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Leitura: "A felicidade treina-se em cada dia - Novas homilias em Santa Marta"

Imagem Capa (det.) | D.R.

Leitura: "A felicidade treina-se em cada dia - Novas homilias em Santa Marta"

A Paulinas Editora lançou esta semana o livro "A felicidade treina-se em cada dia", segundo volume das homilias matinais do papa Francisco na Casa de Santa Marta, no Vaticano, onde reside.

A obra incluí 155 homilias, proferidas entre 21 de março de 2014 e 26 de junho de 2015, que «talvez representem o novo "género de comunicação" mais típico e consolidado» do pontificado, sublinha o padre italiano Federico Lombardi, diretor-geral da Rádio Vaticano, em cuja página os textos foram originalmente publicados.

«A homilia não é uma emissão de conteúdos religiosos, mas sim a força da Palavra de Deus que se manifesta na presença de um pastor que toma a seu cargo o seu rebanho. A universalidade do destinatário já não é apenas geral, imaginada; tornou-se visível e encarnou numa pequena porção do povo de Deus, que tem à sua frente: cerca de quarenta pessoas. A homilia será menos ainda um tratado de bela ou «elevada» teologia. O Papa não é um emissor de informações religiosas: comunica naturalmente, pela sua simples presença», assinala por seu lado o padre, também transalpino, Antonio Spadaro, que coordena o livro.

As intervenções de Francisco não são fruto «de uma preparação académica, portanto, nem de uma espontaneidade ingénua, mas de uma preparação que nasce de um profundo discernimento interior, que lhe permite escolher o que há de dizer e encontrar as palavras certas», salienta o religioso.

«O papa Francisco deseja uma Igreja que se saiba inserir na conversa dos homens, que saiba dialogar, que seja capaz de fazer companhia, de ultrapassar a simples escuta. Francisco fala a língua da vida e da fé, que é obviamente mal entendida pois não se rege por argumentações lógico-formais. Não pretende elaborar comunicados de imprensa nem dar lições; quer apenas entabular um diálogo. Francisco revela-se tal como é sem medir os efeitos daquilo que diz de forma calculista. O seu objetivo é comunicar-se, estabelecer encontro e relações, mesmo recorrendo ao léxico vulgar e ao senso comum. Tem uma linguagem «próxima», sem táticas, expondo-se, inclusivamente, ao risco de ser mal entendido. Quem o acusa de ambiguidade não entendeu o terreno existencial e empírico a partir do qual move o seu discurso, nem as suas intenções», considera Spadaro.

A linguagem de Francisco, prossegue o diretor da revista "La Civiltà Cattolica" e autor de textos e livros sobre este papa e sobre a comunicação digital, «é riquíssima de metáforas, provérbios, expressões idiomáticas, de neologismos e de figuras retóricas que provêm, não do culto da palavra elegante, mas, pelo contrário, da gíria, do "porteño", da linguagem de rua absorvida pela quotidianidade ou pela relação pastoral com os fiéis».

«É precisamente essa linguagem que dá forma à sua teologia. Seria um erro trágico crer que tudo isto é fruto de uma certa ingenuidade. Na realidade, devemos recordar aqui que o papa Francisco ensinou Literatura: e não só a História da Literatura, mas também Escrita Criativa. Bergoglio gosta muito de inúmeros poetas e escritores: de Borges a Hölderlin, de Marechal a Manzoni, de Bloy a Pemán… São autores dos quais extrai criptocitações que aparecem aqui e ali nos seus discursos: nunca como citações eruditas, mas como partes espontâneas do seu dizer, metabolizadas por um processo interior», recorda o organizador do livro.

Spadaro defende que «a palavra concreta e popular das homilias de Francisco é a palavra da humildade de Cristo. O Papa pastor da Igreja sente que já é tempo que a palavra da pregação seja verdadeiramente uma palavra "abaixada", ou seja, capaz de assumir a mesma postura das palavras de Cristo que nunca foram pronunciadas de um trono de glória, mas pelo Filho que se esvaziou a si mesmo, assumindo uma condição de servo».

À semelhança do primeiro volume, «a chave temática não é a melhor» para abordar as homilias, que «devem ser lidas uma após outra por ordem cronológica». O que sobressai das palavras de Francisco é um «acolhimento misericordioso».

«A misericórdia é desestabilizadora porque não depende do homem nem das suas categorias. Ultrapassa-as e, por isso, está fora de controlo. Há algo mais que choca com a clareza de um juízo baseado numa norma ou inclusive numa "espiritualidade" que, como diz o Papa, é estável e tem tudo bem esclarecido. A misericórdia também desestabiliza porque não salda as contas e porque as contas, com ela, não batem certo. Não funciona a lógica do "do ut des", do olho por olho, dente por dente, mas tampouco a do "proveito espiritual" ou da eficácia apostólica», anota o coordenador.

