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Economia solidária: um lugar para aprender a interdependência

"O sentido do outro - A crise, uma oportunidade para reinventar laços" é um dos títulos mais recentes da Paulinas Editora, onde a autora, a uruguaia Elena Lasida, propõe um olhar alternativo sobre a economia, habitualmente associada aos bens e ao dinheiro mas que «raramente» é perspetivada como «lugar de encontro».

«Gostaria, pura e simplesmente, de partilhar convosco a experiência desta oficina e deste jardim que é a economia. (...) Desprezada por uns e adorada por outros, revela-nos, talvez mais do que qualquer outro domínio da vida humana, todas as suas misérias e as suas maravilhas», escreve a autora.

Elena Lasida vive em França, tendo concluído o doutoramento em Ciências Sociais e Económicas do Instituto Católico de Paris, onde atualmente exerce docência e investigação. Apresentamos um excerto do volume

 

Economia solidária: um lugar para aprender a interdependência

O termo de economia solidária é utilizado para designar práticas muito diferentes como o comércio equitativo, a ética nas finanças, o microcrédito, o turismo solidário, a agricultura sustentável, as redes de troca de conhecimentos, os serviços de aproximação, as administrações de bairro, as diversas formas de empreendimentos coletivos. Esta diversidade dificulta a sua definição; contudo, se há alguma coisa que reúne essas práticas diferentes, é certamente a busca de uma nova ligação entre o económico e o social

Com efeito, a economia solidária desloca a habitual noção de «social», muitas vezes associada às necessidades de base da pessoa (saúde, alimentação, educação, habitação, etc.), para uma dimensão mais existencial e integral: a da qualidade relacional da vida.

Em todas as práticas da economia solidária, a proximidade e o tipo de ligação tecido através da atividade económica são as primeiras dimensões a ter em conta. Assim, o social não aparece como uma coação suplementar a adicionar à economia, mas antes como uma forma diferente de pensar o lugar e a finalidade da economia na sociedade. A economia aparece assim como um fator de mediação social e como um fator de construção da sociedade, mais do que como um meio de satisfação de necessidades e de enriquecimento pessoal.

A dimensão social da economia solidária é de ordem «societária»: deriva sobretudo da maneira de viver juntos e de fazer sociedade. A economia solidária desloca assim a representação clássica da economia, do social e da sua articulação. Reencontra-se assim, através da economia solidária, a conceção e a função atribuídas à economia por Adam Smith: uma economia não pode ser entendida fora dos outros domínios da vida em sociedade, serve para tecer laços ainda antes de satisfazer necessidades.

Esta representação da ligação entre o económico e o social, veiculada pela economia solidária, traduz-se numa espécie de inversão das relações clássicas entre os atores económicos. Ali onde a finalidade era sobretudo determinada pela independência e pela maximização do interesse individual de cada ator, observa-se mais a busca de interdependência e de pertença comum.

É assim que o consumidor vai procurar, mais do que o produto menos caro, aquele que permite a um pequeno produtor não ser excluído do mercado. É o caso do comércio justo (ou equitativo) e da Agricultura Local Sustentável (ou associações para o Desenvolvimento Rural Sustentável). No comércio justo, o consumidor escolhe um bem, não só em função da sua qualidade e do seu preço, mas também em função da qualidade de vida e da remuneração que esse bem garante ao seu produtor. A sua escolha não se faz apenas em função dos seus interesses, mas também em função dos do produtor.

Na Agricultura Local Sustentável, o consumidor escolhe o seu bem porque este é produzido localmente, por produtores com quem pode travar conhecimento. Por este meio, estabelece uma parceria com produtores e com outros consumidores, o que permitirá igualmente criar laços de proximidade. Hoje em dia, os produtos do comércio justo são largamente acessíveis aos consumidores, graças nomeadamente ao rótulo Max Havelaar - ou FrairTrade, ou TransFair -, que permite identificá-los e comercializá-los mesmo em grande superfície. Outro filão existe através dos armazéns exclusivos de produtos equitativos, como é o caso da rede de lojas de comércio justo: uma diligência mais seletiva, mas também mais coerente, pois os princípios de equidade são respeitados desde o princípio até ao fim da cadeia.

