A santidade de Madre Teresa de Calcutá é a principal razão para ser declarada santa, no próximo domingo, mas esta canonização também tem algo a dizer a outros níveis: a misericórdia tornada prática, a defesa da fé face aos críticos e o papel da mulher na Igreja católica.
Quando Madre Teresa se tornar Santa Teresa de Calcutá, a 4 de setembro, 19 anos menos um dia após a sua morte (5 de setembro de 1997, aos 87 anos), espera-se que a celebração, no Vaticano, presidida pelo papa Francisco, seja o maior evento do Ano da Misericórdia. A sua beatificação, em 2003, atraiu cerca de 300 mil pessoas à praça de S. Pedro e imediações, e os organizadores antecipam que a afluência deste domingo seja maior.
Nos últimos dias é provável que tenhamos ouvido, mais do que uma vez, que Francisco está "a fazer" de Madre Teresa uma santa. Os teólogos dirão, porém, que nada está mais longe da verdade. A crença católica sustenta que se alguém é verdadeiramente santo, então já está no céu. Uma canonização é entendida como um reconhecimento do que já aconteceu.
Por outras palavras, a canonização não é para o santo, é para nós, que erguemos um novo modelo de santidade e uma nova amizade no céu, a quem toda a Igreja pode rezar. Vale também a pena relembrar que a santidade, pelo menos em teoria, é um dos processos mais democráticos na vida católica. É suposto começar com o que é tradicionalmente conhecido como "culto", ou seja, a devoção popular a uma dada figura que teve reputação de santidade. A declaração oficial ocorre só depois da investigação do candidato e, por fim, se todos os critérios estiverem preenchidos, for aplicado o selo de aprovação.
Com toda a honestidade, houve alguns poucos casos ao longo dos anos onde essa vontade popular é algo difícil de encontrar, mas não é definitivamente este o caso. Como João Paulo II, de quem a multidão gritava "Santo subito!" na missa do funeral, Madre Teresa foi uma santa nos corações da maior parte dos católicos muito antes de o seu nome ter entrado no cânone oficial.
Contudo, há três outros aspetos que se combinam para fazer da celebração um dos mais fascinantes e potencialmente influentes acontecimentos na vida católica recente.
Manual de como fazer misericórdia
A misericórdia é, no seu núcleo, uma virtude espiritual, mas o papa Francisco tem insistido ao longo deste Ano que, para ela ser sincera, deve ter uma expressão tangível em ações concretas de serviço. Na tradição cristã, os exemplos tornam-se presentes nas obras corporais de misericórdia, que incluem alimentar os esfomeados, dar abrigo aos sem-teto, visitar os doentes, e assim por diante.
Poucas figuras católicas alguma vez, e provavelmente nenhuma no seu tempo, ilustraram melhor esse impulso para a misericórdia concreta do que Madre Teresa, desde os centros para doentes com SIDA às casas de acolhimento para crianças perdidas e refugiados. Não houve virtualmente qualquer espécie de sofrimento humano a que ela não tivesse dado uma resposta prática.
Nesse sentido, Santa Teresa de Calcutá ficará para sempre como um "manual de como fazer misericórdia" em carne e sangue, uma espécie de guia do utilizador para o que a misericórdia é na prática. Daqui por diante Francisco não tem de oferecer qualquer explicação detalhada do que deseja que as pessoas façam; tudo o que tem de fazer é apontar para Madre Teresa e dizer: «Tenta ser como ela». Por outras palavras, é possível sustentar que o Ano da Misericórdia alcança o seu auge espiritual no próximo domingo.
Como veículo para a aplicação prática da misericórdia, Francisco apelou a todas as dioceses do mundo para lançarem uma nova iniciativa durante este Ano Santo, como uma clínica, escola ou hospital, para assegurar que o seu espírito continua após o encerramento formal do Jubileu, a 20 de novembro. Se os responsáveis diocesanos estão tentados a murmurar sobre a falta de tempo ou recursos, Madre Teresa também oferece outro valioso exemplo. Não é realmente necessário ter grandes bolsos para infraestruturas gigantes que respondam ao apelo, só a inabalável vontade de o tornar real.
