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John Henry Newman e Edith Stein: Mestres porque testemunhas

John Henry Newman e Edith Stein: Mestres porque testemunhas

Imagem D.R.

Num saboroso ensaio sobre “The Victorian age in Literature” (A idade Vitoriana na Literatura) (1913), Gilbert Chesterton escreve que John Henry Newman (1801-1890) «não tem seguidores no seu tempo, mas muitíssimos no nosso». Observação muito adequada, considerando o substancial isolamento do cardeal inglês no panorama filosófico-teológico do seu tempo e as não poucas incompreensões, tanto com a Igreja anglicana quanto com a católica. A confirmação também vem da sua colocação muitas vezes questionável nas histórias da Filosofia, bem como da admissão, por parte de intérpretes conceituados de que o Newman filósofo está subestimado.

Na realidade, ele filosofava como cristão num mundo cada vez menos cristão, no qual se difundia a convicção de que era impossível ensinar algo de certo sobre questões de fé. O que afasta Newman de seu tempo é o que mais o aproxima de quem interpreta o nosso tempo. A sua força reside no facto de que é através dele que chegamos a pensadores como Taylor, Lonergan, Polanyi, Gadamer, Ricoeur, Husserl e não vice-versa. Assim também chegamos a Edith Stein (1891-1942), que de Newman traduziu “The idea of a University” (A ideia de uma universidade) e uma série de cartas e partes dos diários anteriores à conversão (1923-1925).

No debate entre Newman e Stein, a referência atual é o volume “Maestri perché testimoni. Pensare il futuro con John Henry Newman ed Edith Stein” (Mestres porque testemunhas. Pensar o futuro com John Henry Newman ed Edith Stein) (Las-Lup, 2017, 393 pp.), que apresenta as atas da conferência internacional realizada nos dias 19 e 20 de janeiro de 2017 no Instituto Universitário Salesiano em Veneza, que contou com a presença de estudiosos de renome mundial como Ian Ker, Hanna-Barbara Gerl-Falkovitz, Angela Ales Bello e John F. Crosby.



Desde logo emerge a afinidade espiritual entre os dois, marcada pela dolorosa conversão ao catolicismo - um do anglicanismo, a outra do judaísmo -, o abandono da casa e do próprio povo para um destino desconhecido, motivado por uma «severa necessidade»



O livro, enriquecido pela intervenção dos reitores da Universidade Pontifícia Salesiana e da Pontifícia Universidade Pontifícia Lateranense, e particularmente rico em estímulos, tem a ambição de ser a primeira tentativa sistemática e cientificamente relevante de traçar uma pista de reflexão para aprofundar o diálogo ideal entre o beato inglês e a santa padroeira da Europa. E faz isso quer olhando para os pontos de contacto objetivos e documentados entre os dois, quer destacando diferenças, oferecendo ao leitor e ao estudioso instrumentos eficazes para refletir sobre os grandes problemas com os quais se compararam: a verdade, a relação entre fé e razão, a pessoa, a consciência, a transcendência, a educação.

Foi o padre jesuíta Erich Przywara (1889-1972) que promoveu o encontro de Stein com Newman, no contexto de uma série de iniciativas que, na Alemanha transtornada pela guerra, fizeram falar de uma "santa primavera católica". Desde logo emerge a afinidade espiritual entre os dois, marcada pela dolorosa conversão ao catolicismo - um do anglicanismo, a outra do judaísmo -, o abandono da casa e do próprio povo para um destino desconhecido, motivado por uma «severa necessidade». A motivar ambos está uma busca rigorosa e tenaz da verdade, a questão filosófica e religiosa fundamental, tanto intelectual como moral: para Stein, a «oração única», para Newman, a abertura do coração, se não do intelecto (Hanna -Barbara Gerl-Falkovitz).

Toda a pessoa está envolvida: no personalismo de Newman, de facto, combinam-se subjetividade e objetividade, coração e intelecto, experiência e verdade, a perspetiva da primeira e terceira pessoa, a visão do homem personalista e cosmológico, para usar categorias próprias da conceção de João Paulo II (John F. Crosby).



Para Newman, em relação à universidade, a Igreja é chamada a vigiar que seja sempre fiel à Verdade, da qual a consciência é um raio, muitas vezes obscurecido e confuso, no coração do homem



Nesta síntese encontramos uma das características de fundo da disposição filosófica de Newman, o pensar por polaridade: «Um aspecto da Revelação [cristã] não pode excluir outros ou obscurecer outro; o cristianismo é ao mesmo tempo um complexo de dogmas, um culto e uma doutrina ética; é esotérico e exotérico; é indulgência e rigor; é luz e sombra, é amor e é também medo». É notável que Stein reconheça com grande clareza esta característica da fé de Newman, tão semelhante à sua: rica da experiência do mundo, todavia baseada na modéstia e ascetismo, mesmo na aceitação profunda do insucesso exterior.

A sugestão de oposições polares também é reconhecida no carácter fenomenológico da filosofia de Stein. O que no cardeal inglês se configura como uma disposição interior, um modo de pensar pessoal, apresenta-se nela como um verdadeiro e próprio método, mudado e reelaborado a partir do mestre Husserl. Apesar das diferenças, no entanto é indubitável que ambos penetrem na profundidade mais escondida, mas decisiva e essencial, da pessoa: num o «abismo infinito da existência», na outra o «núcleo» da personalidade «alma da alma» (Angela Ales Bello).

A consciência é central para ambos, embora em formas diferentes: em sentido fenomenológico em Stein, «luz interior que ilumina o fluxo do viver», esclarecendo-o para o eu vivo; em sentido moral em Newman, como «eco da voz de Deus», «vigário de Cristo», também não privada de uma conotação fenomenológica. Em virtude do "sentir" de que a pessoa tem consciência, com efeito, a existência de si e a existência de Deus atestam-se como evidentes: o eu é testemunha de um outro que, à maneira de Santo Agostinho, o habita (Giovanni Solari).

Para Newman, em particular, em relação à universidade, a Igreja é chamada a vigiar que seja sempre fiel à Verdade, da qual a consciência é um raio, muitas vezes obscurecido e confuso, no coração do homem. Nela, a Igreja exerce uma função "maeêutica" [que ajuda a dar à luz], que insiste na abertura interior à Verdade, para que a pessoa humana possa testemunhá-la (Hermann Geissler). Na ideia de Newman trata-se de uma Igreja «muito carismática», via média entre clericalismo e laicismo, fiel ao Concílio Vaticano II e, ao mesmo tempo, à ideia de fundo do “Ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina cristã”: a Igreja muda para ser ela própria, não para ser diferente (Ian Ker).

É nesta Igreja que Newman e Stein amadureceram a altíssima e santa função de mestres no mundo: porque testemunhas.



 

Michele Marchetto
In "L’Osservatore Romano”
Trad.: SNPC
Publicado em 03.12.2017

 

 
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