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Dia 21/12
Para haver Natal este natal

Para haver Natal este natal
talvez seja preciso reaprendermos
coisas tão simples!
Que as mãos preocupadas
com embrulhos
esquecem outros gestos de amor.
Que os votos rotineiros que trocamos
calam conversas que nos fariam melhor.
Que os símbolos apenas se amontoam
e soltam uma música triste
quando já não dizem
aquela verdade profunda.

Para haver Natal este natal
talvez seja preciso recordar
que as vidas começam e recomeçam
e tudo isso é nascimento (logo, Natal!).
Que as esperanças ganham sentido
quando se tornam caminhos e passos.
Que para lá das janelas cerradas
há estrelas que luzem
e há a imensidão do céu.

Talvez nos bastem coisas afinal
tão simples:
o alento dos reencontros
autênticos,
a oração como confiança
soletrada,
a certeza de que Jesus nasce
em cada ano,
para que o nosso natal alguma vez, esta vez,
seja Natal.

P. José Tolentino Mendonça

FotoMarc-André Besel

 

 

Dia 20/12
A vida espiritual é a arte da espera

Entrevista a Enzo Bianchi, fundador da comunidade monástica de Bose, Itália

A nossa sociedade encerra-nos no instante, no imediato, numa espécie de zapping permanente. Como podemos encontrar o sentido da espera?
De facto as nossas sociedades contemporâneas ocidentais vivem sob o reino dominador do instantâneo. Não paramos de correr. Vivemos um tempo rápido, apressado, disperso, dividido numa multiplicidade de instantes que não têm verdadeiramente ligações entre eles. O homem do século XXI é muitas vezes uma pessoa sem memória, separado das raízes da sua história.

É também um homem sem "futuro"?
É difícil projetar-se numa civilização do imediato. Não sabemos de que será feito o amanhã mas, mais grave, não se procura sabê-lo. Vive-se no presente. Isto implica identidades mais frágeis, que não tiram do passado as forças para construir o futuro. Por trás desta constatação coloca-se a grande questão da transmissão. A esperança alimenta-se da memória. É ao fazer memória da experiência progressiva de libertação vivida pelos seus pais que os Judeus voltam o olhar para a terra prometida e entram num caminho de salvação. A releitura do passado abre, de alguma forma, as portas do futuro. O Advento irrompe nos nossos calendários sobrecarregados e introduz nas nossas vidas uma palavra quase esquecida, da qual perdemos a tradução: a espera! É um encontro essencial, a não perder.

O Advento é a arte da espera?
O Advento é uma caminhada íntima, pessoal e coletiva. Trata-se, para mim, de esperar o meu Salvador e, para um grupo humano, uma comunidade, de esperar em conjunto Aquele que vem. No cristianismo a espera é necessariamente individual e coletiva, solitária e comunitária. O mais difícil é encontrar o sentido numa sociedade que não cessa de nos desviar. A ideologia ambiente convence-nos muitas vezes que nos cabe avançar, construir através da nossa ação, criar as bases de um futuro. Mas o mistério do Advento diz-nos o inverso! Não procures construir compulsivamente por ti um futuro; deixa-te trabalhar pelas mãos do Deus oleiro!

O Advento é uma espera passiva?
Não, mas é uma espera que deixa espaço à surpresa. Deus não vem como quero, quando quero, da maneira que eu desejo que chegue à minha vida. A única "atividade" que devo realizar é de me desimpedir para lhe deixar o lugar para nascer em mim, segundo o seu projeto e não segundo os meus planos. Durante o Advento a espera não é, por isso, passiva - uma mulher que espera um bebé também não o é. Ela deixa-se criar, deixa Deus tomar nela o rosto que ele lhe deseja oferecer. Ela alimenta a sua criança mas não lhe dá forma. Viver cristãmente o Advento é deixar de crer que se pode ter mão no tempo, que se pode controlá-lo. É deixar-se ir, ousar entrar no tempo das lentas maturações. Viver a espera do Advento é passar da necessidade ao desejo... A satisfação das necessidade dá-me a ilusão de estar cheio, satisfeito. O desejo, ao contrário, coloca-me a caminho; não me sacia mas estimula a minha fome.

Precisamos de reabrir as portas da interioridade?
A aceleração do tempo, a pressão social, a carreira profissional, as solicitações incessantes de um mundo de imagens, sons e ruído afastam-nos de nós mesmos. Somos demasiadas vezes como o profeta Elias, surdos ao simples sussurro da leve brisa pela qual o Eterno tenta falar ao ouvido do nosso coração. Para viver a fecundidade do Advento é preciso dar-se as condições de parar um pouco, ir para um lugar isolado «na montanha». A espera do Advento é frutuosa se abre diante de nós um espaço de vazio, de silêncio, que nos permite finalmente mergulhar em nós mesmos, reler a nossa história pessoal para nela discernir os traços do Espírito. Sem isso não podemos fortalecer os laços com Cristo. Podemos tomar esta imagem: entrar no Advento é um pouco como entrar em resistência contra tudo aquilo que nos distancia desse «coração» que evoca a Bíblia onde, em nós, Deus plantou a sua tenda.

A vida espiritual cristã é uma escola da espera?
Sim porque Cristo está sempre a vir, sempre a nascer nas nossas existências. A vida espiritual consiste em deixá-lo ver o dia em nós e à nossa volta. Devemos exercer, na oração, a nossa vigilância, como sentinelas. No coração da minha oração, durante o Advento, há um pedido a Cristo: «Lembra-me de quanto preciso que venhas salvar-me no íntimo das minhas fragilidades». Porque a espera só se torna fecunda no minuto em que eu tomo consciência das minhas falhas, ou, como Pedro que se afunda nas águas do lago, eu grito: «Senhor, salva-me!». No Natal nós cantamos, com a Escritura: «Um Salvador nos nasceu, um filho nos é dado». Mas teremos nós a consciência de que precisamos de ser salvos?

O que quer dizer?
A ideia de um Deus salvador é complexa a apreender. Evoluiu ao longo da História: quando o homem não tinha qualquer controlo sobre os elementos naturais nem os meios de evitar a doença e as catástrofes, tanto como tem hoje, ele foi espontaneamente atraído a ter do Deus salvador uma visão algo mágica, arcaica. Hoje esta visão precisa, sem dúvida, de ser purificada: Deus salva-me, pela morte e ressurreição do seu Filho, não porque me poupa de toda a infelicidade mas porque, pela sua Palavra, me ajuda a tornar mais pessoa, a penetrar mais na minha humanidade, ou seja, a libertar-me, a resistir às forças da morte que me habitam. Esperar Jesus é esperar um salvador como se espera um libertador, uma força que nos livra de tudo o que nos impede de nos tornarmos filhos e filhas de Deus.

Que conselhos para entrar neste tempo do Advento pode dar às mulheres e homens que não são monges e que, tantas vezes, são engolidos pela vida profissional e familiar, pelas mil e uma solicitações da nossa sociedade?
Tomar consciência de que é a vinda de Cristo que é preciso esperar; e não esta festa consumista e pagã onde Jesus sufoca sob as ondas do materialismo. Mais profundamente creio que devemos evitar esta espécie de afetividade infantil que consiste em crer que o Menino Jesus vai voltar a nascer em 2012. Jesus nasceu num período preciso, há mais de dois mil anos. Este nascimento pertence à História. Funda a entrada na Nova Aliança. O que esperamos é o seu regresso, a sua vinda na glória. A espera do Advento não é tanto aquela, algo piegas, de um "bebé", mas a esperança escatológica do regresso de Cristo ressuscitado que virá dar a plenitude às nossas vidas e à História. Esquecemos uma expressão que os primeiros cristãos diziam muito: «Maranatha», «Vem, Senhor!». Se vivermos o Advento numa grande interioridade, à escuta da sua Palavra, poderemos então, como diz S. Pedro na sua epístola, «acelerar» a sua vinda.

No Advento a nossa oração...
... é uma prece. «Vem, Senhor!», podemos repetir durante o Advento tantas vezes quanto possível. Devemos pedir a graça do Espírito para que ele precipite o regresso de Cristo no nosso coração e à nossa volta, num mundo muitas vezes ferido. Não cansemos o Senhor com os nossos pequenos desejos, as nossas pequenas esperas; peçamos simplesmente e ardentemente a vinda do seu Espírito. Deixemo-lo tornar-se para nós, em nós, e neste mundo, o mestre do desejo...

