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A unidade plural dos cristãos: Avanços, dificuldades e desafios colocados ao ecumenismo

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A unidade plural dos cristãos: Avanços, dificuldades e desafios colocados ao ecumenismo

O ecumenismo, após uma estação avaliada como "inverno" por muitos cristãos comprometidos no diálogo ecuménico, parecer ter reencontrado hoje um novo impulso: o diálogo e o debate parecem intensificar-se e a convicção com que o papa Francisco se movimenta torna dinâmica uma situação que aparentemente se limitava ao ecumenismo espiritual, extinguindo assim toda a expetativa de avanços significativos para a unidade visível dos cristãos.

Sejamos claros, o ecumenismo espiritual, isto é, praticado em obediência ao Espírito Santo e alimentado pela oração e a penitência, continua a ser decisivo; sem ele, o encontro entre as Igrejas é tentado a reduzir-se ao âmbito diplomático ou transformar-se sobretudo numa santa aliança contra um inimigo comum que sempre, ainda que de diferentes formas, surge no horizonte da história.

Mas o risco deste ecumenismo denominado espiritual é que aquilo que se repete continuamente - «a unidade acontecerá quando e como Deus quiser» - cria demissões de responsabilidades, sobretudo na autoridade das Igrejas: a inércia humana pode tornar-se oposição ao próprio Espírito Santo.

É reconhecido que o papa Francisco, desde os primeiros dias do seu pontificado, soube suscitar expetativas de uma comunhão entre as Igrejas mais profunda, com palavras e gestos reconhecidos também pelos não católicos como originários do Evangelho, obedecendo à vontade de Jesus na oração última ao Pai: «Que sejam um para que o mundo creia» (Jo 17, 21).

A peregrinação à Terra Santa e o encontro com o patriarca ecuménico de Constantinopla e os outros patriarcas presentes em Jerusalém, a viagem a Istambul com os repetidos encontros com Bartolomeu, o acolhimento e o diálogo - poderemos dizer inaugurado pelo papa Francisco - com os evangélicos, a alegria com que ele encontra autoridades das Igrejas não católicas são sinais evidentes de um clima que mudou.

Note-se também que hoje, no Oriente ortodoxo, há alguns patriarcas, como o "papa" copta Tawadros II II ou Youhanna X de Antioquia, que se mostraram abertos e seriamente empenhados no diálogo intraeclesial. Condições favoráveis, portanto, para o diálogo, especialmente entre Igreja católica e Igrejas ortodoxas - 14 Igrejas autocéfalas -, mesmo se existem tensões e rivalidades entre as autoridades destas Igrejas que criam complicações e abrandamentos.

Uma etapa importante no diálogo teológico é representada pelo Documento de Ravena, assinado em 2007 pelas Igrejas ortodoxas e pela Igreja católica, em que se afirma que não há sinodalidade sem "protos", um "primeiro", e não há "protos" sem sinodalidade: isto a nível diocesano, regional e universal, com o respetivo reconhecimento de que neste último plano o "protos" é entrevisto no bispo de Roma, «a Igreja que preside na caridade», segundo a expressão de S. Inácio de Antioquia, à qual compete um primado.

A última reunião da comissão do diálogo católico-ortodoxo, realizada em Amã, mostrou sinais de impasse, mas o diálogo prossegue e a celebração do sínodo panortodoxo em 2016 poderá representar uma ocasião de impulso e sintonia entre as Igrejas ortodoxas.

O diálogo com a ortodoxia permanece intenso, sobretudo com o patriarcado ecuménico de Constantinopla: o papa Francisco, a este propósito, declarou que «para chegar à meta suspirada da plena unidade, a Igreja católica não pretende impor qualquer exigência, a não ser a da profissão da fé comum» [cf. Artigos relacionados]; quanto ao ministério petrino, afirmou que pretende continuar o debate pedido por João Paulo II na encíclica "Ut unum sint", para que, inspirados pela prática do primeiro milénio, se alcance um acordo sobre «modalidades com as quais se garanta a necessária unidade da Igreja nas atuais circunstâncias», isto é, na forma do exercício do primado.

