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Quem construiu S. Pedro?

Quem construiu S. Pedro?

Imagem Basílica de S. Pedro, Vaticano | Svetlana Day/Bigstock.com

Se colocássemos esta pergunta a um cidadão qualquer, responderia que a construíram os arquitetos, decerto importantes e famosos a partir do momento em que fizeram a basílica. Se dirigíssemos a pergunta a uma pessoa culta, é possível que soubesse o elenco do nome dos arquitetos: Donato Bramante e Raffaello, Antonio da Sangallo e Michelangelo, Carlo Maderno e Gian Lorenzo Bernini, entre outros.

E no entanto atrás dos arquitetos, mais importante do que eles, estava a Fábrica. A Fábrica quer dizer a multidão de pedreiros, cortadores, especialistas em mármore, carpinteiros, artesãos do azulejo que deram imagem àquilo que hoje vemos: o «grande teatro de colunas» das arcadas de Bernini, o obelisco colocado no centro da praça, a cúpula, os mármores policromados, os mosaicos, os bronzes, os estuques que cobrem numa extensão de mais de dois hectares o interior da basílica.

Fábrica quer dizer o ofício que organizou e disciplinou os trabalhadores, governou os estaleiros, administrou o dinheiro, o muito dinheiro (muitos milhares de milhões de euros se os traduzíssemos em valor atual) que foram empregues, no arco de três séculos, para realizar uma das obras-primas máximas da civilização humana.

Por isso é justo dizer que foi a Fábrica a construir S. Pedro. Em mais de 500 páginas, pouco menos de 30 estudiosos especialistas contam-nos a história da igreja mais célebre do cristianismo, do ponto de vista da Fábrica. Graças a este livro ("Quando la Fabbrica costruì San Pietro. Un cantiere di lavoro, di pietà cristiana e di umanità XVI-XIX secolo", "Quando a Fábrica constrói S. Pedro. Um estaleiro de trabalho, de piedade cristã e de humanidade, séculos XVI-XIX", ed. Formichiere, 592 páginas, 35 €) emergem os nomes de homens e mulheres (muitas mulheres) que nunca tinham sido recordados antes e que deram à basílica os seus saberes, os seus mesteres, o seu trabalho.



Que um livro como este veja a luz sob o pontificado do papa Francisco no seu ano jubilar da misericórdia não é sem significado. Poderemos dizer que este livro é, de certa maneira, um ato de misericórdia para os esquecidos da história



Vem à mente aquela poesia de Bertolt Brecht em que o poeta se interroga: quem construiu as pirâmides, quem construiu Tebas das cem portas? Os livros de história reportam os nomes dos soberanos que quiseram aquelas maravilhas, ninguém recorda o esforço das multidões que as realizaram. «César conquistou a Gália. Não tinha consigo nem sequer um cozinheiro?», pergunta o poeta. Certamente que tinha, e provavelmente mais do que um. O facto é a história não é escrita pelos cozinheiros, nem pelos pedreiros, nem pelos carpinteiros. A história é escrita ou é feita escrever pelos grandes, e isto explica tudo.

Tem-se a impressão que o pensamento do marxista e comunista Bertolt Brecht atravessa o livro coordenado por Assunta Di Sante e Simona Turriziani, que marxistas e comunistas decerto não são. Todavia nada acontece por acaso debaixo do céu. Que um livro como este veja a luz sob o pontificado do papa Francisco no seu ano jubilar da misericórdia não é sem significado. Poderemos dizer que este livro é, de certa maneira, um ato de misericórdia para os esquecidos da história.

De muitas coisas se fala nos muitos ensaios que povoam o volume, sendo sempre protagonista a Fábrica de S. Pedro, atualmente presidida pelo cardeal Angelo Comastri.



Algumas distinguiam-se pelo temperamento e pelo orgulho profissional. Como Francesca Bresciani, extraordinária cortadora de lápis-lázuli para o tabernáculo do Sacramento (um prodígio de azul e de ouro), que não hesita em enfrentar com energia, e com muitas boas razões, o grande e naqueles anos quase omnipotente cavaleiro Bernini



Fala-se da angariação e da administração dos recursos financeiros, colocando de maneira nova a questão, tão cara à polémica anticatólica, da gestão das indulgências entre os séculos XVI e XVII. Fala-se da formação dos trabalhadores, da "segurança social", dos subsídios às famílias de vítimas de acidentes de trabalho. Fala-se também das festas acompanhadas de grandes banquetes, quando se concluía um estaleiro.

Fala-se igualmente, e é a primeira vez que o tema é abordado, das mulheres de vários modos diligentes ao serviço de S. Pedro: Paola, responsável pela impressão ao serviço da Fábrica, Pacifica, que com o seu cavalo trazia travertino das pedreiras de Tivoli, Lucrezia Cianti, fornecedora de madeira, Camilla, responsável pelo forno, Giovanna Jofrate, vidreira, Vittoria Pericoli, cristaleira e cortadora de esmaltes.

Algumas distinguiam-se pelo temperamento e orgulho profissional. Como Francesca Bresciani, extraordinária cortadora de lápis-lázuli para o tabernáculo do Sacramento (um prodígio de azul e de ouro), que não hesita em enfrentar com energia, e com muitas boas razões, o grande e naqueles anos quase omnipotente cavaleiro Bernini, que tinha ousado contestar-lhe uma fatura pelo trabalho realizado.

Também por isto, por ter dado voz e imagens à outra metade do céu, como intitula Simona Turriziani a sua apresentação das mulheres ativas no estaleiro petrino, devemos estar gratos a quem este livro quis e realizou.



 

Antonio Paolucci
Ex-diretor dos Museus do Vaticano
In "L'Osservatore Romano", 5.4.2017
Trad.: SNPC
Publicado em 04.04.2017

 

 

 
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