In Prier, dezembro 2012

FotoNoel Munford

 

 

Dia 19/12
Deus nasce no silêncio

O silêncio é o espaço onde pode nascer em nós alguma coisa de novo. É por isso que o Advento é chamado o tempo do silêncio. A liturgia indica-nos que a palavra divina desce sobre a terra quando o silêncio mais profundo envolve o universo, quando tudo no mundo faz silêncio.

Os humanos têm a nostalgia do descanso e do silêncio. Mas quando tudo faz silêncio em volta deles, muitos são tomados pelo pânico. Temem ser confrontados com a sua própria verdade ou descobrir que a sua existência passa a toda a velocidade fora deles mesmos e que a sua vida está entorpecida e é monótona.

Encontramos este silêncio objetivo na natureza ou numa igreja vazia. O inverno é mais silencioso que o verão. É assim que o percebemos. Podemos expor-nos a esse silêncio objetivo. Mas depende de nós penetrar nesse espaço de silêncio ou fugir dele porque nos angustia.

Eis um excelente exercício para o tempo do Advento: simplesmente expormo-nos ao silêncio ambiente. Em nós mesmos o silêncio não se vai fazer depressa. Emerge uma grande quantidade de pensamentos, sentimentos e reflexões. Acolhamo-las e contemplemo-las. E depois despedimo-nos de tudo para nos expormos verdadeiramente ao silêncio.

Há um segundo exercício para o qual os monges do passado nos convidam. Dizem eles: em nós mesmos já se encontra um espaço de silêncio. É o espaço onde se situa em nós o Reino de Deus, o espaço onde Deus nasce em nós. Exponho-me a esse espaço e, por assim dizer, atravesso todos os sentimentos de desprazer, de angústia, de ciúme, de tristeza, de inveja, e percorro todos os sentimentos de culpabilidade até ao fundo. Não fico preso nestes sentimentos mas, antes, tenho toda a confiança na presença, para cá das emoções e das paixões, deste espaço de silêncio.

Neste espaço de silêncio estou imune a toda a expectativa e a todo o desejo humano. É lá que me encontro inteiro e na minha plenitude. Lá nada me pode ferir. Lá sou original e autêntico. É lá que se ilumina em mim a imagem original de Deus. Todas as outras imagens que os humanos me revestem, as imagens do meu descrédito e da minha presunção se dissolvem. É lá que eu me encontro puro e limpo. Lá não se pode introduzir nenhum sentimento de culpabilidade. É lá que se ilumina em mim o brilho intangível de Deus. É o espaço puro e virginal em mim, é lá que em mim Deus vem nascer.

Deste espaço posso não ter senão um pressentimento. Mas por vezes sinto-o por um brevíssimo instante. E a seguir, novamente, é o tumulto do quotidiano que o cobre.

É este instante onde tudo em mim é silêncio que me transforma. Em pleno turbilhão do quotidiano deu-me a certeza de que o espaço do silêncio está em mim mesmo e que nada no mundo o pode penetrar. É o lugar do nascimento de Deus em mim. Os monges designam este espaço como «lugar de paz», «lugar de claridade imperecível», e é pelo nascimento de Deus que em nós mesmos irradia esta claridade.

P. Anselm Grün

FotoGöran Strand

 

 

Dia 18/12
De onde podemos esperar a alegria?

Não se poderia exaltar convenientemente a alegria cristã permanecendo insensível ao testemunho exterior e interior que Deus Criador dá de si mesmo no seio da criação: «E Deus viu que era bom» (Génesis 1,10.12.18.21.25.31).

Colocando o homem no meio do universo, que é obra do seu poder, da sua sabedoria, do seu amor, Deus dispõe a inteligência e o coração da sua criatura - ainda antes de se manifestar pessoalmente mediante a revelação - ao encontro da alegria e da verdade. Por isso é preciso estar atento ao chamamento que brota do coração humano, desde a infância à velhice, como um pressentimento do mistério divino.

Ao dirigir o seu olhar para o mundo, não experimenta o homem um desejo natural de compreendê-lo e dominá-lo com a sua inteligência, ao mesmo tempo tempo que aspira a alcançar a sua realização e felicidade? Como é sabido, há vários graus nesta "felicidade". A sua expressão mais nobre é a alegria ou "felicidade" em sentido estrito, quando o homem, ao nível das suas faculdades superiores, encontra a sua satisfação ao possuir um bem conhecido e amado. Desta forma o homem experimenta a alegria quando está em harmonia com a natureza e sobretudo quando a experimenta no encontro, na participação e comunhão com os demais.

Com maior razão conhece a alegria e felicidade espirituais quando o seu espírito entra em posse de Deus, conhecido e amado como bem supremo e imutável. Poetas, artistas, pensadores, homens e mulheres simplesmente disponíveis a alguma certa luz interior puderam, antes da vinda de Cristo, e podem nos nossos dias, experimentar de alguma maneira a alegria de Deus.

Mas como não ver ao mesmo tempo que a alegria é sempre imperfeita, frágil, quebradiça? Por um estranho paradoxo, a mesma consciência do que constitui a verdadeira felicidade, para além de todos os prazeres transitórios. compreende também a certeza de que não há felicidade perfeita. A experiência da finitude, que cada geração vive, obriga a constatar e a sondar a distância imensa que separa a realidade do desejo de infinito.

Este paradoxo e esta dificuldade de alcançar a alegria parece-nos especialmente prementes nos nossos dias. (...) A sociedade tecnológica conseguiu multiplicar as ocasiões de prazer, mas considera muito difícil conceber a alergia. Porque a alegria tem outra origem. É espiritual.

Com frequência não faltam o dinheiro, o conforto, a higiene, a segurança; contudo o tédio, a aflição, a tristeza fazem parte, infelizmente, da vida de muitos. Esta realidade chega por vezes à angústia e ao desespero que nem a aparente despreocupação nem o frenesim do gozo presente ou os paraísos artificiais conseguem evitar. Será que nos sentimos impotentes para dominar o progresso industrial e planear a sociedade de uma maneira humana? Será que o futuro aparece demasiado incerto e a vida humana demasiado ameaçada? Ou não se trata antes de solidão, de sede de amor e de companhia não satisfeita, de um vazio mal definido?

Em muitas regiões, e por vezes bem perto de nós, o cúmulo de sofrimentos físicos e morais torna-se opressor: tantos famintos, tantas vítimas de combates estéreis, tantos deslocados. Estas misérias não são talvez mais graves do que as do passado mas tomam uma dimensão planetária; são melhor conhecidas ao ser difundidas pelos media, pelo menos tanto quanto as experiências de felicidade; elas oprimem as consciências sem que muitas vezes se consiga ver uma solução humana adequada.

No entanto estas situações não deveria impedir-nos de falar da alegria, esperar a alegria. É precisamente entre as suas dificuldades que os nossos contemporâneos têm necessidade de conhecer a alegria, de escutar o seu canto.

Paulo VI
In Gaudete in Domino

FotoMalcolm Park

 

 

Dia 17/12
Deus que vens de Deus

Deus que vens de Deus,
horizonte da nossa linguagem e do nosso desejo

Deus que anunciamos
na espessuara do que em nós é riso
e choro, ao mesmo tempo infiguráveis

Deus, instante fugaz
da sede e da fome saciadas, diferidas

que descubramos no corpo dos outros
os traços do bem que procuramos e perdemos

que a nossa vida te reconheça
pela maneira como por ti se vê reconhecida
na teia do que passa e permanece,

tu que és aquele que há-de vir,
e Deus connosco.

Fr. José Augusto Mourão, OP
In O nome e a forma, ed. Pedra Angular

FotoPeter Tuthill

 

 

Dia 16/12
Estrela

Que a Tua estrela nos encontre disponíveis
para a viagem
mesmo sem que percebamos tudo

Que o seu brilho nos torne pacientes
com as coisas não resolvidas do nosso coração
e nos ajude a amar as difíceis questões
que por vezes a noite, por vezes o dia
segredam pelo tempo fora

Que a Tua estrela nos faça reconhecer
que nunca é tarde
para que se tornem de novo ágeis e sonhadores
os nossos passos cansados
pois nós próproios nos tornamos em estrelas
quando arriscamos perpetuar
a Tua luz multiplicada

José Tolentino Mendonça

 

ImagemRui Aleixo

 

Imagem

 

 

Dia 15/12
Estamos de esperanças: três figuras para um presépio

A gruta escura, lugar do nascimento.

