Conhecemos bem o episódio evangélico em que uma mulher parte um frasco de alabastro com perfume preciosíssimo e o derrama sobre a cabeça de Jesus. Judas e outros discípulos contestam o gesto, acusando a mulher de desperdiçar o perfume: teria sido melhor vendê-lo -dizem -, e com o dinheiro obtido ajudar os pobres. Mas Jesus vê naquele ato gratuito o amor profético por Ele, a caminho da morte, e não só o justifica como liga o anúncio do Evangelho à memória daquela mulher (cf. Marcos 14,3-9 e paralelos).
No cristianismo não há lugar para o legalismo, mas é preciso viver a gratuidade, a liberdade e, no limite, o excesso de beleza. Isto, porém, não justifica nem o acumular de riqueza nem o luxo de quem quer impor e fazer ver, ostentando, a sua arrogância. Aliás, já os profetas de Israel tinham lançado invetivas contra os reis de Jerusalém que construíam para si casas faustosas, contra as mulheres que exibiam ornamentos e joias, contra os poderosos que todos os dias se banqueteavam lautamente.
E quando aparece João Batista para pregar a conversão, estava vestido com pelos de camelo e trazia uma correia de couro à cintura, como os antigos profetas, pobres e quase nus; só com a sua pessoa ele contestava – segundo as palavras do próprio Jesus - aqueles que usam roupas luxuosas e estão nos palácios dos reis.
Os padres da Igreja continuarão esta tradição, estendendo a sua crítica à vida da Igreja. João Crisóstomo recorda que «o corpo de Cristo que está no altar não precisa de capas, mas de almas puras». Ambrósio afirma que «dividiu e vendeu os vasos sagados para resgatar prisioneiros».
Também Bernardo de Claraval se fez voz da sobriedade exigida também a sacerdotes e bispos, na consciência do contratestemunho que se dá quando se privilegia a exterioridade e o mostrar-se em comparação com a intensidade da vida espiritual. Mas esta sua correção fraterna nem sempre é bem acolhida pelos destinatários: ele mesmo recorda que denunciou o luxo e as extravagâncias inclusive em homens de Igreja, mas confessa que, «quando o escreve numa carta, aqueles desdenham lê-la, ou se, por acaso, a leem, indignam-se com quem a escreveu».
Sim, por vezes a vaidade torna-se uma tentação também na Igreja, e por isso o Concílio Vaticano II recordou que «os ritos devem resplandecer pela sua nobre simplicidade», e as «vestes e os ornamentos sagrados pela nobre beleza». Há um estilo absolutamente decisivo na vida da Igreja, o estilo que deve significar sempre a glória de Deus na simplicidade e na beleza que não ofuscam, que não confundem os pobres e os necessitados.
Não é fácil, certamente, tomar decisões: há sempre o risco de uma rigidez legalística não conhece a gratuidade nem a alegria; ou de um luxo irreprimível, que recorda os palácios dos reis. Bento XVI retomou fortemente «a invetiva do apóstolo Tiago contra os ricos desonestos, que colocam a sua segurança nas riquezas acumuladas à força de abusos», e que depois a ostentam com vanglória. Alguns acontecimentos mostram-nos que quando há arrogância, ostentação de poder, luxo sem freio da parte dos poderosos, o seu fim e a devastação podem estar muito mais próximos do que se imagina.
De facto – como canta o salmista –, o luxo e a riqueza desenfreada impedem a compreensão, e assim acaba-se por percorrer um caminho mortífero, como animais conduzidos ao matadouro (cf. Salmo 49,21), que não entendem o que lhes está a acontecer.