Defesa da fé em ação
O bispo auxiliar de Los Angeles, Robert Barron, uma das figuras mais entendidas na paisagem católica americana no que diz respeito à fé na cultura secular, disse-me recentemente que acredita que um dos "evangelistas" mais efetivos das últimas décadas foi Christopher Hitchens, cuja agressiva argumentação a favor do ateísmo inspirou uma geração de novos e determinados discípulos.
Quando Hitchens começou a aparecer em debates públicos com líderes religiosos, referiu Barron, normalmente limpava-os todos: «Era como dá-los aos leões... ficavam completamente destruídos».
Porém Hitchens perdeu claramente pelo menos um dos seus principais argumentos, que foi a sua famosa tentativa, em 1995, de roubar a Madre Teresa a sua auréola com o polémico livro "A posição missionária".
Hitchens acusou Madre Teresa de uma variedade de duvidosas práticas morais, desde levar dinheiro de ditadores a gerir instalações médicas abaixo dos padrões. A sua objeção geral era de que Madre Teresa não estava realmente interessada em servir os pobres, mas em fazer propaganda das suas obscurantistas crenças católicas.
Foi um ataque devastador, talvez o melhor murro que uma crítica secular tenha acertado numa proeminente figura católica além do papa, e certamente voltará a estar em debate nestes dias que antecedem a canonização.
Contudo, no tribunal da opinião popular, Hitchens foi um fiasco. Em dezembro de 1999, no fim do século XX, a empresa de sondagens Gallup perguntou a norte-americanos qual a pessoa que mais admiravam nos últimos 100 anos. Madre Teresa surgiu destacadamente em primeiro lugar, com 49 por cento, seguindo-se Martin Luther King Jr., com 34 por cento.
Ironicamente, Madre Teresa prevaleceu sem que alguma vez tenha pronunciado uma palavra de refutação - o máximo que alguma vez falou sobre Hitchens foi «eu rezarei por ele». Na verdade, claro, ela não precisava de dizer nada, porque as pessoas viram toda a sua vida como uma refutação da crítica de Hitchens.
Mulheres na Igreja
Se alguém quisesse compor uma pequena lista das mais icónicas figuras católicas da segunda metade do século XX, em termos de personalidades mais faladas, celebradas, fotografadas, ímanes de multidões, capas de revistas, prémios, altas taxas de aprovação e assim por diante, há provavelmente três que se destacam: papa João XXIII, papa João Paulo II e Madre Teresa.
Os dois primeiros foram significativamente ajudados pelo facto de se terem tornado papas. Se Angelo Roncalli tivesse permanecido como patriarca de Veneza ou Karol Wojtyla como arcebispo de Cracóvia, é improvável que tivessem subido ao palco mundial como veio a suceder.
Madre Teresa, porém, fez tudo sem mais. O único cargo que alguma vez ocupou foi o de superiora das Missionárias da Caridade, congregação por ela fundada, dado que estava demasiado ocupada a servir os pobres.
O papa Francisco criou recentemente uma comissão para ponderar a ordenação diaconal de mulheres, levantando um tabu de longa data na discussão oficial de tal ideia. Ainda que ele tenha afastado a possibilidade da ordenação sacerdotal de mulheres, isso não afastou o debate sobre o assunto nos círculos católicos.
Os pronunciamentos oficiais podem dizer o que quiserem sobre a «complementaridade» e o sacerdócio como serviço, mas há algumas pessoas, incluindo dentro da Igreja, que nunca acreditarão que as mulheres no catolicismo sejam mais do que cidadãs de segunda classe enquanto estiverem excluídas da ordenação.
O que a Madre Teresa claramente ilustra, todavia, é que não é preciso um cabeção ou uma cruz peitoral para exercer influência na Igreja católica.
Ela foi uma mulher, afinal de contas, que não teve hesitações em dizer a bispos e padres o que fazer, e ao longo dos anos a maior parte deles fê-lo - não por causa da cadeia de comando, mas porque foram inspirados, e frequentemente até impressionados, pelo poder espiritual que ela libertava.
Quaisquer que forem os argumentos a favor das diaconisas que a nova comissão vier a considerar, há pelo menos um que podem afastar da mesa, que é o de que sem se tornarem parte do clero, as mulheres (ou os leigos em geral) não têm acesso à liderança.
Se alguém foi um modelo de líder católico de sucesso foi Madre Teresa. Como mais nova santa da Igreja, ela continuará sem dúvida a liderar num modo completamente novo.
John L. Allen Jr.