No Natal de 1223, Francisco de Assis quis reproduzir, na localidade de Greccio, a gruta de Belém. Deveria haver uma manjedoura. Também uma vaca e um burro. Convidou os habitantes da terra e das redondezas para que viessem, na noite de Natal, ao lugar do nascimento. As suas tochas e velas haveriam de iluminar o escuro. E os cantos haveriam de romper o frio. Nessa noite de profunda alegria, Francisco queria ver com os próprios olhos como teria sido o nascimento do menino Jesus. Numa gruta queria contemplar a vinda do Verbo de Deus na nossa carne. No lugar de refúgio para quem não tem lugar, “il poverello” queria tocar a fragilidade e a força do nascimento do Salvador, d’Aquele que faz seus os lugares humanos mais corrompidos, os mais feridos, os mais incapazes.

Hoje, tal como a Francisco, esta mesma noite restitui-nos o olhar: podemos continuar a contemplar como em todas as grutas humanas, em todos esses lugares de escuridão e de morte, a vida divina continua a brilhar. E como faz nascer o canto. No lugar das nossas mortes, acontece o momento humano mais luminoso: o nascimento de um menino. Um nascimento absolve-nos da morte e restitui-nos à vida. No nascimento de Deus, renascemos.  

Maria, a grávida de esperanças.

Ponhamos nesta gruta uma mulher grávida, porque é grávida que Maria medita todas as coisas em Seu coração. Deixada só pelo anjo da anunciação, reconhece que tudo tem o seu tempo. A sua gravidez também. Um longo tempo é necessário.

«Está de esperanças», dizemos de uma mulher que espera bebé. Maria está para gerar na carne Aquele que é desejado há tanto tempo. Haverá sabedoria maior que a de acompanhar a gravidez das biografias e dos tempos? Tudo o que somos tem necessidade de uma longa gestação. Leva tempo a gerar o que devemos fazer nascer: uma criança, um livro, uma decisão de vida, uma vida inteira. Quanta história e quantas histórias foram precisas para que o Filho encarnasse no ventre de Maria? Quantas para que fosse dado à luz? E quanta história e histórias para que S. João chegasse a dizer que Deus é amor? Um corpo de menino, uma frase tão curta, mas uma longuíssima e dramática gestação. Muito tempo foi preciso para dizer tanto e tão sobriamente. E mais tempo precisamos ainda para que este mistério nos faça viver na Sua luz.  

José, o homem que vê no sonho.

Ao lado, talvez um pouco retirado, ponhamos José. Enquanto Maria medita, ele sonha. É no sonho que ouve. É no sonho que compreende e decide. “Não temas”. E José deixa de temer. Toma Maria consigo. Bastar-lhe-á dispor as coisas ao Mistério. Entra nele como quem fica de fora. Respeita-o como quem está dentro. O que se passa no ventre de Maria e o que se passará na gruta do nascimento não poderia acontecer sem o seu sonho, a sua presença, a sua distância. José acompanha. E basta-lhe. Tão ajustado, a sua justiça comove-nos.

Peguemos, então, com José, numa candeia acesa e iluminemos a escuridão da gruta. Aproximemos os animais para que tudo fique mais aconchegado. Preparemos os cânticos. Maria está grávida. Em breve dará à luz. O seu menino, o Filho, nos será dado, Ele, a nossa luz e a nossa paz.

A Igreja que hoje refaz o presépio.

Amo muito a nossa expressão “dar à luz”. Palavras que colocam o nascimento sob o registo da dádiva e da claridade. Vimos à vida como quem é oferecido à luz. É verdade que, e não podemos esquecê-lo, o nascimento é também expulsão, obrigatoriedade de nascer. Finda a gestação, não podemos não nascer. No drama e na dor do parto, somos, por isso, impostos à vida. Nascimento, dom e imposição. Tudo já dado como um dom. Tudo ainda por fazer.

Hoje, penso na Igreja como um presépio – lugar humano onde, em palavras e gestos, em arte e pensamento, se dá e se acompanha este milagre difícil que é a vida. Uma gruta, talvez pouco digna, mas já com tanta história onde todos podem tomar o lugar que lhes convém. No centro, o Santíssimo exposto na nossa carne. Em redor, os anjos que cantam em todas as línguas. De joelhos, como Maria e José, com pastores e com magos, nós que O adoramos como nosso Senhor.

José Frazão Correia, SJ
In essejota

FotoLuis Argerich

 

 

Dia 13/12
A humanidade do nosso tempo ainda espera um Salvador?

Na Noite de Natal deter-nos-emos, mais uma vez, diante do presépio, para contemplar estupefactos o "Verbo feito carne". Sentimentos de alegria e de gratidão, como todos os anos, renovar-se-ão no nosso coração ao ouvir as melodias do Natal, que cantam em tantas línguas o mesmo extraordinário prodígio. O Criador do universo veio por amor habitar entre os homens. (...)

O mundo com as suas angústias diz a iminência de algo que o renovará, e deseja com uma expectativa impaciente que o esplendor de um sol mais resplandecente ilumine as suas trevas... Esta expectativa da criação persuade-nos também a nós a esperar o nascimento de Cristo, novo Sol" (Disc. 61a, 1-3). Portanto, a mesma criação nos leva a descobrir e a reconhecer Aquele que há de vir.

Mas a pergunta é: a humanidade do nosso tempo espera ainda um Salvador? Tem-se a impressão de que muitos consideram Deus fora dos seus interesses. Aparentemente não precisam d'Ele; vivem como se Ele não existisse e, ainda pior, como se fosse um "obstáculo" a superar para se realizarem a si mesmos. Também entre os crentes temos a certeza há quem se deixa atrair por quimeras aliciantes e distrair por doutrinas desviantes que propõem atalhos ilusórios para obter a felicidade.

Contudo, mesmo com as suas contradições, angústias e dramas, e talvez precisamente para eles, hoje a humanidade procura um caminho de renovação, de salvação, procura um Salvador e aguarda, por vezes inconscientemente, o advento do Salvador que renova o mundo e a nossa vida, o advento de Cristo, o único verdadeiro Redentor do homem e do homem todo. Sem dúvida, falsos profetas continuam a propor uma salvação a "baixo preço", que termina sempre por gerar violentas desilusões.

Precisamente a história dos últimos cinquenta anos demonstra esta busca de um Salvador a "baixo preço" e evidencia todas as desilusões a que elas deram origem. É tarefa dos cristãos difundir, com o testemunho da vida, a verdade do Natal, que Cristo traz a cada homem e mulher de boa vontade. Nascendo na pobreza do presépio, Jesus vem oferecer a todos aquela alegria e paz, as únicas que podem colmatar a expectativa do ânimo humano.

Mas como devemos preparar-nos para abrir o coração ao Senhor que vem? A atitude espiritual da expectativa vigilante e orante permanece a característica fundamental do cristão neste tempo de Advento. É a atitude que distingue os protagonistas de então: Zacarias e Isabel, os pastores, os Magos, o povo simples e humilde. Sobretudo a expectativa de Maria e de José! Eles, mais do que outrém, viveram em primeira pessoa os afãs e a trepidação pelo Menino que devia nascer.

Não é difícil imaginar como transcorreram os últimos dias, na expectativa de abraçar o recém-nascido. A sua atitude seja a nossa, queridos irmãos e irmãs! A este propósito, ouvimos a exortação de São Máximo, Bispo de Turim: «Enquanto estamos para acolher o Natal do Senhor, revistamo-nos com vestes nítidas, sem mancha. Falo da veste da alma, não da do corpo. Vistamo-nos não com vestes de seda, mas com obras santas! As vestes vistosas podem cobrir os membros mas não embelezam a consciência».