Apresentamos um excerto do livro, correspondente às sínteses das homilias proferidas há cerca de um ano, a 2 e 17 de março de 2015. O seu conteúdo continua atual e constitui fonte de leitura - ou releitura - para a espiritualidade quaresmal. As palavras de Francisco estão entre aspas, enquanto que as restantes foram redigidas para compor o texto.

 

Não julguemos os outros, mas a nós mesmos
Papa Francisco; organização de Antonio Spadaro

As leituras do dia estão centradas no tema da misericórdia. Recordemos que «todos nós somos pecadores» – não «em teoria», mas na realidade –, é «uma virtude cristã, ou antes, mais do que uma virtude», é «a capacidade de nos acusarmos a nós mesmos». É o primeiro passo para quem quer ser cristão:

«Todos nós somos mestres, somos doutores em nos justificarmos a nós mesmos: “Não fui eu, não; a culpa não é minha; é um bocadinho, mas não muito… As coisas não são assim…” Todos nós temos um álibi que explica as nossas faltas, os nossos pecados, e muitas vezes somos capazes de fazer aquela cara do tipo “Eu cá não sei…”, “Eu cá não fiz nada, terá sido outro”, armando-nos em inocentes. Assim não é possível avançar na vida cristã.»

«É mais fácil acusar os outros», contudo, «acontece uma coisa um pouco estranha, se tentamos comportar-nos de maneira diferente: «quando começamos a olhar para aquilo de que somos capazes», ao princípio «sentimo-nos mal, sentimos arrepios», mas depois isso «dá-nos paz e saúde». Por exemplo, «quando eu encontro no meu coração alguma inveja e sei que essa inveja é capaz de dizer mal do outro e de o matar moralmente», esse é o primeiro passo para a «sabedoria de nos acusarmos a nós mesmos». «Se nós não aprendemos a dar este primeiro passo na vida, nunca, nunca daremos passos pelo caminho da vida cristã, da vida espiritual»:

«O primeiro passo é acusarmo-nos a nós mesmos. Sem dizer nada, não? Eu e a minha consciência. Vou pelo caminho, passo diante da prisão e: “Estes merecem estar ali”… “Mas tu sabes que, se não tivesse sido pela graça de Deus, também tu estarias ali? Já pensaste que és capaz de fazer as coisas que aqueles fizeram ou pior ainda?” Isto é acusarmo-nos a nós mesmos, não esconder de nós mesmos as raízes de pecado que há em nós, as inúmeras coisas que somos capazes de fazer, mesmo que não se vejam.»

O segundo passo é envergonharmo-nos diante de Deus, numa espécie de diálogo em que nós reconhecemos a vergonha do nosso pecado e a grandeza da misericórdia de Deus:

«“A ti, Senhor, nosso Deus, a misericórdia e o perdão. A vergonha para mim, mas a ti pertence a misericórdia e o perdão.” Far-nos-á bem travar este diálogo com o Senhor, nesta Quaresma: acusarmo-nos a nós mesmos. Peçamos misericórdia. No Evangelho, Jesus é claro: “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso.” Quando uma pessoa aprende a acusar-se a si mesma é misericordiosa com os outros: “Quem sou eu para julgá-lo, se eu sou capaz de fazer coisas piores?”»

A frase «quem sou eu para julgar o outro?» obedece, precisamente, à exortação de Jesus: «Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e ser-vos-á perdoado ». No entanto, «como gostamos de julgar os outros, de falar mal deles»!

«Que o Senhor, nesta Quaresma, nos dê a graça de aprendermos a acusar-nos», conscientes de que somos capazes «das coisas mais malvadas», e de dizer: «Tem piedade de mim, Senhor, ajuda-me a envergonhar-me e dá-me misericórdia, assim poderei ser misericordioso para com os outros.»

 

Não fecheis as portas da Igreja
Papa Francisco; organização de Antonio Spadaro

Há um conflito entre Jesus, que abre as portas a quem o procura, sobretudo se está afastado dele, e os cristãos, que muitas vezes fecham essas portas na cara de quem se dirige à Igreja. Um conflito entre a misericórdia total de Cristo e a pouca misericórdia que por vezes demonstra quem acredita nele.

