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Do santuário de onde se avista a Coreia do Norte, erguem-se preces de esperança e reconciliação

Os alvos grous da Manchúria, majestosos pássaros símbolos de paz e prosperidade, pairam, elegantes, sobre a “zona desmilitarizada”, a faixa de terra de 248 km de comprimento por quatro de largura que, ao longo do paralelo 38, traça a fronteira entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, dois países tecnicamente ainda beligerantes. No “Santuário do Arrependimento e da Expiação”, em Paju, cidade na fronteira entre as duas Coreias, diante da zona desmilitarizada, aquele voo foi sempre considerado sinal de bom auspício e de esperança, mesmo nos tempos mais sombrios.

João Batista Chan Kil Kwon, pároco daquela igreja católica, a mais próxima territorialmente da Coreia do Norte, é realista mas confiante: assinalar o 70.º aniversário do início da guerra das Coreias (25 de junho de 1950) significa para ele orientar e animar a ação pastoral, litúrgica, social e cultural da comunidade dos fiéis com uma mensagem impregnada de paz, esperança, reconciliação; com a tessitura dos laços e a construção de pontes – idealmente e concretamente – são projetados para lá da fronteira.

Do terraço do santuário pode ver-se a Coreia do Norte, nação ao mesmo tempo vizinha e proibida, para lá da “zona-tampão” que, paradoxalmente, se tornou numa terra viçosa e florida. Com efeito, o abandono forçado transformou-a numa preciosa reserva natural: a fatia de território constitui o habitat para milhares de espécies vegetais e para mais de 300 espécies de pássaros, muitos em risco de extinção, que ali encontraram condições ideais para se reproduzir.

«Precisamente essa região verdejante diz, com o seu florescimento, uma verdade simples: que Deus pode extrair o bem de um mal, e que nunca se deve perder a esperança», declara, serenamente, o P. Chan kil Kwon. O pároco sente quase na pele as feridas da guerra e da divisão de um povo que, por mais de 50 mil anos, foi unido pela mesma história, origem, língua, cultura. E enquanto declara o desejo «de poder ser, um dia, missionário na Coreia do Norte, para levar o amor de Deus e poder lá realizar a obra pastoral», trabalha «para educar para a paz e para a reconciliação, para fazer crescer a atitude correta de acolhimento e fraternidade para com as pessoas do Norte», explica.

«Hoje podemos rezar e ter vivo o desejo», acrescenta, recordando que muitos padres da diocese de Uijeongbu, onde se encontra a sua igreja, visitaram a Coreia do Norte em anos passados, estabelecendo relações e envolvendo-se em projetos de carácter humanitário.

No santuário de Paju, como em muitas igrejas católicas nas várias dioceses sul-coreanas, organizaram-se iniciativas, liturgias e encontros – no pleno respeito pelas medidas de contenção do Covid-19 – para recordar o aniversário do desencadeamento da guerra como «ocasião para uma sincera proposta de perdão e de paz».

Neste lugar especial à beira da fronteira, onde em 2016 foi criado um centro cultural para a paz e unidade, o bispo D. Peter Lee-Ki-Heon, à cabeça da diocese de Uijeongbu e chefe da Comissão para a Reconciliação do Povo Coreano no seio da Conferência Episcopal convidou os dois países a «romper as cadeias da desconfiança e do preconceito que nos aprisionam desde há 70 anos». E pediu ao governo de Seul para «procurar meios para acelerar as trocas intercoreanas sem violar as sanções internacionais».

Numa atmosfera espiritualmente densa de comoção e de súplica ingente a Deus, o bispo, natural de Pyongyang, celebrou uma missa pela paz na península coreana, na qual salientou «a necessidade de por fim definitivamente à guerra». «Desde há demasiado tempo as divisões e traumas prejudicam a vida das pessoas, a política, até os pensamentos», declarou, recordando, com amargura, a explosão, provocada pelas autoridades norte-coreanas, do escritório conjunto intercoreano em Kaesong, área onde se experimentou, no passado, a colaboração económica entre os dois países. Agora, prosseguiu, «este é o tempo para pôr fim aos mal-entendidos: a paz constrói-se hoje, no aqui e agora da nossa história».



Imagem Gyeonggi, Paju | loeskieboom/Bigstock.com


«Nos 70 anos do desencadeamento da guerra da Coreia, hoje deveria ser o primeiro ano para recomeçar do princípio, com um ânimo predisposto ao perdão, à reconciliação, à paz», assinalou. E, para iniciar, é preciso, antes de tudo, «fazer desaparecer os traços da guerra da Coreia, substituindo o armistício ainda em vigor por um verdadeiro tratado de paz».

O santuário, concluído em 2013, é ele próprio um símbolo de reconciliação e colaboração: as pinturas e mosaicos que o adornam foram desenhados por artistas sul-coreanos e completados por artistas norte-coreanos. A igreja foi pensada e instituída como espaço especial para rezar pela paz. Hoje, no centro cultural anexo, está em exibição uma mostra de caligrafia centrada no tema da “reconciliação nacional”, que visa também recordar o 20.º aniversário de Declaração conjunta de 15 de junho de 2000, quando se lançaram as bases para um renovado processo de reaproximação, pacificação e reunificação.

«A história da guerra da Coreia ensinou-nos que não se pode alcançar a reunificação da Coreia com as armas e com meios coercivos. Pode obter-se, pelo contrário, só com meios pacíficos, através do diálogo e da cooperação. E graças ao perdão e à oração»: os batizados na Coreia – recordam o Conselho Nacional das Igrejas na Coreia e o Fórum Ecuménico para a Coreia, que unem fiéis de várias confissões – são concordes na expressão do profundo desejo de paz e de reconciliação, pondo fim a um conflito que provocou a destruição de todas as principais cidades da península, separou muitas famílias e deixou uma herança duradoura de amargura, medo e divisão no povo.

As raízes da guerra mergulham na divisão da Coreia ocorrida após o segundo conflito mundial, entre uma área de influência da ex-URSS (o Norte) e outra dos EUA (o Sul), que aconteceu quase imediatamente após a libertação do povo coreano de 36 anos do domínio japonês. A fronteira ao longo do paralelo 38 radicou-se durante a Guerra Fria, que forneceu o contexto e os impulsos para a guerra. Após três anos de conflito extremamente destrutivo, a 27 de julho de 1953 foi assinado o armistício, que estabelecia uma trégua e criava a “zona desmilitarizada”, que continua a separar as duas nações.

Para sanar as feridas do passado, «a arma mais poderosa que os cristãos possuem é a oração. Ela está no coração do esforço para a edificação da paz», observam as instituições ecuménicas.


 

Paolo Affatato
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 06.07.2020 | Atualizado em 06.10.2023

 

 
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