Nascendo entre nós, que o Menino Jesus não nos encontre distraídos ou comprometidos simplesmente a embelezar com iluminações as nossas casas. Ao contrário, preparemos na nossa alma e nas nossas famílias uma habitação digna onde Ele se sinta acolhido com fé e amor.

Bento XVI

FotoRafael Schmall

 

 

Dia 12/12
Para ser verdadeiro homem, Jesus tinha de viver como pobre

Na véspera de morrer, Jesus ceou com os discípulos, deu-lhes a Eucaristia e disse: «Façam isto em memória de Mim.» Desde o princípio, as comunidades cristãs corresponderam a esta ordem, celebrando a Eucaristia aos domingos e recordando a Páscoa todos os anos.

No século IV surgiu a ideia de celebrar também o nascimento de Jesus. Perante as injustiças deste mundo, os crentes pediram sempre a intervenção de Deus. Nós acreditamos que Deus interveio. Acreditamos que o Pai enviou à Terra o Seu Filho. Acreditamos que Jesus é Deus verdadeiro e homem verdadeiro, Filho do Pai eterno, filho da Virgem Maria.

Mas a maneira como Jesus procedeu desconcerta-nos. Sem dúvida, anunciou a realidade de Deus. Disse que Deus nos trata como filhos e nos quer com Ele na vida eterna. Ensinou que Deus detesta a mentira, a injustiça, a violência e o ódio. Mas em vez de assumir o poder, castigar os maus e promover os bons, limitou-Se a viver a condição humana na pobreza e na humildade: não quis ser rei, teimou que o amor é o único caminho que pode salvar a humanidade. Morreu na cruz, o Pai ressuscitou-O ao terceiro dia, mandou que anunciássemos o Seu reino. Como? «Amando os homens como Ele nos amou.» Quem pode acreditar que isso seja caminho?

Os primeiros cristãos, que eram pobres e ignorantes, acreditaram. Durante mais de duzentos anos, perseguidos e martirizados, opuseram à força e às seduções de Roma a sua fé, a sua pureza de vida, o seu amor: a Deus e aos irmãos, aos outros homens, àqueles que os perseguiam. No ano 313, Roma deu-lhes a liberdade.

Aconteceu então uma coisa estranha. Começaram a pensar e a fazer como toda a gente: os mais hábeis enriqueceram e não mais se preocuparam com os pobres; os padres e catequistas ensinaram que os grandes problemas estão na mão de Deus e a nós apenas compete rezar; acharam que para realizar o Reino de Deus a primeira coisa era conquistar o poder. Passámos a ser uma força no mundo, mas os pobres, os humilhados, os ofendidos, deixaram de confiar em nós.

Regressemos ao Evangelho: «Naqueles dias, saiu um édito de César Augusto para ser recenseada toda a terra. José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à cidade de David chamada Belém, na Judeia, por ser da descendência de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida. E quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e reclinou numa manjedoura, por não haver lugar na hospedaria.»

José e Maria tiveram de se refugiar num curral por as hospedarias acessíveis à sua bolsa estarem cheias. Há quem leia: acharam-se se “sem lugar” na sala comum da hospedaria e procuraram a privacidade na corte dos animais.

Como quer que seja, fica feito um convite: a que procuremos celebrar o Natal na pobreza, longe do barulho, na intimidade, na alegria. (...)

Para ser verdadeiro homem, Jesus tinha de viver como pobre. Por ser verdadeiro Deus ensinou-nos que só o amor torna possível a justiça e a paz. Todo o homem e, por maioria de razão, todo o cristão, precisa de lutar contra esta injustiça que envenena o mundo. E ainda tratar todo o ser humano como pessoa, igual a si na dignidade de homem e de filho de Deus, e nunca como um escravo, como uma coisa, como um meio. Tratar o trabalhador como irmão. Saber que a amizade e o amor são partilha e comunhão, mas não são servidão nem sujeição. Tomar consciência de que o mundo está cheio de seres humanos carentes de cuidados e de diálogo – crianças e adolescentes, idosos, pobres, doentes, pessoas diminuídas ou a arrastar vidas cinzentas, até criminosos –, mas ter o discernimento de não colocar essas pessoas na dependência, não lhes incutir falsas esperanças, não ter um tipo de presença que as deforme.

Jesus não propôs receitas. «Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois Meus discípulos.

P. João Resina
In A Palavra para os Homens, ed. Paulus

Foto

 

 

Dia 11/12
Confissão do homem interior que leva à humildade

Durante a semana em que me preparei para a Confissão, veio-me o pensamento de fazê-la com quantos pormenores pudesse. Comecei a lembrar-me da minha infância e a rever os meus pecados, para nada esquecer. Conforme me ia lembrando, ia escrevendo e fiz uma grande lista. Soube, então, que a uns sete quilómetros de Kiev, na Ermida de Kitaev, havia um confessor asceta, muito sabedor e com grande discernimento. Fiquei muito satisfeito e fui ter com ele. Depois de ter conversado e de me ter aconselhado com ele, entreguei-lhe a lista para que a analisasse e me desse a sua opinião. Leu-a e disse-me:

- Tu, caro irmão, escreveste muita coisa sem interesse. (...) Enumeraste os factos insignificantes, quanto ao mais importante, perdeste-o de vista. Não declaraste os teus pecados mais pesados, não reconheceste e não escreveste que não amas a Deus, que odeias o próximo, que não acreditas na Palavra de Deus, que és orgulhoso e ambicioso. Todo o abismo do mal se encontra nestes quatro pecados, assim como toda a nossa perversão espiritual. (...)

Fiquei admirado ao ouvir as suas palavras e disse:

- Tende piedade, reverendo paizinho, mas como se pode não amar a Deus, nosso Criador e Protetor!? Como não acreditar na Palavra de Deus, onde só há verdade e santidade!? Eu só desejo o bem ao meu próximo, e por que motivo havia de o odiar? Não tenho nada de que me orgulhar; aliás cometi inúmeros pecados, não tenho nada para louvar. A que luxúrias me posso dar, com a minha pobreza e a minha doença? Se eu fosse instruído ou rico, indiscutivelmente seria culpado dos factos que enume­raste.

- É pena, caro irmão, que tenhas compreendido mal o que te expliquei. Para que entendas depressa, vou dar-te uma lista pela qual eu me confesso sempre. Lê-a e verás as provas concretas de tudo aquilo que falámos. O confessor deu-me a lista e eu comecei a lê-la.

Confissão do homem interior que leva à humildade

Depois de me analisar atentamente, cheguei à conclusão que não amo a Deus, não amo o próximo, não acredito em nada que seja religioso, sou orgulhoso e ambicioso. Descobri tudo isto, depois de uma análise exaustiva dos meus sentimentos e ações, como:

1) Eu não amo a Deus porque, se o amasse, pensava permanentemente nele, sentiria um grande prazer e deleitar-me-ia sempre que pensasse em Deus. Ao contrário, penso com mais frequência e com mais vontade nos acontecimentos diários e o pensamento em Deus dá-me trabalho e frieza. Se eu o amasse, então, a minha conversa com Ele seria o meu alimento, deleitar-me-ia e levar-me-ia ao permanente contacto com Ele. Mas, eu não só não me deleito com a oração, como ainda sinto que me dá trabalho, luto com a falta de vontade, encho-me de preguiça e estou pronto a ocupar-me com coisas de pouca importância, para encurtar ou terminar a oração. Nas ocupações pouco importantes, o tempo voa sem que me aperceba, mas, quando se trata de Deus, quando estou em sua presença, as horas parecem anos. Quem ama alguém, pensa nele todo o dia, imagina-o, ocupa-se dele, e esse alguém não lhe sai do pensamento. Dificilmente dispenso uma hora durante o dia para me entregar profundamente ao pensamento de Deus, sentir prazer com o seu amor. No entanto, durante as outras vinte e três horas, entretenho-me com os meus ídolos preferidos.

