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Poesia

Um fim de semana com Eugénio de Andrade e Tolentino Mendonça

No sombrio e chuvoso fim-de-semana de 18 e 19 de janeiro, o Porto viveu dois luminosos momentos culturais, à volta da escrita de dois grandes poetas.

O primeiro, na Biblioteca Municipal (a S. Lázaro), destinou-se a homenagear Eugénio de Andrade (1923-2005), com comunicações de Siza Vieira e de José Tolentino de Mendonça, sob coordenação do Professor Arnaldo Saraiva.

Siza Vieira salientou que o ostinato rigore perseguido na escrita de Eugénio de Andrade é também o desígnio fundamental demandado pela Arquitetura. Considerou que, sem este modo de depuração, nenhuma obra de arte suscitará a vibração estética que permita transcender-se acima da sua materialidade. Confirmando este ponto de vista, uma das participantes, identificando-se como agnóstica, testemunhou que a simplicidade e nudez da igreja do Marco de Canavezes lhe suscitaram uma surpreendente elevação interior.

Na intervenção de Tolentino de Mendonça viu-se um poeta que estava a vibrar com outro poeta. Elogiou em Eugénio de Andrade o pertinaz esforço de rigor, que elevava os seus poemas até à vizinhança da perfeição. Concordou que a sensualidade ciciada na sua poesia sugere uma ressonância que vai para lá do corpo e lembrou que, não obstante assumir um pessoal anticlericalismo, o poeta ocidental que Eugénio de Andrade mais admirava era S. João da Cruz. Revelou que o autor de «Os Sulcos da Sede» gostava muito da oração «Nunc dimittis» do velho Simeão, relatada no Evangelho, e que o derradeiro verso («Não sabemos sequer se tens nome») do poema «O inonimado», de que ele mais falava nos últimos anos, representava o seu lugar possível para dizer Deus.

 

A papoila e o monge

Foi à volta da poesia de Tolentino de Mendonça que decorreu na Casa das Artes mais um «Círculo de Conversas», na tarde do dia seguinte.

Como tinha acontecido na véspera, o público acorreu em massa a esta iniciativa de «Porto de Encontro». Embora esta conversa estivesse focada na apreciação do livro A papoila e o monge, nela esteve também muito presente o conjunto da obra de José Tolentino de Mendonça, magnificamente ilustrada pela brilhante declamação de poemas, a cargo de Luis Miguel Cintra, um dos interventores no debate.

A conversa foi pretextada pela poesia, mas o que mais se debateu a propósito da poesia foi a questão da fé e do silêncio. Tolentino esclareceu que a fé não é a resposta, senão a pergunta e a disponibilidade para o silêncio, considerando que a poesia torna mais carnal a pergunta posta pela fé. Tal como acontece com a fé, a poesia vive de uma transparência mas também de uma sombra, coabitando com uma indeterminação que pode aceitar-se como sacramento do invisível.

Coube a Rosa Maria Martelo debruçar-se mais explicitamente sobre A papoila e o monge, livro que reúne um conjunto de poemas inspirados no «haïku», forma de arte literária de origem japonesa, caracterizada pela partilha de uma experiência e de uma sabedoria, da forma o mais despojada possível.

Esta distinta académica pôs em relevo o modo como no último livro de José Tolentino de Mendonça se valoriza o silêncio, que nos liberta do aturdimento das vozes. Foi à volta deste tema, uma das características do «haiku», que Rosa Maria Martelo teceu considerações sobre a contemplação, que designou como um pensar sem porquê. Na sua opinião, essa liberdade de espírito é o contrário do que hoje se exige, mesmo no trabalho das universidades, onde é imposto um pensar por objetivos, que engaiola toda a criatividade.

Salientando a importância da contemplação como uma forma de disponibilidade para encontrar o que não procurávamos, Rosa Maria Martelo associou esta atitude à da poesia. Para esta professora universitária, a questão da poesia e da arte é uma questão religiosa, na medida em que proporciona não um encontro mas uma direção, pois fala não sobre o que se sabe mas sobre um trajeto.

Se tivéssemos de nomear qual teria sido o eixo fundamental à volta do qual se polarizaram estes dois eventos portuenses, não teríamos melhor formulação do que aquela que foi explicitada pelo padre poeta José Tolentino de Mendonça: o poema não exprime o inexprimível, devolve o inexprimível.

 

Manuel António Ribeiro
In Voz Portucalense, 29.1.2014
29.01.14

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Foto
Eugénio de Andrade

 

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