«Crepuscular, nostálgico»: é nestes termos que o jornal do Vaticano, “L’Osservatore Romano” classifica hoje o mais recente disco de Bruce Springsteen, «inoxidável grande voz» da música norte-americana.
As histórias «mínimas, descarnadas, reduzidas aos elementos essenciais» do 19.º álbum do autor, “Western stars”, são cantadas num mundo «inatual, próximo da dissolvência», escreve Luca Miele.
«Estamos a anos-luz» do disco “The ghost of Tom Joad”, de 1955, onde compareciam «precisões, desenvolvimento narrativo, psicologias completas; aqui, os personagens são apenas esquissos».
O cenário é o Oeste, com «estradas, bares, solidões, motéis, arrependimento». «E sobretudo há o espaço. Porque, para evocar aquelas paragens, «o espaço é essencial, o espaço torna-se ele próprio narração».
Outro cliché do Oeste : «o movimento». «“A única coisa a fazer era andar”, diz o protagonista do mais famoso dos romances de Jack Kerouac, “On the road”. E as personagens de “Western stars” mais não fazem do que deslocar-se, viajar, conduzir, vagabundear, andar “à deriva de uma cidade para outra”. São “pedras rolantes”.»
As canções de Springsteen são revestidas de vestes «inéditas»: «Violinos, orquestras, arranjos que dilatam a trama musical, amplificam-na, tornam-na evocativa».
«“Western stars” abre com um homem que pede boleia (“Hitch hikin’), prossegue com um que vagabundeia (“The wayfarer”), com outro que espera a chegada de um comboio (“Tucson train”), outro, ainda, que conduz velozmente mas só para simulações (“Drive fast – The stuntman”), outro que está 2500 milhas distante do lugar onde queria estar (“Sundown”), e assim por diante.»
O artigo nota que na produção juvenil de Springsteen «a estrada era o lugar da redenção, e o movimento tinha uma valência salvífica, e se ao longo das pistas lampejava a possibilidade de agarrar o Paraíso, agora a estrada parece ter sido engolida pelo arrependimento».
Com efeito, «há um fio condutor que percorre todas as canções de “Western stars”: a perda. Um sobre todos, o homem de “Chasing wild horses”: «Apagar-te da minha mente/ é como seguir cavalos selvagens», é obrigado a reconhecer o eu narrador da faixa, pensando na mulher que perdeu.
«Como escreveu Jon Pareles no “New York Times: “O horizonte do Oeste marca o fim do extremo, onde as personagens de Springsteen se encontram sós com os seus arrependimentos”. E para Christopher Philips, do sítio “Backstreets”: “Podemos chamá-lo isolamento ou independência, solidão ou autossuficiência, é sempre o mesmo tema aquele que atravessa o novo trabalho de Springsteen. Homens sem nome, vagabundos, jogadores de jogos de azar, homens que abandonam, homens que são abandonados”.»
É um disco de «derrota e resgate, entre perda e desejo de voltar a tentar». «Há o homem de “There goes my miracle” que vê o seu “milagre” desvanecer, escapar-lhe das mãos. Há o homem de “Sundown” que trabalha no extremo do condado: o que o mantém em vida é a promessa sussurrada pela mulher amada (e longínqua). Há o protagonista de “The wayfarer” que vive com “um coração de pedra”. Há o homem de “Tucson train” que quer extinguir aquela “voz que o mantém acordado à noite” e sabe que “o trabalho duro limpará mente e coração/ o sol quente queimará a dor”. E o de “Stones”, derrotado pelas “pedras” da mentira. É um homem exausto de amar apenas “cidades solitárias” e “estradas vazias” o protagonista de “Hello sunshine”.»
«As estrelas do Oeste ainda brilham, mas são só fogos fátuos”, conclui o texto.