Nas conversas sobre assuntos fúteis, sem qualquer interesse para o espírito, sou bom, sinto prazer. Quando raciocino sobre Deus sou seco, preguiçoso, e sinto aborrecimento. Se acontece tomar parte numa conversa espiritual, esforço-me por falar dos meus assuntos preferidos. Sinto curiosidade pelos assuntos e novidades políticas, procuro avidamente satisfação para os meus conhecimentos nas ciências laicas, nas artes, nas compras, enquanto o estudo sobre as Leis de Deus, o conhecimento de Deus, a religião, não me atraem, não alimentam a minha alma. Considero que não são ocupações cristãs estritamente necessárias, e, por vezes, acho mesmo que são assuntos estranhos e secundários, dos quais me devo ocupar apenas nos tempos livres. Resumindo, se o amor a Deus se vê no cumprimento dos seus mandamentos: «Se me amardes, guardareis os meus mandamentos ». diz Jesus Cristo (Jo 14,15). Eu não só não cumpro os seus mandamentos, como pouco me esforço para o fazer, e então, pela verdade se deve concluir que eu não amo a Deus ... Basílio, o Grande, confirma-o: «A melhor demonstração que um homem não ama a Deus e ao seu Cristo é o não cumprimento dos seus mandamentos.»

2) Eu não amo o próximo. Não só não sou capaz de me sacrificar por ele (segundo o Evangelho), como não abdico do meu bem-estar e da minha tranquilidade. Se eu o amasse, como a mim próprio, pelo mandamento evangélico (cf. Mt 22,39), então a sua desgraça entristecia-me e a sua felicidade levar-me-ia ao encantamento. Mas acontece o contrário. Quando ouço relatos infelizes e curiosos sobre o próximo, não me aflijo, fico indiferente, ou, o que ainda é mais condenável, sinto alguma alegria. Em vez de encobrir com amor o mau comportamento de um irmão, divulgo-o e condeno-o. O seu bem -estar, a sua honra e felicidade não me encantam como se fossem meus, são-me indiferentes, não me provocam qualquer sentimento de alegria, e ainda despertam em mim alguma inveja ou desprezo.

3) Não acredito em nada religioso. Não acredito na eternidade, nem no Evangelho. Se estivesse firmemente convencido, e acreditasse indubitavelmente que, para lá do túmulo, existia a vida eterna, com represálias pelos atos cometidos na terra, então, eu pensaria seriamente nesse assunto, e o próprio pensamento sobre a eternidade deveria assustar-me e eu passaria por esta vida como um forasteiro, que se prepara para entrar na sua terra natal. Mas eu não penso na eternidade, e considero a vida presente como o fim da minha existência. Há um pensamento secreto que nidifica no meu interior: quem sabe o que existe para além da morte? Se digo que acredito na vida eterna, faço-o pela cabeça, pois o meu coração está longe dessa firme convicção, a que correspondem abertamente os meus atos e a preocupação constante sobre a satisfação dos sentidos. Se o santo Evangelho, como Palavra de Deus, tivesse sido aceite com fé no meu coração, ter-me-ia ocupado dele, tê-lo-ia estudado, ter-me-ia deleitado e, com profundo amor, tê-lo-ia contemplado. A sabedoria, a filantropia e o amor nele contidos levar-me-iam ao entusiasmo, ao êxtase, dia e noite, e o ensinamento da Lei de Deus ter-me-ia servido de alimento todos os dias, e teria cumprido todas as leis. Nada na terra teria força suficiente para dele me afastar. Ao contrário, se de vez em quando ouço ou leio a Palavra de Deus, ou por necessidade ou por curiosidade, mesmo sem lhe prestar muita atenção, sinto mal-estar, desatenção, e de bom grado trocaria essa leitura por uma laica, onde desfruto de maior prazer.

4) Estou cheio de orgulho e de egocentrismo. Todas as minhas ações assim o confirmam. Quando faço algo de bom, desejo que fique bem patente, que todos tomem conhecimento e fico maravilhado com essa ação. Apesar de mostrar humildade exterior, gabo-me com quanta força tenho e considero-me superior aos outros, ou, pelo menos, não me considero pior. Se noto em mim algum vício, esforço-me por o desculpar, encobri-lo com uma máscara de necessidade ou inocência. Zango-me com aqueles que não me respeitam e considero que não são capazes de dar valor às pessoas. Considero ultrajantes os insucessos nos meus empreendimentos, envaideço-me com os meus talentos, e fico contente com a infelicidade dos meus inimigos. Todas as minhas boas ações têm como finalidade o elogio, ou a satisfação espiritual ou o conforto na terra. Numa palavra, faço de mim um ídolo, cujas ações procuram o prazer dos sentidos e o alimento para as minhas paixões e luxúrias. (...)

Fiquei horrorizado ao ler esta confissão espiritual: «Meu Deus, que horríveis são os meus pecados, eu, que até aqui não os tinha reconhecido.» O desejo de me purificar obrigou-me a pedir conselho ao verdadeiro pai espiritual, para encontrar maneira de os corrigir, de reconhecer as causas destes males. Eis o que ele me explicou.

- Vês, caro irmão, a principal causa de não amares a Deus é a falta de fé e a causa da falta de fé é a falta de convicção. A causa da falta de convicção é a não procura dos verdadeiros ensinamentos sagrados. Resumindo, se não temos fé, não podemos amar, se não temos convicção, é impossível ter fé. E, para termos convicção, é preciso adquirirmos o conhecimento pleno das circunstâncias desse assunto. Mediante a reflexão, o estudo da Palavra de Deus e das observações dos nossos atos, somos capazes de estimular a sofreguidão e a paixão na nossa alma, ou, como alguns lhe chamam, «o assombro» causado pelo desejo insaciável de conhecer as coisas mais de perto, e de uma maneira mais completa e mais profunda.

Um escritor espiritual fez a seguinte análise: «O amor desenvolve-se normalmente através do conhecimento e, quanto mais profundo e amplo for esse conhecimento, mais amor haverá, a alma mais se enternece, e o coração abre-se e observa a existência perfeita de Deus e o seu amor infinito para com os homens.»

- Vês agora que a causa dos teus pecados reside na preguiça de pensar nas coisas espirituais. Se desejares conhecer os meios para venceres este mal, esforça-te o mais que puderes na iluminação espiritual, alcança-a através da dedicação à Palavra de Deus, nos ensinamentos dos Santos Padres, na análise dos conselhos espirituais ou em conversas com eruditos em Cristo. Querido irmão, quantas desgraças encontramos por termos preguiça de iluminar a nossa alma pela palavra da verdade, por não nos instruirmos na Lei do Senhor, dia e noite, e não orarmos aplicadamente e com insistência! Por isso, o homem é frio, caprichoso e pobre, sem força para a caminhada decisiva, para, através da verdade, atingir a salvação. Decidimos ocupar a nossa mente, recorrendo a estes meios, com pensamentos de assuntos celestiais e amor, que ao chegarem ao nosso coração, esvoaçam e inflamam-se dentro de nós. Rezaremos com frequência, pois a oração é o meio mais importante e mais forte para a nossa renovação e progressão. Rezaremos, como nos ensina a Santa Igreja: «Senhor, ensina-me a amar-te, como em tempos amei o pecado!»

In Relatos de um peregrino russo ao seu pai espiritual, ed. Paulinas

ImagemTodd Saldoje

 

 

Dia 10/12
Cada dia pode e deve ser Natal

Diante da manjedoura de Belém — como depois diante da cruz no Gólgota — a humanidade faz já uma sua opção de fundo em relação a Jesus; uma opção que, em última análise, é a que o homem deve fazer sem o adiar, dia após dia, em relação a Deus, Criador e Pai. E isto realiza-se, antes de tudo e sobretudo, no âmbito do íntimo da consciência pessoal. É aqui que se verifica o encontro entre Deus e o homem. (…)

Para nós cristãos cada dia pode e deve ser Advento; pode e deve ser Natal! Porque, quanto mais purificarmos as nossas almas, quanto mais dermos espaço ao amor de Deus no nosso coração, tanto mais Cristo poderá vir e nascer em nós. (…) 

Não podemos portanto transformar e degradar o Natal numa festa de inútil desperdício, numa manifestação assinalada pelo fácil consumismo: o Natal é a festa da humildade, da pobreza, do despojamento (...) do Filho de Deus, que vem para nos dar o seu infinito Amor; deve portanto ser celebrada com autêntico espírito de partilha, de comparticipação com os irmãos, que têm necessidade da nossa ajuda afetuosa.

