e todo o conjunto iluminado.
Cenas da «amassadura» do «pão de casa», da «função do porco», do tecer a lã, da elaboração de instrumentos e trajes regionais, do bolo do caco e das espetadas, das nossas tradições folclóricas, abundam nos presépios-lapinhas madeirenses.

A mesma estrutura do Presépio-Lapinha vai buscar a sua forma e matéria-prima tanto aos inertes como à mesma flora madeirense, destacando-se, por vezes, a mesma gruta que é coberta pelo colmo (palha de trigo), tal como as primeiras casas típicas construídas na Ilha, ou os mesmos palheiros que ainda se vêem aqui e além.

Ao valor artístico e bom gosto revelados na maior parte dos Presépios-Lapinha madeirenses, acresce ainda a espiritualidade de um povo crente que faz desta quadra do Natal um dos pólos religiosos mais importantes da sua vida, desde as Missas do Parto até à Missa da Meia Noite, vivida em toda a quadra natalícia. Tudo é colocado no presépio para ser abençoado e protegido pelo Menino Jesus, o Salvador da Humanidade.

 

Manuel da Gama
In Jornal da Madeira. 28.12.2007
13.12.12 | Atualizado em 09.12.13

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