Capa | D.R.
Criação inspirada de um jovem de 22 anos, a cantata “Gottes Zeit ist die allerbeste Zeit” BWV 106 ("O tempo de Deus é o tempo melhor") é uma das primeiras obras sacras compostas por Johann Sebastian Bach durante o período passado em Mühlausen (1707-1708).
No mais antigo testemunho manuscrito que chegou até nós (uma cópia póstuma redigida em 1768), a partitura é intitulada "Actus tragicus": como sublinha Raffaele Mellace no seu precioso volume dedicado às cantatas de Bach, «o substantivo individua uma peça oratória do texto bíblico destinado a ocasiões solenes, enquanto o adjetivo deve ser interpretado no sentido de severo, não de funesto», tese corroborada pela hipótese cada vez mais consolidada de que não se trata necessariamente de uma cantata fúnebre, mas de uma obra penitencial.
Gravado por Lionel Meunier e pelo agrupamento vocal e instrumental belga Vox Lumnis, juntamente com as cantatas BWV 150, 131 e 12, o "Actus tragicus" representa uma tocante expressão de meditação que passa através de duas fases distintas, evidenciadas pela construção de texto e música.
No princípio afirma-se a inelutável caducidade da vida e a necessidade para a humanidade de se preparar para o encontro final com o Destino, depois a certeza, não menos relevante para o cristão, de que graças à redenção a morte não é mais do que o preâmbulo que conduz à ressurreição; e assim a antiga lei do Antigo Testamento dá lugar à Nova Aliança, sancionada pelo sacrifício de Cristo na cruz.
E sobre as palavras dirigidas pelo Salvador ao ladrão penitente («hoje estarás comigo no Paraíso»), Bach alcança o ponto artístico e espiritual mais elevado de uma cantata que Meunier e companheiros fazem própria com evidente profundidade, através de suaves e evocativas tessituras repletas da retórica devocional barroca, aligeirando a dimensão maioritariamente dramática para deixar emergir uma leitura de extrema leveza e serenidade.