De onde extrai toda esta energia a Ir. Cristina Scuccia? Faladora veloz, sorriso radioso, fala do seu próximo compromisso televisivo: o concurso “Ballando com le stelle” (Dançando com as estrelas), adaptado do concurso de talentos inglês “Strictly come dancing”, que estreou a 14.ª edição italiana a 30 de março, na estação televisiva RAI.
A presença da religiosa na televisão está muito distante do silêncio da comunidade de Milão, sede das Ursulinas da Sagrada Família, onde habita, com mais duas irmãs: Agata, a superiora, ferrenha da Juventus, a única que usa o WhatsApp.
A Ir. Cristina, de 30 anos, siciliana, venceu em 2014 a edição italiana do concurso “The Voice”. Quando se apresentou com o hábito no programa que premeia a melhor das vozes (o vídeo da exibição foi o quarto mais visto no YouTube a nível mundial naquele ano), teve de explicar que não estava vestida para o Carnaval.
«Sou uma irmã verdadeira», disse aos mentores desorientados, entre eles o “rapper” J-Ax, que a convidou para a sua equipa. O ano passado saiu o seu segundo disco, “Felice”. Entretanto, assinou, em coautoria, o “Pequeno guia para a alegria quotidiana”, um manual «para transformar a tua vida com a oração», como refere o subtítulo.
Quando é que tem tempo para “fazer” de irmã?
Na realidade, o empenho artístico é o prolongamento da vida religiosa, é a minha missão especial.
Como nasceu a ideia de participar em “Dançando com as estrelas” enquanto concorrente a concurso?
Há um ano, Milly Carlucci [apresentadora] pediu à madre superiora, Ir. Giovanna Fiorile, a permissão de para me ter em transmissão para oferecer ao público da estação uma mensagem de fé positiva, alegre, fora dos esquemas.
Convenceu-a logo?
Não, primeiramente a Ir. Giovanna ficou surpreendida. Depois tivemos todas um período de reflexão antes de dizer sim. Rezámos muito. Confiámos, Milly bateu à nossa porta convidando-nos a sair. É uma coisa de doidos, eu sei, mas o Senhor pôs-me em complicações, e será Ele a tirar-me de lá.
Que motivos a levaram a aceitar este desafio?
Primeiro: é um compromisso coerente com a minha formação artística e musical. Segundo: a fé não pode ser guetizada, não é uma coisa de nicho. Levamo-la até onde nunca chegou, no “prime time” do serão, às casas dos italianos. Se através da minha participação uma só alma for tocada, então terá valido a pena.
Quando participou no “The Voice” desencadeou a raiva. Houve quem tivesse falado de “montagem” para impressionar o público e aumentar as audiências. O mesmo vai acontecer neste programa.
Em relação a 2014 sou uma pessoa muito amadurecida. Mas onde está escrito que uma irmã só deve estar no convento?
Está pronta para as críticas, portanto.
Sei que vão chegar, estou a preparar-me para elas espiritualmente. «Cuidado quando todos disserem bem de vós», diz o Evangelho. S. Paulo diz que nos foi dado um espírito de fortaleza, não de timidez. Por isso é acertado arriscar.
De que maneira se preparou?
Há duas semanas transferi-me para a comunidade de Roma para começar as provas. Entretanto treino-me na oração com Jesus, que é o meu verdadeiro e único mestre.
O que lhe pede?
Que me instrua. Todas as noites lhe digo: «Põe Tu as palavras na minha boca, dá-me Tu a atitude certa, porque eu quero levar-te para onde quer que vá, também ao “Dançando com as estrelas”.
Há alguma crítica em particular de que esteja à espera?
Os “haters”, aqueles que insultam nas redes sociais e na internet, estão muito organizados. Mas não me metem medo, não vivo escrava dessas preocupações. No fundo, é um jogo.
Ganhará uma compensação.
Fiz voto de pobreza. Todos os eventuais proventos vão para a congregação. Manter as estruturas, a escola, todas as obras de beneficência não é tarefa simples.
Que género de dança prefere?
Conheço um pouco o samba, de quando estive no Brasil para o noviciado. Depois dancei em “Sister Act”.
É verdade que a sua experiência artística atraiu novas vocações?
Entraram três jovens: uma simpatizante, uma postulante e uma noviça. Eu, em 2009, foi a primeira vocação após 15 anos em que não as houve.
Como nasceu a sua vocação?
Em palco, quando interpretava a Ir. Rosa Roccuzzo, a fundadora das Ursulinas da Sagrada Família. Foi a 31 d emaio de 2008. Uma irmã que estava nos bastidores disse-me: «Quem sabe o que o Senhor quer dizer-te». Respondi logo: «Eu sei o que o Senhor quer de mim». Uma resposta estranha. Não ia à igreja há quatro anos, não suportava as irmãs, estava zangada com Deus. No dia seguinte pedi ao meu pai para me acompanhar à missa. Eu chorava de alegria. A minha mãe percebeu logo que estava a acontecer alguma coisa?
Porque é que Deus a fez zangar?
Por causa de problemas económicos, os meus pais tiveram de vender a casa de família. Não tinham onde ir viver, foi terrível. Tinha 15 anos. Durante a semana ia à escola, no fim de semana trabalhava para poder pagar as aulas de canto. Sorte que amigos dos meus pais deram-nos uma casa em ruínas, no campo, para morar. O meu pai, pintor, quando acabava de trabalhar, ia repará-la. Quando a minha mãe viu que andavam à procura da protagonista para o musical das Ursulinas, inscreveu-me logo.
Com Grégory Turpin escreveu um manual prático para aprender a a rezar. Conselhos?
Grégory é um cantor francês de música cristã, como eu. Conhecemo-nos em França, durante a promoção do meu primeiro disco. A primeira sugestão é parar e fazer silêncio. Somos bombardeados pelas religiões orientais que propõem vários métodos de meditação para chegar ao bem-estar físico e espiritual. Mas se realmente te sentes amado por Deus, estás bem também fisicamente.
Como é, habitualmente, o seu dia?
Despertar às 6h30 para a oração de Laudes e a missa. Depois começam as atividades, Sendo três, mão temos tarefas fixas. Se falta um professor, substituo-o. Se é preciso fazer compras, vou ao supermercado. Às 18h30 oração e meditação comunitária. À noite sirvo às mesas as jovens do pensionato universitário. Às 21h00 oração de Completas e depois ir para a cama.
Quais são as suas fontes de meditação?
As catequeses do papa, leituras bíblicas, textos de espiritualidade. Agora estou a ler um livro sobre Santa Rita de Cássia, uma mulher corajosa, extraordinária e anticonformista.
Ela teria ido ao “Dançando com as estrelas”?
Porque não? Também Santa Ângela Merici, a quem nos inspiramos para a nossa espiritualidade, o teria feito. No século XVI revolucionou a vida consagrada feminina e foi quase um porta-estandarte da emancipação das irmãs.