Deve ser uma etapa fundamental para a meditação sobre o nosso comportamento para com o "Deus que vem"; e este Deus que vem podemos encontrá-lo numa criança indefesa que chora; num doente que sente faltarem-lhe inexoravelmente as forças do próprio corpo; num ancião, que depois de ter trabalhado durante toda a vida, se encontra de facto marginalizado e tolerado na nossa sociedade moderna, baseada sobre a produtividade e sobre o êxito. (…)

A Igreja eleva a Cristo esta esplêndida oração: (…) Ó Cristo, Rei das nações, esperado e desejado durante séculos pela humanidade ferida e dividida pelo pecado; tu que és a pedra angular sobre a qual a humanidade pode reconstruir-se e receber uma definitiva e iluminadora guia para o seu caminho na história; tu que uniste, mediante a tua doação sacrificial ao Pai, os povos divididos; vem e salva o homem, miserável e grande, feito por ti "com o pó da terra" e que traz em si a tua imagem e semelhança!

João Paulo II

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Dia 9/12
José

Estás em mim, ó Deus
Brilhas nas obscuras margens do meu nome
Ouves a canção dos meus anos,
que por vezes é pedra, por vezes acorde iluminado.

Que nunca o mundo me pareça um lugar indiferente.
Que a chama da Tua presença ilumine tudo por dentro
e eu não queira, não possa dizer outra coisa
senão a maravilhosa transparência onde Te contemplo

Ao irmos e virmos, somos o Teu mapa
desfalecendo, mas retomando a marcha,
pois sabemos que no fundo desta massa informe
colocastes, Senhor, o irresistível desejo
que a todos faz gritar: “Vem!”

José Tolentino Mendonça

 

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Desenho: Rui Aleixo

 

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Texto e imagem: Rui Aleixo

 

 

Dia 8/12
Oração à Senhora do Advento

Avé Maria, Senhora do Advento
A misericórdia de Deus esplende em ti
Bendita és tu entre as mulheres
Em teu seio amadurece a manhã

Ó Mãe propícia
leve, magnífica e atenta
aos amplos pátios da nossa solidão
És aquela que melhor apascenta
a turbulenta forma da nossa sede:

Roga por nós que atravessamos o mundo agora
roga por nós que atravessamos esta hora

José Tolentino Mendonça

 

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Desenho: Rui Aleixo

 

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Texto e imagem: Rui Aleixo

 

 

Dia 7/12
Advento: Preparar os caminhos de Deus no coração e no mundo

«Preparai o caminho do Senhor e endireitai as suas veredas. Toda a ravina será preenchida, todo o monte e colina serão abatidos; os caminhos tortuosos ficarão direitos e os escabrosos tornar-se-ão planos. E toda a criatura verá a salvação de Deus.» (Lc 3,4ss.). Cristo abre caminho quando vem, Ele é aquele que «rompe todas as cadeias» (Miq 2,13), que «faz em pedaços as portas de bronze e quebra as barras de ferro» (Sl 107, 16), «derruba os poderosos de seus tronos e exalta os humildes» (Lc 1,52).

A sua entrada é uma marcha vitoriosa sobre os seus inimigos. Mas para que o poder do seu advento não esmague com a ira os homens, antes os encontre em atitude de humilde expectativa, a sua vinda foi preparada pelo convite a preparar o seu caminho. Tal preparação não é apenas um acontecimento interior, mas um agir que conforma [a realidade] de modo visível e de amplas proporções. «Toda a ravina será preenchida.» Tudo o que caiu na miséria humana mais profunda, tudo o que foi pisado e humilhado será exaltado. Há uma profunda falta de liberdade humana, uma profunda pobreza e ignorância humana que impedem a vinda de Cristo na graça. «Todo o monte e colina serão abatidos.» Se Cristo há de vir, é necessário que toda a soberba, todo o orgulho se dobre. Existe uma medida de poder, de riqueza, de saber que é um obstáculo para Cristo e para a sua graça. «Os caminhos tortuosos ficarão direitos.»

O caminho de Cristo é um caminho direito. Há uma certa dose de indulgência para com a mentira e com a culpa, de enredamento nelas, no seu trabalho, na sua obra (Sl 9,17),no amor de si que tornam particularmente difícil a vinda da graça. Por isso, o caminho em que Cristo quer vir ao homem deve ser um caminho direito. «Os caminhos escabrosos tornar-se-ão planos». A obstinação, a arrogância e a recusa podem ter endurecido de tal modo o homem que Cristo só com a ira pode aniquilar o recalcitrante e já não pode entrar nele com a sua graça, que a porta se fecha à vinda de Cristo na graça e nenhuma porta se abre àquele que nela bate.

Cristo vem decerto e abre o seu caminho, esteja ou não para tal preparado o homem. Ninguém pode impedir a sua vinda, mas podemos opor-nos à sua vinda na graça. Há condições do coração, da vida e do mundo que impedem de modo particular a receção da graça, que tornam infinitamente difícil a possibilidade de crer. Dizemos: tornam difícil, impedem, mas não: tornam impossível; sabemos bem que nem sequer o caminho aplanado e a eliminação dos obstáculos podem forçar a graça; mais ainda, que justamente a vinda de Cristo na graça é sempre obrigada a «fazer em pedaços as portas de bronze e a quebrar as barras de ferro», que justamente a graça deve sempre, no fundo, abrir o caminho por si só e por si só tornar sempre de novo possível o impossível. Mas tudo isto nos não dispensa de preparar o caminho para a sua vinda, de remover tudo o que a impede e dificulta. Não é indiferente o estado em que ele se encontra, embora em cada caso seja sempre e só a graça, o facto de que ela vem. Podemos tornar difícil para nós e para os outros o acesso à fé.

É difícil para quem se encontra mergulhado na ignomínia, no abandono, na pobreza, na impotência mais profunda crer na justiça e na bondade de Deus; é difícil para aqueles cuja vida mergulhou na desordem e na ausência de disciplina escutar com fé os mandamentos de Deus; é difícil ao que está saciado e ao poderoso dar-se conta do juízo e da graça de Deus; é difícil a quem se deixou iludir pela heresia e que se tornou interiormente indisciplinado encontrar a simplicidade necessária para se entregar, de coração, a Jesus Cristo. Não dizemos isto para desculpar e desencorajar os interessados. Eles devem antes saber que em Jesus Cristo Deus se inclina até ao fundo da queda, da culpa e da necessidade, que o direito e a graça de Deus estão de modo muito particular próximos justamente daquele que foi privado dos seus direitos, do humilhado e explorado, que a ajuda e a força de Jesus Cristo se oferecem ao desregrado, que a verdade quer novamente estabelecer sobre um sólido fundamento aquele que errou e desespera.

Mas tudo isto não exclui a tarefa da preparação do caminho. Trata-se antes de uma incumbência de enorme responsabilidade para todos os que sabem da vinda de Jesus Cristo. O esfomeado tem necessidade de pão, o sem teto de uma habitação, aquele que foi privado dos seus direitos de justiça, aquele que está só de companhia, o desregrado de ordem, o escravo de liberdade. Seria uma ofensa para Deus e para o próximo deixar o esfomeado na fome, porque Deus estaria de modo muito particular próximo justamente da necessidade mais profunda. Por amor de Cristo, amor que concerne tanto ao esfomeado como a mim, partimos com ele o pão, partilhamos com ele a habitação. Se o esfomeado não chega à fé, a culpa recai sobre aqueles que lhe recusaram o pão. Proporcionar o pão ao esfomeado significa preparar o caminho para a vinda da graça.

Tudo o que aqui acontece é algo de penúltimo. Dar pão ao esfomeado não significa ainda pregar-lhe a graça de Deus e a justificação, e ter recebido pão não significa ainda estar na fé. Mas para quem o faz por amor do último, este penúltimo relaciona-se com o último. Ele é algo de pré-último. A vinda da graça é a coisa última. Mas devemos falar da preparação do caminho, do penúltimo, por amor daqueles que, com o seu radicalismo que nega as coisas últimas, fracassaram e correm agora o perigo de serem escorraçados para trás das coisas penúltimas; devemos falar dela também por amor daqueles que permaneceram aferrados às coisas penúltimas, com elas se contentaram e que, todavia, devem agora ser reivindicadas por aquilo que é o último; por fim, falamos das coisas penúltimas, talvez e acima de tudo por amor daqueles que nem sequer a estas chegaram, por amor daqueles a quem ninguém prestou este serviço, para os quais ninguém preparou o caminho e que são agora ajudados, a fim de que a palavra de Deus, a realidade última, a graça, a eles possa chegar. (...)

