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Exposição

Anos 70 - Atravessar fronteiras

Quando Raquel Henriques da Silva lhe telefonou perguntando por Árvore/Jogo, Alberto Carneiro limitou-se a dizer que apenas havia uns esquemas dessa instalação, que só mostrou na galeria Quadrum, em Lisboa, em 1975. Escolhida para a Bienal de Veneza do ano seguinte, nem sequer chegou a ser montada por falta de espaço. E como não foi comprada, simplesmente “deixou de existir”, como firmou o artista. O desafio para a reconstituir entusiasmou-o. Mas tardava em dar notícias, apesar da insistência da historiadora. Só há seis meses, finalmente, se propôs começar o trabalho. É que tinha andado a procurar uma oliveira que tivesse morrido naturalmente. Por sorte, um amigo encontrou o que procurava em Trás-os-Montes.

A sua “árvore decepada”, que de alguma maneira prenuncia os trabalhos que iria fazer nos anos 80, é uma das obras da exposição sobre os anos 70, que vai ocupar toda a área do Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian.

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Comissariada por Raquel Henriques da Silva (RHS), junta uma centena de artistas para dar o clima de uma década marcada pela abertura a novas experiências artísticas. Assumidamente “eclética”, e procurando abranger uma “diversidade de campos e propostas”, segundo a comissária, a exposição “Anos 70 – Atravessar Fronteiras”, um nome que remete tanto para as travessias entre as diferentes artes, como para os trâmites geográficos, dá a ver obras que raramente foram vistas ou mesmo que apenas o foram na sua primeira apresentação, há mais de 30 anos. O “mau estado de conservação” de fotografias, vídeos e outras peças dessa época foi uma penosa verificação da historiadora.

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Um dos momentos altos de “Atravessar Fronteiras” será por certo uma revisitação de uma das mais célebres intervenções de Alberto Pimenta, que numa tarde de 1977 se encerrou na jaula de um chimpanzé, no Jardim Zoológico de Lisboa. Sentou-se a uma mesa, em pose pessoana, e essa experiência deu um livro, Homo Sapiens, publicado pela & etc. RHS convidou Alberto Pimenta a gravar esse texto. E numa manhã de Inverno ele apareceu e gravou, sem uma hesitação ou uma falha, os 20 minutos “de cortar a respiração” que será possível ouvir no CAM, acompanhados por uma série de fotografias do acontecimento.

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99 pombas de brincar para outros tantos usadores, de Carlos Nogueira, é outra das obras que há décadas não era vista. “Tendo como base brinquedos populares, que recriava plasticamente, trabalhava as cores puras e as cores base, e ainda os azuis que remetiam para o céu, a minha proposta foi espalhar essas peças na sala de exposições, recorda. A dada altura, dava início a uma acção que consistia em começar a brincar convictamente com uma delas, o que foi fazendo com que as pessoas repetissem o gesto. E como estava escrito que podiam levar as peças, elas voaram”. Na Sociedade Nacional de Belas Artes, onde decorreu a primeira “acção”, voaram algumas, talvez porque o público ainda estranhasse esse tipo de intervenções ou por um qualquer pudor, mas em S. Paulo, no Museu de Arte Contemporânea, onde foi apresentada numa colectiva de arte portuguesa, não restou uma pomba das 99.

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O artista reconstituiria de novo a obra, a pensar numa exposição futura. E agora apenas teve de retocar os sinais da passagem dos anos. Marcada por um profundo lirismo, esta peça “alada” é, como diz o artista, “fiel” ao espírito do tempo em que foi criada e inscreve-se na linha de trabalho que então desenvolvia, uma fase a que chamou Esbanjamento e partilha, que implicava “acções” como espalhar pela cidade os primeiros ramos de flores da Primavera ou enviar aleatoriamente pelo correio lápis de cor com etiquetas que os sugeriam para pintar “dias cinzentos”. Gestos que poetizam o quotidiano e procuravam interagir anonimamente com as pessoas.

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Foram rubros anos, os da década de 70 – e não será forçado o trocadilho com o mítico filme de Paulo Rocha, Verdes anos, sobre os jovens da geração de 60 – tanto pela coloração política como pela circunstância de terem sido tempos vividos ao rubro, em termos sociais e políticos, culturais e artísticos.

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A arte estava na rua, nas paredes e nos muros da cidade, o espírito da liberdade por toda a parte. O 25 de Abril de 1974 marcou indelevelmente a cena artística portuguesa: “Iluminou por completo toda a década”, garante Costa Pinheiro. O pintor vivia então em Munique, mas não deixou de vir a Portugal para ver de perto a Revolução, que na opinião de outro pintor, Jorge Pinheiro, foi uma “extraordinária abertura”: Pela primeira vez, as nossas fronteiras e as nossas mentes estavam completamente abertas”. “Não tínhamos o mesmo background de outros países, em que houve uma natural transformação da sociedade dos movimentos artísticos, mas absorvemos o que na altura vinha de fora, que caiu num caldo em que ainda vibrava o 25 de Abril”.

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O que se poderá ver nas galerias do CAM, nos próximos três meses, decorre da perspectiva “alargada e pluridisciplinar” que orientou a organização da mostra, que integra os meios mais tradicionais, como a escultura ou a pintura, mas também a fotografia, o vídeo ou a performance.

No domínio da documentação, poder-se-ão encontrar posais, catálogos raros, edições há muito esgotadas, e uma secção dedicada ao cartaz. Foram aliás muitos os artistas que criaram cartazes no período revolucionário. Alguns tornaram-se ícones da própria revolução, como aqueles assinados por João Abel Manta e Vespeira. “São materiais que as pessoas podem rever e que constituem símbolos de um tempo”, adianta a investigadora Ana Filipa Candeias. “Foi, na minha opinião, a década em que o país mais evoluiu, em termos de uma aproximação a uma cultura universal, cosmopolita”.

 

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Maria Leonor Nunes, com Luís Ricardo Duarte
In Jornal de Letras, 7.10.2009
03.09.09

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