Aveiro
S. Gonçalinho: festa e solidariedade na evocação do beato de Amarante
Começam esta quinta-feira em Aveiro as festas em honra de S. Gonçalinho, diminutivo localmente dado ao beato Gonçalo de Amarante, que a Igreja Católica evoca a 10 de janeiro.
O site da paróquia de Vera Cruz, que apresenta a programação das festas, sublinha que a ocasião é uma oportunidade para expressar a «alegria» da fé e, ao mesmo tempo, para apelar «à partilha e à solidariedade».
História e evolução das festas de S. Gonçalinho
Jorge Pires Ferreira, Correio do Vouga
Ao longo de quatro dias, o santo amarantino, dominicano, da primeira metade do séc. XIII, que também é muito popular no Brasil, onde há três cidades chamadas “São Gonçalo do Amarante”, é invocado através dos atos litúrgicos, mas também com o lançamento das cavacas e de outros rituais populares entre os quais se destaca a secreta “dança dos mancos”.
Beato Gonçalo de Amarante (Igreja do Convento de Amarante)
O santo terá vivido temporariamente em Aveiro, durante as suas viagens pelo mundo. Aqui conquistou a fé dos habitantes do bairro piscatório da Beira Mar, que a ele entregavam a sua sorte quando saiam para o mar. O seu rosto jovem e risonho fizeram dele o eterno «menino» das gentes da Beira Mar, que lhe ficaram devotas até aos dias de hoje.
Conceição Lopes, professora da Universidade de Aveiro que se tem dedicado ao estudo das festividades de São Gonçalo, afirma que se trata de uma festa de “celebração sagrada da humanização do humano”. Os rituais presentes na festa, as rimas, a subversão do tempo significam um corte no dia a dia dominado pela “racionalidade lógico-financeira”. “O São Gonçalinho – afirma – rompe com o estigma do quotidiano”. Nesta, como noutras festas populares, “os celebrantes, de um modo genuinamente singular, reagem à estigmatização instrumental e mercantil da existência humana”, afirma.
Bruno Raposo
A docente da Universidade de Aveiro destaca nos “rituais de São Gonçalinho” o caráter alegre do santo, o ritual das cavacas e as danças.
“Casamenteiro, tocador de viola, dançarino, milagreiro, resolve os encravanços do peito e limpa as verrugas da alma e outras maleitas do corpo. Enfermeiro, médico, criador de vida, contemplativo e “perdoador”, curador de doenças de ossos, no amor e desamor, com o seu sorriso a todos acolhe e num abraço a todos envolve”. Assim é São Gonçalinho, segundo Conceição Lopes. E cita uma quadra: “Brincalhão e galhofeiro / vós fostes das velhas / devoto casamenteiro. // Ó santinho milagroso / dai também às raparigas / um noivinho bem formoso”.
Sílvia Antunes
No lançamento das cavacas do alto da capela, “meio de pagar promessas ou encomendar alguma graça”, guardadas durante o ano como símbolo de proteção, Conceição Lopes vê um símbolo da fertilidade. “Talvez que no côvado que o beato São Gonçalo utiliza nas mãos se tenha inspirado também a forma das cavacas. A água é fonte de vida, tal como no útero feminino germina a vida”, afirma. Sobre a “dança dos mancos”, realizada em segredo na capela, a professora afirma: “Tomando nela parte homens saracoteando os corpos em festa, em desequilíbrios possíveis que as supostas dores de ossos e pernas soltas causam, pede-se proteção antecipada contra a doença.
Um dos costumes mais vincados desta cerimónia é o pagamento de promessas ao padroeiro, sendo atirados quilos de cavacas doces a partir do cimo da capela para o público. Pessoas com camaroeiros na ponta de varas, chapéus ao contrário, e até capacetes, todos eles se juntam ao redor da capela junto da Praça do Peixe.
Bruno Raposo
Capela de S. Gonçalinho. Foto: Paulo Tavares
Jorge Pires Ferreira
In Correio do Vouga
09.01.13