Tanto no caso do comércio justo como na Agricultura Local Sustentável, a opção de consumo toma-se uma escolha política no sentido de que serve não só o interesse individual do consumidor, mas também um interesse coletivo. Mediante o seu ato de consumo, o consumidor faz uma opção de sociedade. Diz-se muitas vezes que o consumidor se torna «consum'ator». Por outras palavras, o consumo torna-se um ato de cidadania, ou seja, uma forma de participar na vida da cidade, tanto local como mundial. Dessa forma, entre consumidor e produtor gera-se uma espécie de interdependência, eles passam a ser coprodutores.

Aquilo que é descrito a nível do comércio também se pode encontrar a nível das finanças solidárias, em que quem tenta fazer poupanças tenta colocar o seu dinheiro não só em função do juro obtido, mas também e sobretudo em função da forma como as suas poupanças são utilizadas. Quer porque aceita partilhar uma parte do proveito gerado pela sua poupança com uma atividade de utilidade social (por exemplo, uma empresa de inserção, uma associação de ajuda domiciliária ou uma organização de solidariedade internacional), quer porque investe diretamente o seu dinheiro nessas atividades, quem poupa toma-se parceiro daquele que utiliza as suas poupanças.

Os produtos de poupança solidária também se desenvolveram muito nos últimos anos. Tal como no caso do comércio justo, existe um rótulo que permite identificá-los e propô-los até mesmo em bancos comerciais clássicos. O rótulo Finansol, em França, também é atribuído aos produtos de poupança que respondem a critérios de solidariedade. Segundo o barómetro publicado anualmente por Finansol, a poupança solidária sofre um aumento permanente e crescente, que foi de 47% em 2009, em relação a 2008.

Por outro lado, de dois em dois anos, a publicação Alternatives économiques publica um guia prático sobre os fundos de investimento.. A escolha de um fundo de investimento financeiro toma-se, assim, um ato político, tal como a opção de consumo: permite construir uma certa forma de sociedade, financiando atividades que têm um fim social. As finanças solidárias criam interdependência entre o detentor da poupança e o investidor.

Mediante estes exemplos, percebe-se por que razão a economia solidária constitui uma forma diferente de pensar a ligação entre o económico e o social: os atos de consumo ou de poupança considerados como atos «políticos» mostram que a economia não é apenas um meio de prover às necessidades de cada um, mas sobretudo uma forma de construir a sociedade. Nesse sentido, a economia solidária volta a pôr em destaque a dimensão de «passador» do ator económico. Mais do que separar consumidor e produtor, detentor da poupança e investidor, associa-os, tomando-os interdependentes. O homo oeconomicus transforma-se, assim, num verdadeiro ator social, num passador de sentido e num passador de vida.

Contudo, não se trata de ser ingénuo nem de pensar que a economia solidária transforma automaticamente o concorrente em parceiro. O ator da economia solidária (...) é atravessado pela contradição entre simpatia e inveja, entre proximidade e rivalidade. A economia solidária não pretende resolver essa contradição, mas põe-na em causa: ela revela sobretudo que entre a dimensão económica e a dimensão social não há independência, mas uma interdependência total, e que, embora a interdependência não garanta automaticamente a harmonia social, toma-a possível.

Como criar as condições para que essa interdependência gere mais harmonia do que guerra de todos contra todos? Como fazer com que a relação criada faça circular simpatia em vez de suscitar apenas inveja? Para responder a isso, há que entrar no coração da própria relação. Nesse sentido, a sociologia e a psicologia podem tomar-se uma ajuda preciosa, tal como toda a narrativa que fale do humano e do estabelecimento de relações.

 

Esta transcrição omite as notas de rodapé.

 

Elena Lasida
In O sentido do outro, ed. Paulinas
© SNPC | 15.04.13

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Capa

O sentido do outro
A crise, uma oportunidade
para reinventar laços

Autora
Elena Lasida

Editora
Paulinas

Ano
2013

Páginas
248

Preço
14,90 €

ISBN
978-989-673-302-5

 

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