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Espiritualidade

A essência do monaquismo cristão

Morrer para o mundo e para si mesmo: o primeiro movimento da vida monástica é o exílio, a solidão, que criam as condições de pura disponibilidade para a graça divina. Entrevista com Jean-François Colosimo, professor de Patrologia no Instituto de Teologia Ortodoxa de Saint-Serge, Paris.

O que é um monge?
Tenta-se sempre dar um sentido, uma utilidade à vida monástica, mas o monge não serve fundamentalmente para nada. Na palavra monacosmonos, que é a ideia de unidade. Para a alcançar, o monge deve passar por uma experiência de desprogramação. Deve desaparecer da face da Terra. O primeiro movimento da vida monástica é, por isso, a partida, a «anacorese», o exílio. É um desígnio de ressurreição que necessita, em primeiro lugar, que se morra para os outros, para o mundo, para si, isto é, para as suas necessidades psicológicas, o seu horizonte imaginário, aos seus impulsos psicológicos, à sua história pessoal. Este desaparecimento tem por objectivo uma pura disponibilidade à graça: ter Deus como único programa, única consolação, instalar-se na pura verticalidade até morrer para a própria morte. É uma vida angélica, escatológica, que tende imediatamente para o Reino.

 

Foto

Philippe Lissac /Godong/Corbis

 

O que é que na vida de Jesus ou nas Escrituras pode justificar essa radicalidade?
Esta radicalidade remete para todas as grandes figuras proféticas do Antigo Testamento, a começar por Moisés no Sinai: «Não me podes ver sem morrer». Depois Elias, que encontra Deus no silêncio. No Evangelho, o apóstolo João é outro grande modelo: durante a Última Ceia, a sua cabeça repousa sobre o coração de Cristo, e eis que a sua respiração se harmoniza com a respiração do Deus incarnado. A oração é exactamente esta harmonização entre a respiração do homem e a de Deus. Uma não-actividade que faz do monge um viajante imóvel. O seu corpo e o seu espírito tornam-se o seu próprio laboratório. É a promessa da beatitude experimentada cá em baixo. Há uma recolha completa da vida de Cristo na experiência monástica: os quarenta dias no deserto, o Gólgota, a Páscoa, mas sobretudo a transfiguração, que é a plena manifestação da divindade na humanidade, a permeabilidade à luz eterna que a tradição monástica diz não ter ocaso, e que é o sinal de uma união sem cortes com o Pai Eterno, o vivente.

 

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Philippe Lissac /Godong/Corbis

 

O monge antecipa a vida futura...
Ele realiza-a, faz dela a sua própria vida. Neste sentido, a vida monástica é a verificação existencial da exactidão do dogma. Não é um cristianismo especializado para supercristãos! É a essência do cristianismo. O monge não faz senão renovar de maneira total a promessa do baptismo, ou seja, a aquisição dos dons do Espírito Santo. “Deus fez-se homem para que o homem se faça Deus»: a vida monástica é a migração para este estado. O que significa que ela está totalmente orientada, articulada, coordenada pelo objectivo de possuir o Reino e realizar na Terra do estado futuro de toda a humanidade. Por isso o monge não procura aperfeiçoar-se moralmente na alteridade. Ele procura Deus na paz, no silêncio e na oração.

 

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Hans Georg Roth/Corbis

 

Quais são as armadilhas da vida monástica?
Até ao fim, nada está ganho. Nos escritos dos Padres do Deserto são abundantes as histórias de monges com mais de 70 anos que descarrilam. A vida monástica é um caminho até à morte. E um dos seus maiores perigos é a ilusão. Porque o monge vai realizar uma viagem antropológica nas raízes do inconsciente colectivo, vai encontrar anjos, demónios, sentir pavores, graças, êxtases. Por isso é indispensável um guia para aprender a geografia destes territórios; sem ele há o risco de, nessa procura da divinização, pensar que se reza Deus quando na realidade é o próprio que se reza a si mesmo. Esta é a ilusão espiritual mais trágica. Uma vez que, no mundo, há sempre a alteridade, a relação, na vida monástica está-se diante da vertigem. Se não há Deus, então não há nada mais sem sentido no mundo que a vida monástica. Aquele que não o encontra tem motivos para enlouquecer ou tornar-se pior que um animal selvagem. A acédia [indolência, frouxidão, negligência é outro perigo que espreita o monge. É o demónio do meio-dia, porquanto se diz que uma metade do dia acaba de terminar e mais uma vez não se passou nada... Este demónio incita o monge a sair, murmura-lhe que o seu combate é vão, que falhou a sua vida. Neste preciso momento, o único meio de lutar consiste em esperar por horas menos negras. Aquele que resiste a estas crises maníaco-depressivas sente, quando elas terminam, uma alegria inefável. Mas é preciso antes de tudo que o monge mate o que ele é para deixar crescer este vazio, no qual se pode inscrever a luz.

 

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No Monte Athos são guardados os crânios dos monges que morreram.

Dave G. Houser/Corbis

 

São muitos os que conseguem?
A maior parte dos monges falha. Mas não é grave. Eu diria mesmo que a maneira como não se consegue ser bem sucedido é primordial. Porque o próprio revés torna-se proximdade com Deus, dado que a grande lição do monaquismo é a infidelidade da humanidade sem a graça O monge não é um herói «nietzschiano», não é pela sua vontade que ele alcança o seu fim, mas na ideia de que seja Deus a agir. Os monges dão toda a sua vida a Deus e mostram-nos que há uma verdadeira beatitude a vencer a nossa própria solidão. A criar o espaço para o agir de Deus.

 

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Jose Nicolas/Corbis

 

Este apelo divino exige disposições particulares?
Não há um perfil psicológico particular para se tornar um monge. Nos 1800 monges do Monte Athos, as biografias, as sensibilidades e as culturas são muito variadas. A vida monástica é uma recolha de tudo o que constitui realmente a essência do humano, mas na solidão, na ascese face a Deus. Quando os pensamentos o assaltam com violência, o monge vai descobrir o fundo efervescente da humanidade e encontrar em si o roubo, a violação, o incesto, a morte. O estado monástico não protege de nada, e se o monge não experimenta estas realidades é porque a sua espiritualidade entrou de férias. A única disposição que me parece essencial consiste em possuir uma sensibilidade artística. O monge é o escultor da sua própria vida. A vida monástica não é possível sem a ideia de que a existência é a nossa primeira obra. A teologia do monge é por conseguinte a da beleza, que se distingue da filosofia, ao amor à sabedoria.

 

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Kazuyoshi Nomachi/Corbis

 

Paradoxalmente esta vida inútil, mas que atinge o que é mais profundo no homem, não eleva toda a humanidade?
Há um poder subversivo que se liberta do monaquismo. É um contra-testemunho permanente. Não, dizem-nos eles, a humanidade, acabada, não pode definir-se por ela mesma. Sendo assim, que espaço deixamos nós para o infinito nos nossos amores, na nossa maneira de comer, de beber, de trabalhar? É a parte excluída das nossas vidas. O nosso mundo de abundância, de ruído e de prazer tem por isso necessidade dos mosteiros como uma espécie de vigia, de farol na escuridão. É por isso que as pessoas visitam os monges. Só eles permanecem na extrema concretização da vida cristã. O seu valor não tem preço.

 

Entrevista conduzida por Jennifer Schwarz
In Le Monde des Religions (Maio/Junho 2009)
© SNPC (trad.) | 26.06.09

Monge em oraçãoChristophe Boisvieux/Corbis

 

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