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Arte

Santa Lourdes Castro

Lembro-me de uma entrevista feita a Lourdes Castro em que ela defendia que a arte não deve ter um estatuto de exceção sobre os restantes aspetos da vida. A arte é fazer bem feito, é levar até ao fim. E dava o exemplo de algumas tribos, onde a arte não era ainda considerada uma atividade distinta do quotidiano: arte era, por exemplo, para as mulheres pentearem-se bem, varrerem bem o seu pátio. Era, para os guerreiros, pintarem o rosto segundo os rituais a assinalar…Apenas isso.

Não me esqueci destas palavras, porque elas certamente guardam o segredo da artista espantosa que Lourdes Castro é, mas guardam-no apontando para uma dimensão que, num mundo tão equívoco como aquele em que vivemos, raramente se sublinha ou pelo menos não com esta limpidez e sabedoria. Lourdes Castro testemunha que a arte é uma atividade humana total, que mergulhar nos meandros da criação é também maturar nos meandros do conhecimento de si e, contra uma errada gramática que a modernidade faz vingar, não se pode insistir na rutura entre a construção da obra de arte e a construção do sujeito que cria. Ou melhor: até se pode. E há obras geniais (e também muito menos que isso) que brotaram dessa cisão. Mas não é esse o endereço, nem a teimosia de Lourdes Castro. Era Paul Tillich quem dizia que uma pintura pode constituir acesso a uma nova dimensão do ser, se, ao mesmo tempo, possuir a força de abrir a camada correspondente de alma. É o seu caso.

Recordo-me perfeitamente do momento em que a conheci. Foi na praia dos Reis Magos, num fim de tarde. Ela chegou com o Manuel Zimbro e íamos todos jantar com uns amigos comuns que estavam de passagem. A Lourdes e o Manuel ainda deram um mergulho. E depois ficamos por ali a ver o sol daquele dia reclinar. A Lourdes disse, com a deliciosa expressão de espanto que, quem a conhece, sabe que é genuinamente  sua: «As mais belas imagens são as que a natureza nos dá».

Não sei porquê voou-me o pensamento para uma frase de Espinosa: «Deus sive natura» (Deus, isto é, a natureza). E ao longo destes anos de amizade volto muito a essa frase, por que a Lourdes ensina a ver o natural e a natureza como nunca o vimos. Não é por acaso que, como ela gosta de dizer sorrindo, é «alguém que se ocupa da sombra». A sombra funciona como uma espécie de educação para aquilo que as nossas práticas tornam invisível. A arte de Lourdes Castro devolve-nos o esplendor do real sem ocultações, nem parcialidades: um real até ao fim, onde a sombra é transcrita e valorizada.

Senti muito o desejo de escrever sobre Lourdes Castro agora que revi, em DVD, o filme de Catarina Mourão que nos leva até Lourdes (e traz ela a nós) de uma forma coerente, comovente e impressiva. O filme chama-se "Pelas sombras". A Lourdes está ali inteira. Nos diálogos e no silêncio; na atividade e no repouso; na intensa solidão, no humor e no assombro da presença. Sinceramente, não me ocorre melhor palavra que santidade (não no sentido religioso, mas num imenso sentido humano) para dizer o que está tão manifesto em Lourdes Castro: inteireza, inteireza, inteireza.

Imagem

 

José Tolentino Mendonça
In Diário de Notícias (Madeira)
Fotografia: Fotogramas do filme "Pelas Sombras" (Catarina Mourão)
30.01.11

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