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Teatro

"Barioná", de Jean-Paul Sartre

«O facto de me ter debruçado sobre o tema da mitologia do cristianismo não significa que a direção do meu pensamento tenha mudado nem sequer por um instante durante o cativeiro. Tratava-se simplesmente, de acordo com os sacerdotes prisioneiros, de encontrar um tema que pudesse tornar realidade, nessa noite de Natal, a união mais ampla possível entre cristãos e não crentes» (Jean-Paul Sartre, 31 de outubro de 1962).

“Barioná”, é o título do Mistério de Natal escrito e levado ao palco três vezes no Stalag 12D, em Tréveris, Alemanha, onde o autor esteve preso.

A exibição, que ocorreu nos dias 24, 25 e 26 de dezembro de 1940, foi presenciada por cerca de dois mil prisioneiros de cada vez.

A representação teve como origem o desejo e a autorização de celebrar a Missa do Galo no campo de prisioneiros. Esta notícia e a relação de mútuo respeito entre Sartre e um grupo de sacerdotes católicos, constituído pelo padre Marius Perrin, o dominicano Pierre Boisselot – que exercia a função de capelão do campo – o jesuíta Maurice Espitallier e o padre Henry Leroy, levaram a que ele tomasse a iniciativa de propor a junção do sagrado e do profano: «Porque não ressuscitamos a tradição dos Mistérios que antes se celebravam e nos quais todos podem participar de alguma maneira?»

Cartaz

Em apenas seis semanas, Sartre não só escreveu a obra, como ensaiou um dos personagens - o mago Baltazar -, dirigiu os atores e supervisionou a fabricação do cenário e figurinos.

«A minha primeira experiência teatral foi particularmente afortunada – recordou mais tarde. Enquanto estive preso na Alemanha em 1940, escrevi, pus em cena e interpretei uma obra de Natal, a qual, conseguindo esquivar a vigilância do censor alemão, através de símbolos simples, se dirigia aos meus companheiros de cativeiro (…) naquela ocasião, ao dirigir-me aos meus companheiros por cima das luzes das gambiarras e falando-lhes desde a sua condição de prisioneiros, vi-os de repente tão realmente silenciosos e atentos que compreendi o que o teatro tinha de ser: um grande fenómeno coletivo e religioso.»

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Numa das suas cartas a Simone de Beauvoir, o filósofo francês dizia: «Seguramente devo ter talento como autor dramático: escrevi uma cena do anjo que anuncia aos pastores o nascimento de Cristo, que deixou a todos sem respiração (…) inclusivamente a alguns saltaram-lhes as lágrimas.» E ainda: «Parece que fiz um Mistério de Natal muito comovente, ao ponto de alguns dos atores, ao declamarem, lhes saltarem as lágrimas».

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Durante muito tempo não se encontrou o texto.

Durante muito tempo, Sartre proibiu a sua representação, à exceção de uma edição-lembrança de quinhentos exemplares, fora do circuito comercial, nos anos sessenta.

Hoje já dispomos deste texto, que é a sua primeira peça de teatro. Assim como de alguns relatos dos protagonistas deste momento histórico de dor e de esperança.

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Segundo o testemunho do padre Marius Perrin, companheiro de Sartre no cativeiro: «Depois de Barioná, tudo mudou. Foi como se Sartre tivesse introduzido um “vírus”. Foi como se, graças a ele, “um longo período de incubação”, em que estivemos impedidos de nos revoltar, tivesse finalmente chegado ao fim».

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Também para Sartre, Barioná representou – de acordo com Bernard-Henry Lévy – “a verdadeira viragem na vida e na obra (…) é desta experiência do Stalag e da elaboração da peça nesse local, que data o nascimento de um segundo Sartre, efetivamente messiânico, otimista, engagé num sentido novo do termo e que volta subitamente as costas à bela metafísica pessimista que era como um salvo-conduto, uma vacina, contra os desvarios políticos.”

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Encontramos nesta obra uma faceta menos conhecida de Sartre, mas sempre presente subterraneamente, uma herança discreta que lhe vem dos avós e continuada pelos pais através de uma mistura católica e protestante.

Em “As Palavras” ele anota: «Escreve-se para os seus vizinhos ou para Deus» e ele desde muito cedo parece ter tomado «o partido de escrever para Deus a fim de salvar os seus vizinhos».

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Segundo o testemunho do padre Marius Perrin «os homens de Barioná correm talvez para a sua morte (…) para que a esperança dos homens livres não seja assassinada».

 

Sinopse

«O texto conta a história de uma aldeia da Judeia sob ocupação romana.

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Conta como, dado que os Romanos tinham decidido aumentar os impostos, o chefe da aldeia, Barioná, exorta os seus concidadãos a ripostar deixando de fazer filhos.

Mas eis que a sua mulher Sara lhe anuncia, que está precisamente grávida – e eis que, exatamente no mesmo dia, da aldeia vizinha de Belém chega a notícia do Nascimento de um outro recém-nascido, “enfaixado e deitado num presépio”, que os Magos e os feiticeiros creditados anunciam como sendo o Messias.

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Que irá fazer Barioná? Irá, como pensou inicialmente, matar este recém-nascido, cujo futuro, crucificação e ressurreição foram vaticinados pelo feiticeiro da aldeia? Ou irá, ao invés, converter-se e protegê-lo da violência dos Romanos que, alarmados pela agitação que reina na região, decidiram também suprimi-lo.

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Depois de refletir, Barioná decide proteger a criança. Sacrificando a sua vida e a dos seus aldeões para proteger a do pequeno Messias, ele aguentará os Romanos até que Maria, José e o seu recém-nascido tenham conseguido escapar. E a Sara, que se despede numa derradeira cena comovente, também lhe diz que mudou de opinião quanto a eles e que, por conseguinte, quer que ela dê à luz o seu filho e que lhe diga, à hora da nascença, que o seu pai morreu na alegria!» (Bernard - Henry Lévy in “O Século de Sartre”)

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Dramaturgia

A versão cénica de “Barioná”, que é apresentada pela primeira vez em Portugal pelo Teatro do Ourives, assenta numa tradução e adaptação da peça, a partir da edição ampliada e revista de José Ángel Agejas, 2006, sobretudo pela dificuldade em aceder à versão original.

Quando foi apresentada no Stalag 12D, a obra teve a duração de três horas e contou com a colaboração de 60 pessoas em palco.

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Respeitando sempre a essência da obra e o pensamento do autor, a peça foi sujeita a um trabalho de dramaturgia, que incidiu no corte de algumas cenas e na redução de alguns monólogos e diálogos, que apesar da sua beleza literária, não se revelaram fundamentais para uma intensidade e fluidez dramática.

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“Barioná”, encenada por Júlio Martín da Fonseca, sobe ao palco em Lisboa na Rua de São Domingos à Lapa, 41, dias 14 e 15 de janeiro (21h30), dia 16 (18h00), 21 e 22 (21h30) e 23 (18h00). O projeto completa-se com uma digressão pelo país.

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Teatro do Ourives
© SNPC | 11.01.11

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Ligações e contactos
Reservas: teatrodoourives@gmail.com; 91 677 05 13

 

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