Preparar o caminho para Cristo não significa apenas criar determinadas condições desejáveis e convenientes, por exemplo levar a cabo um programa de reformas sociais. Se é verdade que a preparação do caminho consta de intervenções concretas no mundo visível, se é verdade que a fome e a sua satisfação são concretas e visíveis, é também verdade que o facto decisivo é que semelhante ação seja uma realidade espiritual porque, em última análise, se não trata justamente de reformar as condições do mundo, mas da vinda de Jesus Cristo. Só a uma preparação espiritual do caminho se seguirá a vinda do Senhor na graça.

Mas isto significa que as ações visíveis que devem ter lugar para preparar os homens em vista do acolhimento de Jesus Cristo devem ser atos de humildade perante o Senhor que vem, ou seja, atos de penitência. Preparar o caminho quer dizer penitência (Mt 3,1ss.). E penitência significa conversão concreta, penitência exige ação.

Dietrich Bonhoeffer
In Ética, ed. Assírio & Alvim

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Victor Van Wulfen

 

 

Dia 6/12
A oração é o primeiro lugar onde se aprende a esperança

Primeiro e essencial lugar de aprendizagem da esperança é a oração. Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me possa ajudar – por tratar-se de uma necessidade ou de uma expectativa que supera a capacidade humana de esperar – Ele pode ajudar-me. Se me encontro confinado numa extrema solidão... o orante jamais está totalmente só. Dos seus 13 anos de prisão, nove dos quais em isolamento, o inesquecível Cardeal Nguyen Van Thuan deixou-nos um livrinho precioso: Orações de esperança. Durante 13 anos de prisão, numa situação de desespero aparentemente total, a escuta de Deus, o poder falar-Lhe, tornou-se para ele uma força crescente de esperança, que, depois da sua libertação, lhe permitiu ser para os homens em todo o mundo uma testemunha da esperança, daquela grande esperança que não declina, mesmo nas noites da solidão.

De forma muito bela Agostinho ilustrou a relação íntima entre oração e esperança, numa homilia sobre a Primeira Carta de João. Ele define a oração como um exercício do desejo. O homem foi criado para uma realidade grande ou seja, para o próprio Deus, para ser preenchido por Ele. Mas, o seu coração é demasiado estreito para a grande realidade que lhe está destinada. Tem de ser dilatado. (...) Depois usa uma imagem muito bela para descrever este processo de dilatação e preparação do coração humano. «Supõe que Deus queira encher-te de mel (símbolo da ternura de Deus e da sua bondade). Se tu, porém, estás cheio de vinagre, onde vais pôr o mel?» O vaso, ou seja o coração, deve primeiro ser dilatado e depois limpo: livre do vinagre e do seu sabor. Isto requer trabalho, faz sofrer, mas só assim se realiza o ajustamento àquilo para que somos destinados. Apesar de Agostinho falar diretamente só da recetividade para Deus, resulta claro, no entanto, que o homem neste esforço, com que se livra do vinagre e do seu sabor amargo, não se torna livre só para Deus, mas abre-se também para os outros. De facto, só tornando-nos filhos de Deus é que podemos estar com o nosso Pai comum

Orar não significa sair da história e retirar-se para o canto privado da própria felicidade. O modo correto de rezar é um processo de purificação interior que nos torna aptos para Deus e, precisamente desta forma, aptos também para os homens. Na oração, o homem deve aprender o que verdadeiramente pode pedir a Deus, o que é digno de Deus. Deve aprender que não pode rezar contra o outro. Deve aprender que não pode pedir as coisas superficiais e cómodas que de momento deseja – a pequena esperança equivocada que o leva para longe de Deus. Deve purificar os seus desejos e as suas esperanças. Deve livrar-se das mentiras secretas com que se engana a si próprio: Deus perscruta-as, e o contacto com Deus obriga o homem a reconhecê-las também. « Quem poderá discernir todos os erros? Purificai-me das faltas escondidas », reza o Salmista (19/18,13). O não reconhecimento da culpa, a ilusão de inocência não me justifica nem me salva, porque o entorpecimento da consciência, a incapacidade de reconhecer em mim o mal enquanto tal é culpa minha. Se Deus não existe, talvez me deva refugiar em tais mentiras, porque não há ninguém que me possa perdoar, ninguém que seja a medida verdadeira. Pelo contrário, o encontro com Deus desperta a minha consciência, para que deixe de fornecer-me uma autojustificação, cesse de ser um reflexo de mim mesmo e dos contemporâneos que me condicionam, mas se torne capacidade de escuta do mesmo Bem.

Bento XVI
Spe salvi

FotoAdam Block

 

 

Dia 5/12
Advento: tempo para me tornar uma pessoa melhor

Não procures granjear a amizade de alguém por meio da adulação, nem permitas que outros por meio dela granjeiem a tua. Não sejas ousado nem arrogante; submete-te e não te imponhas; conserva a serenidade e aceita de boa mente as advertências e com paciência as repreensões. Se alguém te repreender com razão, reconhece que é para teu bem; se o faz sem motivo, admite que é com boa intenção. Não temas as palavras ásperas, mas sim as brandas. Emenda-te dos teus defeitos e não sejas curioso indagador ou severo censor dos alheios; corrige os outros sem incriminação, prepara a advertência com mostras de sincera simpatia, e ao erro dá facilmente desculpa.

Não exaltes nem humilhes pessoa alguma. Sê discreto a respeito do que ouves dizer e acolhedor benévolo dos que te querem ouvir. Responde prontamente a quem te pergunta e cede facilmente a quem porfia, para que não venhas a cair em contendas e imprecações.

Se és moderado e senhor de ti mesmo, vigia sobre as moções do teu ânimo e os impulsos do teu corpo, evitando todas as inconveniências; não os ignores pelo facto de serem ocultos; pois não importa que ninguém os veja, se tu de facto os vês.

Sê flexível, mas não leviano; constante, mas não teimoso. A tua ciência não seja ignorada nem molesta. Considera a todos iguais a ti; não desprezes os inferiores com altivez, e não temas os superiores, se vives retamente. Em matéria de obséquios e saudações não te dispenses nem os exijas. Para todos deves ser afável; para ninguém, adulador; com poucos, familiar; para todos, justo.

Sê mais severo no discernimento do que nas palavras e mais nobre na vida do que na aparência. Afeiçoa-te à clemência e detesta a crueldade. Quanto à boa fama, não apregoes a tua nem invejes a alheia. Sobre rumores, crimes e suspeitas não sejas crédulo nem inclinado a pensar mal, mas opõe-te decididamente àqueles que com aparente simplicidade maquinam a difamação alheia.

Sê tardo para a ira e fácil para a misericórdia; firme nas adversidades, prudente e moderado nas prosperidades; ocultador das próprias virtudes, como outros o são dos vícios. Evita a vanglória e não busques o reconhecimento das tuas qualidades.

A ninguém desprezes por ignorante. Fala pouco, mas tolera pacientemente os faladores. Sê sério mas não desumano, e não menosprezes as pessoas alegres.

Sê desejoso da sabedoria e dócil. Sem presunção, ensina o que sabes a quem to pedir; e sem disfarçar a ignorância, pede que te ensinem o que não sabes.

S. Martinho de Dume
Fórmula de vida honesta
In Secretariado Nacional de Liturgia

FotoRolando Ligustri

 

 

Dia 4/12
Neste Advento procurar a beleza de Deus

A bênção de Aarão augurava a cada crente israelita: «O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face» (Números 6,25), palavras que celebram e despertam a beleza de crer.

Imaginar que Deus tem um rosto que refulge, luminoso, significa afirmar que Deus é beleza, que tem um coração de luz.

A nossa tarefa mais urgente é repintar o ícone de Deus: descobrir um Deus luminoso, um Deus solar, rico não de tronos e de poderes, mas aquele cujo verdadeiro tabernáculo é a luminosidade de um rosto, o Deus de grandes braços e com um rosto de luz, o Deus finalmente belo, presságio de alegria.