Esta reflexão parte da água, protagonista das leituras litúrgicas do dia. «A água que cura»: assim descreve o profeta Ezequiel o riacho que sai do limiar do Templo e que, no exterior, se transforma numa torrente impetuosa em cujas águas, ricas de peixe, qualquer um se poderá curar. E a água da piscina de Betzatá, descrita no Evangelho, à beira da qual jaz há trinta e oito anos um paralítico tristonho – e também um pouco «preguiçoso» –, que nunca conseguira que o mergulhassem quando as águas se agitavam, e que, portanto, nunca conseguira tentar a sua própria cura. Jesus, porém, cura-o e anima-o «a seguir em frente», mas isso suscita a crítica dos doutores da Lei, porque a cura tinha ocorrido ao sábado. É uma «história» que acontece «muitas vezes», inclusivamente hoje:

«Um homem – uma mulher – que se sente doente na alma, triste, que cometeu muitos erros na vida, a certa altura sente que as águas se agitam, que o Espírito Santo está a mover alguma coisa, ou escuta uma palavra ou… “Ah, eu gostaria de andar!” Enche-se de coragem e vai. E, quantas vezes hoje, nas comunidades cristãs, essa pessoa encontra as portas fechadas: “Tu não podes, não, não podes. Tu erraste nisto, por isso não podes. Se quiseres vir, vem à Missa ao domingo, mas fica por aí, não faças mais nada.” Então, aquilo que o Espírito Santo faz no coração das pessoas, é destruído pelos cristãos com psicologia de doutores da Lei.»

A Igreja tem sempre as portas abertas:

«É a casa de Jesus, e Jesus acolhe. Porém, não só acolhe, também vai ter com as pessoas, como foi ter com este. E se as pessoas estão feridas, o que faz Jesus? Censura-as por estarem feridas? Não, vem e carrega-as às costas. Ora, isto chama-se misericórdia. E quando Deus censura o seu povo – “Misericórdia quero e não sacrifícios!” –, está a falar disto mesmo.»

«Quem és tu para fechares a porta do teu coração a um homem, a uma mulher, que tem vontade de melhorar, de regressar ao povo de Deus, porque o Espírito Santo agitou o seu coração?» Que a Quaresma nos ajude a não cometermos o erro de quem desprezou o amor de Jesus para com o paralítico, só por ser contrário à Lei:

«Peçamos hoje ao Senhor, na Missa, por nós, por cada um de nós e por toda a Igreja, uma conversão em relação a Jesus, uma conversão a Jesus, uma conversão à misericórdia de Jesus. E assim a Lei será plenamente cumprida, por que a Lei é amar a Deus e ao próximo, como a nós mesmos.»

 

Publicado em 25.02.2016

 

Título: A felicidade treina-se em cada dia - Novas homilias em Santa Marta
Autor: Papa Francisco; organização: Antonio Spadaro
Editora: Paulinas
Páginas: 496
Preço: 18,90 €
ISBN: 978-989-673-504-3

 

 
Imagem Capa | D.R.
«O papa Francisco deseja uma Igreja que se saiba inserir na conversa dos homens, que saiba dialogar, que seja capaz de fazer companhia, de ultrapassar a simples escuta. Francisco fala a língua da vida e da fé, que é obviamente mal entendida pois não se rege por argumentações lógico-formais. Não pretende elaborar comunicados de imprensa nem dar lições; quer apenas entabular um diálogo»
«É precisamente essa linguagem que dá forma à sua teologia. Seria um erro trágico crer que tudo isto é fruto de uma certa ingenuidade. Na realidade, devemos recordar aqui que o papa Francisco ensinou Literatura: e não só a História da Literatura, mas também Escrita Criativa. Bergoglio gosta muito de inúmeros poetas e escritores»
«A misericórdia é desestabilizadora porque não depende do homem nem das suas categorias. Ultrapassa-as e, por isso, está fora de controlo. Há algo mais que choca com a clareza de um juízo baseado numa norma ou inclusive numa "espiritualidade" que, como diz o Papa, é estável e tem tudo bem esclarecido»
«Todos nós temos um álibi que explica as nossas faltas, os nossos pecados, e muitas vezes somos capazes de fazer aquela cara do tipo “Eu cá não sei…”, “Eu cá não fiz nada, terá sido outro”, armando-nos em inocentes. Assim não é possível avançar na vida cristã»
«Que o Senhor, nesta Quaresma, nos dê a graça de aprendermos a acusar-nos», conscientes de que somos capazes «das coisas mais malvadas», e de dizer: «Tem piedade de mim, Senhor, ajuda-me a envergonhar-me e dá-me misericórdia, assim poderei ser misericordioso para com os outros»
«Quantas vezes hoje, nas comunidades cristãs, essa pessoa encontra as portas fechadas: “Tu não podes, não, não podes. Tu erraste nisto, por isso não podes. Se quiseres vir, vem à Missa ao domingo, mas fica por aí, não faças mais nada.” Então, aquilo que o Espírito Santo faz no coração das pessoas, é destruído pelos cristãos com psicologia de doutores da Lei»
«Jesus acolhe. Porém, não só acolhe, também vai ter com as pessoas, como foi ter com este. E se as pessoas estão feridas, o que faz Jesus? Censura-as por estarem feridas? Não, vem e carrega-as às costas. Ora, isto chama-se misericórdia. E quando Deus censura o seu povo – “Misericórdia quero e não sacrifícios!” –, está a falar disto mesmo»
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