A modernidade criou-nos as grandes cidades industriais com movimentos de massas como autênticas caravanas. E nós seguimos a caravana sem pensar duas vezes. São as oportunidades que não se podem perder, as aparências que temos de manter, a velocidade de cruzeiro que devemos conseguir acompanhar. Jesus quebra a lógica, o sentido das massas, não segue na caravana, mas prende-se no que é importante:
«Terminados esses dias, regressaram a casa e o menino ficou em Jerusalém, sem que os pais o soubessem. Pensando que Ele se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-lo entre os parentes e conhecidos. Não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém, à sua procura. Três dias depois, encontraram-no no templo, sentado entre os doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. Todos quantos o ouviam, estavam estupefactos com a sua inteligência e as suas respostas.» (Lucas 2, 41-47)
O movimento DADA (início do séc. XX) só se pode ter inspirado neste episódio da vida de Jesus. A seu modo, pretendeu fazer o mesmo, quebrar regras, sentidos, procurar a imprevisibilidade, descobrir o que escapava a todos os outros. Um dos conceitos que apresenta é o da cidade banal, a que não vem nos roteiros, a cidade inconsciente, aquela que não é suposto visitar.
No retiro de diários gráficos em Turim, um dos exercícios foi deambular pela cidade, construir o percurso imprevisível que as massas/caravanas não consegue. Como é que o fizemos? Entrando na caravana, como Maria e José fizeram e saindo assim que nos apercebêssemos de que algo faltava, o mais importante. Voltando atrás, deambulando, caminhando, procurando e registando com a lógica inesperada dos dadaístas…
Como resultado do exercício, este desenho começou com o registo do interior do elétrico de Turim. Pretendia-se mostrar as entranhas da caravana, quem entra nela, quanto tempo lá fica, a mistura cultural de cores, sons, cheiros. Começou ali a procura do que é importante, tal como Maria e José procuraram Jesus durante um dia inteiro. Fiz o percurso completo e saí apenas no fim da linha. As pessoas que enchiam e esvaziavam a caravana enchiam-me as medidas. Parecia-me que o importante estava ali. Quando fora, fui juntando às peças, sem ordem especial, os edifícios de Turim. São as pessoas que lhes dão cor e não o oposto.
Jesus também nunca se prendeu aos locais geográficos. A sua preocupação eram as pessoas. Creio que, se desenhasse, o seu foco seriam as pessoas.
Cartografia sonora do retiro e dos exercícios concebida por Miguel Cordeiro.