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David Lodge: humor e lucidez de um escritor católico

David Lodge (Londres, 1935), que recentemente lançou o seu primeiro livro de memórias, “Um ano quase bom para nascer, 1935-1975”, não publicado em Portugal, faz parte da grande tradição de romancistas católicos ingleses que marcou o século XX. Lodge, que ensinou ao longo de décadas nas universidades inglesas e norte-americanas literatura inglesa, não só estudou os escritores católicos que o antecederam, sobre os quais redigiu ensaios iluminadores, mas foi também capaz, com lúcido humor, de narrar a vida quotidiana dos católicos ingleses, uma minoria em muitos aspetos à margem da vida académica e social.

Os católicos ingleses eram de facto, na maior parte, pertencentes aos mais baixos níveis sociais, a partir do momento que o grupo se constituiu sobretudo de irlandeses emigrados para Londres à procura de trabalho.

O autor não é exceção, mas precisamente por ter nascido num momento histórico particularmente favorável, ou seja, antes da II Guerra Mundial, pôde usufruir plenamente das facilidades que os governos trabalhistas do pós-guerra executaram para abrir as portas das universidades aos estudantes mais meritórios, ainda que pobres. Assim, apesar de partir da frequência de colégios católicos de nível médio-baixo, conseguir tornar-se professor universitário.

Na autobiografia conta, com um olhar ao mesmo tempo crítico e afetuoso, o seu percurso educativo nas escolas católicas, onde é tocado sobretudo pelas carências no ensinamento da religião cristã. Até da parte dos professores de religião. De facto, ele é educado num clima religioso predominantemente devocional, no qual um sistema normativo de comportamento é substituído pela riqueza da fé e das suas fontes de revelação, que diz respeito sobretudo à esfera sexual.

Lodge, também neste aspeto, confessa-se obediente às normas católicas, tanto que, no longo noivado que precede o casamento com a bela mulher Mary, católica de origens irlandesas, nunca cede à tentação das relações pré-matrimoniais. Um casal modelo, portanto, por razões que serão discutidas apenas em contacto com os católicos americanos, como explica claramente no livro:

«É difícil a quem não recebeu o género de educação católica ministrada a Mary e a mim, compreender de que modo a fé instilada abrangia e controlava cada coisa. A situação era mais sentida no norte da Europa, onde o catolicismo absorveu alguma coisa da espiritualidade escrupulosa dos protestantes, e menos nos países latinos meridionais, onde os leigos tinham uma atitude verdadeiramente descontraída quanto às contradições entre princípios e comportamentos.

Para nós a Igreja era como um clube: tinha um livro de regras que cobria todas as possíveis contingências da existência, e se as respeitávamos ou se se recebia a absolvição depois de as ter infringido, estava assegurada a vida eterna e a ajuda de Deus nas provações difíceis desta vida. Parecia óbvio que não se podiam ignorar as regras tidas como incómodas sem perder a inscrição no clube, e por este motivo muitos católicos tinham “abandonado” a fé por causa do problema do controlo dos nascimentos».

A rede de amigos em que se move permanece muito tempo marcada pela identidade católica, inclusive quando passa longos períodos como professor convidado em universidades dos EUA, assim como muitos dos seus romances mais conseguidos têm no centro da trama a relação entre a religião católica e o mundo contemporâneo. Entre outros pode citar-se “O Museu Britânico ainda vem abaixo”, cujo protagonista, alter ego transparente de Lodge, já pai de três filhos e ainda privado de um trabalho seguro, vive obcecado pela possibilidade de falha do método natural de controlo dos nascimentos utilizado, em conformidade com a “Humane vitae”. A ironia, unida a uma fiel adesão ao credo católico típica de quem pertence a uma minoria não socialmente valorizada, permitem-lhe fazer compreender muitas coisas em torno da crise da família e do afastamento de muitos fiéis da Igreja na segunda metade do século XX. Nas suas recentes narrativas, o ser católico nunca é uma adesão abstrata, mas um modo de viver quotidiano, que se experimenta concretamente nas dificuldades de cada dia.

Uma vez mais, de um catolicismo marginal mas vivo como o inglês, chegam inspirações críticas unidas ao convite a uma adesão mais consciente e sentida ao nosso credo.



 

Lucetta Scaraffia
In L'Osservatore Romano
Trad.: SNPC
Publicado em 11.01.2018 | Atualizado em 10.10.2023

 

 
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