A artista plástica Lourdes Castro destacou a abertura da Igreja católica ao atribuir-lhe o Prémio Árvore da Vida - Padre Manuel Antunes, que vai ser entregue este sábado, em sessão de entrada livre que decorre na capela do Rato, em Lisboa, às 11h00.
Lourdes Castro encontra-se na capital para preparar a exposição "Todos os Livros", a inaugurar esta quinta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, com curadoria de Paulo Pires do Vale.
O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura acompanhou hoje a artista plástica pelo espaço expositivo, praticamente finalizado. O depoimento resulta da conversa que estabelecemos na última sala do percurso, onde são projetadas todas as páginas de todos os livros presentes na mostra.
Lourdes Castro
«O facto de a Igreja me dar este Prémio surpreendeu-me. Significa que ela é aberta. É muito importante essa abertura. Claro, nem todas as pessoas vão perceber, mas ninguém percebe tudo, e nós ainda estamos muito aquém. Mas acho que é um bom exemplo.
Tenho feito muita coisa, não confessional, e não tenho "parti pris" [preconceito] em relação a nada. As cerimónias religiosas são precisas, mas depois há outros olhares, outros pensamentos, outras maneiras de ver. Por vezes chegamos à nossa maneira de ser sem repudiar nada do que possa existir. É chegarmos a nós próprios com verdade.
Eu desenho sombras, mas o meu caminho podia ter sido outro. Há muitos caminhos, uns mais estreitos, outros mais abertos. Sabe, eu já ultrapassei a barreira do som, já pus tudo em questão. E depois, o que é que somos nós? Às vezes digo para mim própria: "Escolheste o sítio para nascer, não foi? E escolheste os teus pais? Também não escolheste a escola... O que é que tu és?". Às vezes as pessoas não pensam - só eu, eu, eu; mas não é; é que não é mesmo. Somos feitos de tantas coisas, tantas, tantas... E é isso que temos de perceber.
Lourdes Castro e Paulo Pires do Vale, curador da exposição "Todos os Livros" | SNPC/rjm | D.R.
Por exemplo, às vezes penso: "Fantástico como é eu sei alemão". Tinha quatro anos quando fui para a Escola Alemã. E é muito engraçado porque está tudo ligado, causas e efeitos, causas e efeitos, causas e efeitos. A minha avó teve um professor de piano que sabia alemão, e como ela era curiosa, aprendeu alemão ao mesmo tempo que aprendia piano. Mais tarde percebeu que os alemães tinham uma certa organização, e convenceu os meus pais que os pequenos tinham de ir para a Escola Alemã. E foi muito bom: pude aprender alemão a brincar - também estudei e trabalhei muito. Por vezes digo: aprendam línguas, é uma riqueza que não pesa nada.
Quando saímos de Portugal fomos primeiro para Munique; era mais fácil porque eu já sabia um bocadinho de alemão. Depois fomos para Paris. Entretanto estivemos em Berlim. É muito bom viajar, fazer turismo, ver coisas novas, mas estar no sítio, ver o dia a dia e as dificuldades, faz bem... Aprende-se muita coisa. Aprende-se com tudo. Aprender, aprender.
Não gosto de dar opiniões. Mas a uma criança pode ensinar-se, mostrar. Os livros, por exemplo, são para ver, para mostrar, para ler, para traduzir... Com uma pessoa já adulta, o que se pode fazer é só dar o exemplo; por isso é preciso ser-se muito exigente consigo próprio. Eu gosto de fazer o melhor que sei, mas há dias de chuva... Também gosto de chuva.
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"O anjo de Berlim" [cuja reprodução, ampliada, se encontra atrás do altar da capela do Rato] surgiu no Natal. Nós estávamos num prédio cheio de ateliês - que antes da II Guerra Mundial e do Muro de Berlim tinha sido um hospital -, voltado para uma grande praça. Na Alemanha têm o costume de pôr muitas luzes e colocar enfeites nas janelas, para as pessoas que passam na rua os verem. Então dissemos: "Temos de fazer qualquer coisa". E fizemos: um anjo, as asas, e depois o Manuel [Zimbro] lembrou-se de pôr uma luz. Quando começava a escurecer éramos sempre os primeiros a acender a luz! Escolhemos um anjo porque só um anjo é que podia estar assim à janela, só um anjo é que podia voar.
O espírito, a espiritualidade é o que se chama ao invisível. O transcendente é o invisível. Atrai-me. Ajuda-me muito. Quando o Manuel foi para o Céu, já foi há mais de dez anos, foi tão bom quando disse: "O Manuel está no invisível". Não é no céu, não é aqui nem acolá. Ajudou-me muito a pensar que ele está no invisível... O nome "invisível" é pouco; nem nome há.»
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Redação: Rui Jorge Martins