São particularmente importantes, neste sentido, as palavras do papa Francisco, que lê a excomunhão recíproca entre Roma e Constantinopla como um acontecimento que se deveu ao facto de «a Igreja olhar para si própria e não olhava para Jesus Cristo». Ao mesmo tempo, são igualmente relevantes as palavras do patriarca Bartolomeu sobre «a ideia do império cristão e da "societas christiana" que ultrapassaram o bom princípio para introduzir o espírito mundano», e isto porque «o sedutor do mundo procurou e procura tornar vão o anúncio do Evangelho». Uma convergência de pensamento entre Francisco e Bartolomeu que surpreende, mas que se colhe claramente dos encontros e das palavras que trocam entre si.

Paralelamente ao diálogo com as igrejas ortodoxas, prossegue, da parte católica, o diálogo com as Igrejas orientais, com as quais, após 1500 anos de separação, é possível o consenso sobre o essencial da fé e da eclesiologia [perspetiva de entender a identidade e orgânica da Igreja]. Todavia, não há nenhum idealismo. A estrada é ainda longa, mas existe vontade e o ecumenismo do sangue é eloquente como nunca e faz redescobrir como para cada cristão o Batismo é decisivo: faz do cristão um membro do corpo de Cristo que é único, ainda que não haja plena unidade, porque esta obter-se-á só no Reino! Mas a unidade visível pode ser reencontrada como nos primeiros séculos: uma unidade plural, que contém a riqueza da diferença e sabe transcender os conflitos que não podem ser removidos no caminho da Igreja na história.

Mas se são repletos de esperança os diálogos com a Igreja do Oriente, deve admitir-se - com lástima mas com clareza - que são mais difíceis os diálogos com as outras Igrejas. Um último exemplo vem das relações com os vetero-católicos, por causa dos seus acordos de intercomunhão com Igrejas da reforma, como a luterana ou a comunhão anglicana. Para a Igreja católica, que reconhece aos bispos vetero-católicos a sucessão apostólica e a consequente validade dos sacramentos, surge agora uma pergunta sobre a sua compreensão da doutrina do ministério: será que continua a ser partilhada?

Um diálogo que torna ainda mais acidentado com as Igrejas da reforma onde a admissão das mulheres ao ministério episcopal e o aprofundamento da separação sobre muitos temas de moral cristã acentuam as divergências. Simplificando, talvez de maneira excessiva, poderia dizer-se que entre Igreja católica e Igrejas da reforma houve uma aproximação na doutrina, sobretudo sobre a Eucaristia, mas um distanciamento cada vez mais marcado no âmbito ético, em particular no que diz respeito à moral sexual e matrimonial.

Por outro lado, é preciso registar que com estas Igrejas tornou-se mais evanescente o próprio objetivo do ecumenismo: com efeito, fez caminho a ideia de que só é preciso o reconhecimento recíproco, sem que se deva procurar uma unidade visível na profissão de fé e que se deve, por isso, resignar-se às atuais divergências porque se pensa que a Igreja esteve sempre dividida e que as diversas confissões cristãs são todas legítimas. Mas para a Igreja católica e para as ortodoxas, como também para muitos teólogos, pastores e fiéis protestantes, a unidade da Igreja está na vontade de Cristo, e a ela não se pode renunciar: equivaleria a declarar que o divisor obteve a vitória e que se acolhe um pensamento débil em que tudo se equivale sem uma regra de fé.

Depois, cresce cada vez mais uma novidade que influencia o curso do ecumenismo: a emergência das comunidades eclesiais de matriz evangélica e carismática. São uma plêiade de comunidades locais, uma rede de Igrejas sem estrutura unitária que contam por agora com 600 milhões de fiéis em todo o mundo. É uma nova forma de viver o cristianismo que entra na história, após as divisões entre Oriente e Ocidente no século XI e a reforma do século XVI. É muito difícil descrever este fenómeno cristão tão variado, parcelado, móvel...

