É intolerável continuar a aceitar que os mercados governem o destino dos povos
O papa Francisco elogiou hoje, no Vaticano, o papel dos investidores que destinam parte dos seus recursos para o desenvolvimento de infraestruturas básicas ao serviço de populações desfavorecidas, ainda que com retorno financeiro menor do que noutras aplicações, e vincou que os mercados não podem continuar a determinar o futuro das nações.
Excertos da intervenção:
«Os investidores de impacto estão conscientes da existência de graves situações de iniquidade, de profunda desigualdade social e das penosas condições de inferioridade em que se encontram populações inteiras.
Eles dirigem-se a organismos financeiros que utilizam os recursos para promover o desenvolvimento económico e social das populações pobres, com fundos de investimentos destinados a satisfazer as suas necessidades basilares ligadas à agricultura, ao acesso à água, à possibilidade de dispor de habitações dignas a preços acessíveis, bem como a serviços primários para a saúde e educação.
Esses investimentos pretendem produzir um impacto social positivo para as populações locais, como a criação de postos de trabalho, o acesso à energia, a instrução e o crescimento da produtividade agrícola. Os retornos financeiros para os investidores tendem a ser mais moderados do que noutros tipos de investimento.
A lógica que anima estas inovadoras formas de intervenção é aquela que "reconhece o laço original entre lucro e solidariedade, a existência de uma circularidade fecunda entre ganho e dom (…).
Os cristãos são chamados a redescobrir, viver e anunciar a todos esta preciosa e originária unidade entre lucro e solidariedade. Quanto o mundo contemporâneo tem necessidade de redescobrir esta bela verdade!" (prefácio do livro do cardeal G. Müller, “Pobre para os pobres. A missão da Igreja”). Precisamos realmente disso.
É importante que a ética reencontre o seu espaço na finança e que os mercados se coloquem ao serviço dos interesses dos povos e do bem comum da humanidade. Não podemos continuar a tolerar que os mercados financeiros governem o destino de povos em vez de servirem as suas necessidades, ou que poucos prosperem recorrendo à especulação financeira, enquanto muitos sofrem pesadamente as consequências.
A inovação tecnológica aumentou a velocidade das transações financeiras, mas esse aumento encontra sentido na medida em que se demonstra apto para melhorar a capacidade de servir o bem comum. Em particular, a especulação sobre os preços dos alimentos é um escândalo que tem grave consequências para o acesso ao alimento dos mais pobres.
É urgente que os governos de todo o mundo se empenhem no desenvolvimento de um quadro internacional capaz de promover o mercado do investimento de alto impacto social, de modo a combater a economia da exclusão e do descartável.
No dia em que a Igreja festeja os santos Quirico e Giulitta, filho e mãe que, sob [o imperador romano] Diocleciano deixaram os seus bens e foram ao encontro do martírio, gostaria de pedir convosco ao Senhor que nos ajude a nunca esquecer a fugacidade dos bens terrenos e a empenharmo-nos pelo bem comum, com amor preferencial pelos mais pobres e frágeis.»
Papa Francisco
Discurso aos participantes no congresso sobre o tema "Investing for the poor"
Vaticano, 16.6.2014
Trad./redação: SNPC/rjm
16.06.14