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Espiritualidade

Meditação: aprender a estar em silêncio

Precisamos de lançar um olhar mais atento ao tipo de silêncio que se requer para a meditação. Esta não é um tempo de palavras, por mais bela e sinceramente que elas se profiram. Todas as nossas palavras se revelam totalmente inúteis, quando penetramos na profunda e misteriosa comunhão com Deus, cuja Palavra própria está dentro de nós, antes e depois de todas as palavras. «Eu sou o Alfa e o Ómega», diz o Senhor.

Para entrarmos nesta comunhão sacrossanta e misteriosa com a Palavra de Deus que habita em nós, devemos, primeiro, ter a coragem de nos tornarmos cada vez mais silenciosos. Num silêncio profundo e criativo, encontramos Deus de um modo que transcende todos os nossos poderes de inteligência e linguagem. Temos todos a consciência básica de que não podemos apreender Deus pelo pensamento. O que o filósofo Alfred Whitehead referiu a propósito da investigação humana do tempo poderia aplicar-se igualmente ao pensamento humano sobre Deus. Escreveu ele: «E impossível meditar sobre o tempo e sobre o mistério da passagem criativa da natureza, sem uma emoção avassaladora das limitações da inteligência humana» (cfr. G.H. Whitrow, The Nature of Time, Penguin, 1975, p. 144).

A experiência desta «emoção avassaladora» perante as nossas próprias limitações leva-nos a um silêncio em que, mais do que pensar, temos de escutar, de concentrar-nos, de esperar. O mistério da nossa relação com Deus é um mistério que abarca um quadro tão amplo que só desenvolvendo a nossa capacidade para um silêncio profundamente respeitoso e reverenciai conseguiremos, alguma vez, apreciar inclusive uma fração da sua maravilha. Sabemos que Deus está intimamente connosco e, também, infinitamente para além de nós. Só através deste silêncio profundo e libertador podemos reconciliar as polaridades deste paradoxo misterioso. E a libertação que experimentamos na oração silenciosa é, de facto, a libertação dos efeitos inevitavelmente desfiguradores da linguagem, quando começamos a experienciar dentro de nós o domínio íntimo e transcendente de Deus. Quem quer que tenha experimentado esta ação libertadora do Espírito sabe exatamente o que S. Paulo quer dizer, quando escreve aos Romanos no capítulo 8: «Portanto, irmãos, somos devedores, mas não à carne, para vivermos de acordo com a carne.» (Rm 8,12). Afirma ainda, com a mesma admirável confiança, na sua Carta aos Colossenses no capítulo 1: «Foi Ele que nos libertou do poder das trevas e nos transferiu para o Reino do seu amado Filho» (Cl 1,13).

Porque este reino está estabelecido e presente dentro de nós é que nos podemos libertar das limitações da linguagem e do pensamento.

Talvez seja difícil a nossa tentativa de chegar a este silêncio. Será, quase de certeza, prolongada. Não se trata apenas de conservar mudas as nossas línguas, mas sobretudo de levar a cabo um estado de remanso desperto na nossa mente e no nosso coração - um estado de consciência pouco familiar à maioria dos Ocidentais. Tendemos a estar ou vigilantes ou descontraídos; raramente os dois estados se encontram combinados na maioria de nós. Mas, na meditação, chegamos a experienciar-nos a nós mesmos como ao mesmo tempo totalmente descontraídos e totalmente despertos. Esta quietude não é o sopor do sono, mas antes a quietude da concentração plenamente vigilante.

Se olhardes para um relojoeiro prestes a realizar um movimento ágil com um par de pequenas pinças, notareis quão sereno e comedido ele está, ao examinar o interior do relógio através da sua lupa. A sua quietude, porém, brota de uma concentração total, de uma séria absorção naquilo que está fazer. De modo semelhante, na meditação, o nosso sossego não é um estado de mera passividade, mas um estado de total abertura, de total vigilância à maravilha do nosso próprio ser, de abertura plena à maravilha de Deus, autor e sustentador do nosso ser, e uma consciência plena de que estamos unidos a Deus.

Eis aqui alguns conselhos muito simples e práticos. Para bem meditares, deves adotar uma posição sentada confortável; esta deve ser confortável e descontraída, mas não desleixada. As costas devem estar tão direitas quanto possível, com a coluna numa posição vertical. Os que possuem um bom grau de flexibilidade e agilidade podem sentar-se no chão, com as pernas cruzadas. Se te sentares numa cadeira, certifica-te de que ela é direita, com cómodos apoios para os braços. A tua respiração há de ser calma e regular. Deixa que todos os músculos no teu corpo se descontraiam. E, em seguida, põe a mente em sintonia com o corpo. As disposições interiores de que necessitas são uma mente calma e um espírito apaziguado, e é aqui que reside o desafio da meditação. É bastante fácil estar tranquilamente sentado, e devemos aprender a estar sentados com sossego, mas a verdadeira tarefa da meditação é alcançar a harmonia do corpo, da mente e do es­pírito. Eis o que pretendemos significar, ao falarmos da paz de Deus, de uma paz que ultrapassa todo o entendimento.

O místico indiano Sri Ramakrishna, que viveu em Bengal no século XIX, costumava descrever a mente como uma árvore robusta pejada de macacos, saltando todos de ramo em ramo e todos numa incessante agitação de barulho e movimento. Quando começamos a meditar, reconhecemos nisto uma descrição admiravelmente apropriada do constante rodopiar que ocorre na nossa mente. A oração não visa aumentar esta confusão, tentando silenciá-la e cobrindo-a com outro género de lengalenga. A tarefa da meditação é trazer toda esta mente convulsa e distraída à serenidade, ao silêncio e à concentração, pô-la justamente ao seu serviço. É o objetivo que o salmista nos propôs: «Parai! e sabei que eu sou Deus». Para alcançar este fito, usamos um dispositivo muito simples. S. Bento chamou para ele a atenção dos seus monges já no século VI, recomendando-lhes a leitura das Conferências de João Cassiano (Regra de S. Bento 42.6,13; 73.14).

Cassiano recomendava a todos os que queriam aprender a orar, e a orar continuamente, que recorressem a um pequeno verso e que o repetissem várias vezes. Na sua décima Conferência, recomenda este método da repetição simples e constante como o melhor meio de expulsar da nossa mente todas as distrações e a algazarra dos macacos, para que ela possa repousar em Deus (Cassiano, Conferência 10,10).

Quando li Cassiano a tal respeito, recordei-me imediatamente da oração que Jesus aprovou, quando nos fala do pecador que se postou ao fundo do templo e orava com uma simples frase: «Senhor, tem piedade de mim, que sou pecador! Senhor, tem piedade de mim, que sou pecador!» Regressou a casa «justificado», diz-nos Jesus, ao contrário do Fariseu, que se colocara à frente no templo em oração eloquente e sonora (Lc 18,9-14). O ensinamento de Cassiano sobre a oração baseia-se inteiramente nos Evangelhos: «Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.» (Mt 6,7-8).

 

John Main, OSB
In A palavra que leva ao silêncio, ed. Pedra Angular
18.07.12

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Foto © Stephen Tamiesie /Corbis




























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