Trata-se de compreender estas realidades que conhecem uma forte carga missionária e uma forte expansão: como traçar um diálogo com elas? Que representatividade destas miríades de comunidades se pode delinear para um diálogo eficiente e frutuoso? É verdade que se podem realizar encontros pessoais em que o ser cristão implica o respeito, a colaboração, o reconhecimento do Batismo como fundamento da vida cristã, mas continua a ser certo que a realidade evangélico-pentecostal é uma nebulosa com quem o debate doutrinal é difícil, frágil e nem sempre possível: são comunidades que não reconhecem a tradição, altamente subjetivas, por vezes centradas mais em torno de um pregador, de uma personalidade forte, que a uma "fé" formulada como regra.

Sim, o ecumenismo atravessa uma nova fase, com presenças inéditas e surpreendentes pela sua consistência numérica, muitas vezes em concorrência com as Igrejas tradicionais históricas: pense-se no grande número de fiéis que erodem em particular a Igreja católica na América Latina. É verdadeiramente necessária a fé em Jesus Cristo como Senhor da Igreja, capaz de dar unidade ao seu corpo também na história: os cristãos devem permanecer obedientes ao Evangelho e procurar cumprir a vontade de Cristo no que diz respeito à unidade dos seus discípulos.

Devemos ainda ter em conta três evidências. Antes de tudo, o ecumenismo só tem um século de vida, e, para a Igreja católica, apenas 50 anos de prática autorizada a nível eclesial. Por outro lado, existem situações de "não contemporaneidade" entre as Igrejas: as respetivas histórias são diferentes, uma no Ocidente, outra no Médio Oriente, outra no hemisfério Sul do mundo, e outra ainda no Extremo Oriente. Devemos ter a honestidade de reconhecer que muitas vezes não somos culturalmente contemporâneos.

Por fim, ligado a este dado, constata-se que hoje, mais do que nunca, fazem-se sentir como determinantes as diferenças culturais. Não era assim no passado, em que só a teologia indicava a diferença ou a vizinhança: hoje, no interior de uma mesma Igreja, as diferenças culturais pesam sobre as escolhas adotadas, sobretudo a nível moral. Isto é evidente entre os anglicanos na admissão das mulheres ao episcopado e é claro em muitas Igrejas, inclusive a católica, a nível de determinadas opções éticas.

É certo que novos desafios nos esperam, novas conjunturas nos condicionam. Mas o ecumenismo não é uma moda nem um sinal dos tempos: está na vontade do Senhor Jesus Cristo e ser ecuménico faz parte do ser cristão. Quem não é capaz do ecumenismo não é capaz de viver uma precisa exigência evangélica: o ecumenismo, com efeito, torna-se uma questão de obediência ao único Senhor da Igreja e da história.

A Igreja está a assinalar, até domingo, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que em 2015 se baseia na frase «Dá-me de beber», extraída do Evangelho segundo João (4,7). O pedido é exprimido por Jesus a uma samaritana, que não partilhava com Ele várias dimensões culturais e religiosas.

 

Enzo Bianchi
Prior do Mosteiro de Bose, Itália
In "Avvenire", 14.12.2014
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 22.01.2015 | Atualizado em 15.04.2023

 

 
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Uma etapa importante no diálogo teológico é representada pelo Documento de Ravena, assinado em 2007 pelas Igrejas ortodoxas e pela Igreja católica, em que se afirma que não há sinodalidade sem "protos", um "primeiro", e não há "protos" sem sinodalidade: isto a nível diocesano, regional e universal
Mas se são repletos de esperança os diálogos com a Igreja do Oriente, deve admitir-se - com lástima mas com clareza - que são mais difíceis os diálogos com as outras Igrejas. Um último exemplo vem das relações com os vetero-católicos
Simplificando, talvez de maneira excessiva, poderia dizer-se que entre Igreja católica e Igrejas da reforma houve uma aproximação na doutrina, sobretudo sobre a Eucaristia, mas um distanciamento cada vez mais marcado no âmbito ético, em particular no que diz respeito à moral sexual e matrimonial
A realidade evangélico-pentecostal é uma nebulosa com quem o debate doutrinal é difícil, frágil e nem sempre possível: são comunidades que não reconhecem a tradição, altamente subjetivas, por vezes centradas mais em torno de um pregador, de uma personalidade forte, que a uma "fé" formulada como regra
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