Deus já não pode ser empobrecido ou diminuído pelas culpas do homem. Ele é energia, futuro, sentido, mão viva que toca nos olhos e os abre, e, onde Ele se poisa, traz luz e faz nascer. Das suas mãos flui a vida, como rio e como sol, jubilosa e imparável.

Deixamos um convite para empreender uma viagem rumo ao rosto belo de Deus, para uma pesquisa onde a viagem é verdadeira; sobre ela, uma estrela polar e, ao longo da rota, algumas regras de navegação:

1. Beleza é um nome de Deus. A beleza da terra é a quenose [esvaziamento] do Criador, o vestígio do retraimento de Deus. É o primeiro nome das coisas.

2. A beleza é o êxtase da história, porta que se abre, êxodo. É o mínimo infinito que deve permanecer aberto ao infinito. No fragmento, o todo.

3. A beleza é o projeto de Deus para o cosmo, logos e futuro do homem. A nossa vocação é libertar toda a beleza sepultada em nós.

4. A beleza é a elevado preço. A filocalia (o amor pela beleza ou - porque não? - a beleza do amor) é ascese, purificação do olhar e do coração: felizes os puros de coração, porque verão vestígios da Beleza em toda a parte.

5. A beleza pode ser vital ou mortal, profética ou antiprofética. Uma ambiguidade radical é imanente à beleza.

6. A beleza é o supérfluo necessário. Necessário à qualidade da vida. Nem só de pão vive o homem, mas também da contemplação das pedras do mundo. E do perfume de Betânia derramado sobre os pés de Jesus.

7. A beleza é o isco do divino, o sorriso de Deus dentro da matéria. A proximidade de Deus cria beleza, força com que atrai a si todas as coisas.

8. A beleza é Deus que ama e cria comunhão. Belo é todo o ato de amor. Mui belo é quem tu amas. A lei primitiva da beleza reside no ato de amor.

9. A beleza é a porta do conhecimento. Só o assombro capta alguma coisa, os conceitos engendram ídolos.

10. A beleza é a força do coração, nascida do desejo. É a beleza que persuade o ânimo humano. Porque «devo»? Porque o coração me diz que, ao agir assim, encontro a felicidade.

Ermes Ronchi
In Tu és Beleza, ed. Paulinas

FotoDani Caxete

 

 

Dia 3/12
Advento: tempo para acolher a presença

O significado da expressão "advento" inclui também o de visitatio que, simples e propriamente, quer dizer "visita"; neste caso, trata-se de uma visita de Deus: Ele entra na minha vida e quer dirigir-se a mim.

Na existência quotidiana, todos nós vivemos a experiência de ter pouco tempo para o Senhor e pouco tempo também para nós. Terminamos por ser absorvidos pelo "fazer". Não é porventura verdade que com frequência é precisamente a atividade que nos possui, a sociedade com os seus múltiplos interesses que monopoliza a nossa atenção? Não é talvez verdade que dedicamos muito tempo à diversão e a distrações de vários tipos? Às vezes, a realidade "arrebata-nos".

O Advento, este tempo litúrgico forte que estamos a começar, convida-nos a refletir silenciosamente para compreender uma presença. Trata-se de um convite a compreender que cada um dos acontecimentos do dia é um sinal que Deus nos faz, um vestígio da atenção que Ele tem por cada um de nós.

Quantas vezes Deus nos faz sentir algo do seu amor! Manter, por assim dizer, um "diário interior" deste amor seria uma tarefa bonita e saudável para a nossa vida! O Advento convida-nos e estimula-nos a contemplar o Senhor que está presente. Não deveria porventura a certeza da sua presença ajudar-nos a ver o mundo com olhos diferentes? Não deveria acaso ajudar-nos a considerar toda a nossa existência como uma "visita", um modo como Ele pode vir ter connosco e estar ao nosso lado em cada situação?

Outro elemento fundamental do Advento é a espera, expectativa que é ao mesmo tempo esperança. O Advento leva-nos a compreender o sentido do tempo e da história como "kairós",como ocasião favorável para a nossa salvação. Jesus explicou esta realidade misteriosa mediante muitas parábolas: na narração dos servos convidados a esperar o retorno do dono; na parábola das virgens que esperam o esposo; ou naquelas da sementeira e da colheita.

Na sua vida, o homem está constantemente à espera: quando é menino, deseja crescer; quando é adulto, tende para a realização e o sucesso; na idade avançada, aspira ao merecido descanso. Mas chega a hora em que ele descobre que esperou demasiado pouco se, para além da profissão ou da posição social, nada mais lhe resta para esperar. A esperança marca o caminho da humanidade, mas para os cristãos ela é animada por uma certeza: o Senhor está presente no fluxo da nossa vida, acompanha-nos, e um dia enxugará também as nossas lágrimas. Um dia, não distante, tudo encontrará o seu cumprimento no Reino de Deus, Reino de justiça e de paz.

No entanto, existem modos muito diferentes de esperar. Se o tempo não foi preenchido por um presente dotado de sentido, a espera corre o risco de se tornar insuportável; se se espera algo, mas neste momento não há nada, ou seja se o presente permanece vazio, cada instante que passa parece exageradamente longo, e a expectativa transforma-se num peso demasiado grave, porque o futuro permanece totalmente incerto. Ao contrário, quando o tempo é dotado de sentido, e em cada instante compreendemos algo de específico e de válido, então a alegria da espera torna o presente mais precioso.

Queridos irmãos e irmãs, vivamos intensamente o presente, em que já nos são concedidos os dons do Senhor, vivamo-lo projetados para o futuro, um porvir repleto de esperança. Deste modo, o Advento cristão torna-se ocasião para despertar em nós o autêntico sentido da espera, voltando ao coração da nossa fé que é o mistério de Cristo, o Messias esperado durante longos séculos e nascido na pobreza de Belém.

Quando veio ao meio de nós, trouxe-nos e continua a oferecer-nos o dom do seu amor e da sua salvação. Presente entre nós, fala-nos de muitas maneiras: na Sagrada Escritura, no ano litúrgico, nos santos, nos acontecimentos da vida quotidiana e em toda a criação, que muda de aspeto se Ele se encontra por detrás dela, ou se a mesma está ofuscada pela neblina de uma origem incerta ou de um futuro inseguro.

Por nossa vez, podemos dirigir-lhe a palavra, apresentar-lhe os sofrimentos que nos afligem, a impaciência e as interrogações que brotam do nosso coração. Estamos persuadidos de que nos ouve sempre! E se Jesus está presente, já não existe tempo algum sem sentido e vazio. Se Ele está presente, podemos continuar a esperar mesmo quando os outros já não conseguem garantir-nos qualquer apoio, até quando o presente se torna cansativo.

Queridos amigos, o Advento é o tempo da presença e da espera eterna. Precisamente por esta razão é, de modo particular, o tempo da alegria, de um júbilo interiorizado, que nenhum sofrimento pode anular. A alegria pelo facto de que Deus se fez Menino. Esta alegria, invisivelmente presente em nós, encoraja-nos a caminhar com confiança. Modelo e ajuda deste íntimo júbilo é a Virgem Maria, por meio da qual nos foi oferecido o Menino Jesus. Que Ela, discípula fiel do seu Filho, nos conceda a graça de viver este tempo litúrgico vigilantes e diligentes na esperança.

Bento XVI

FotoStephane Vetter

 

 

Dia 2/12
O Anjo do Advento

Venha o teu anjo abrir de novo estas portas
ao anúncio da vida pura e repentina
que eleva os nossos dias mesmo baços
à altura da promessa

Venha o teu anjo restabelecer o alfabeto censurado
ensaiar a dança que os gestos ignoram
Venha apontar o dia límpido, só pelo azul esclarecido
desprender-nos da cinza do desânimo e do sono
guiar-nos para lá das fronteiras

Venha o teu anjo nomear o que trazemos
e passa de um dia para outro sempre adiado
Venha redizer o corpo inacabado
Este reticente modo de habitação
ainda à espera do seu nascer verdadeiro

P. José Tolentino Mendonça

 

ImagemRui Aleixo

 

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Texto e imagens: Capela do Rato, Lisboa

 

20.12.12

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