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Não haverá novo modelo de desenvolvimento se não reaprendermos a apreciar a riqueza do pouco

Ainda que a nossa cultura, e talvez toda a cultura, associe os seus valores positivos a alguma forma de riqueza (material, espiritual, moral, afetiva…), na realidade também a pobreza tem os seus valores, as suas virtudes e igualmente a sua beleza.

O Ocidente, e de modo particular o capitalismo, construiu a sua civilização sobre a ideia de que muitas coisas são melhores que poucas, e que, por isso, a acumulação e o total de bens são parte essencial do bem-estar. O Oriente (pense-se na sabedoria de Gandhi) pensou de maneira diferente durante muito tempo, e acreditava que a felicidade consistiria na educação dos desejos, na aprendizagem da arte de desfrutar daquilo que já se tem, e de não cultivar a inveja e a raiva por quanto não se possui.

Mas não foram os valores do “pouco” que se tornaram os valores da economia capitalista, e ainda menos da pós-capitalista, na qual da soma passámos à multiplicação, numa voracidade insaciável que constrói o primeiro motor do nosso modelo de desenvolvimento; pensamos que o descontentamento está ligado a não se ter ainda o suficiente, afadigamo-nos para aumentar as coisas e para acumular, damo-nos conta depois que os bens ansiados não nos fazem felizes, mas pensamos que essa insatisfação se deve ao não possuirmos ainda o suficiente…

E assim o carrossel continua a girar, e o Produto Interno Bruto a crescer graças à nossa infelicidade e às muitas ilusões. É um jogo que avança há séculos, mas hoje o analfabetismo espiritual impede-nos de reconhecer a grande ilusão; apresentou-nos o jogo como a realidade, e nós acreditámos.



Há uma felicidade típica em saber que determinada coisa que possui é única, é rara; ao contrário, a grande ilusão do capitalismo é convencer-nos de que nada é único, nada é raro, tudo pode ser multiplicado ao infinito: é esta a sua promessa de vida eterna, das coisas, e quase também nossa.



Recordo-me muito bem da minha avó, porque teve o dom de uma vida longa, e eu o dom de a ter tudo comigo enquanto adulto. Era pobre, ainda que não indigente do necessário, era agricultora com sete filhas. Quando, em criança, eu ia às festas da sua terra, ela usava o vestino bonito dos dias especiais. Recordo que era sempre o mesmo, até porque só o usava poucas horas (para a missa, habitualmente), e depois voltava a ser guardado e cuidadosamente protegido dentro de um celofane com naftalina.

Mas aquela sua típica elegância, aquela maneira de vestir com uma dignidade diferente, aquele discrição natural, aquele misto de timidez e orgulho por vestir algo de belo, porque raro e cuidadosamente protegido, não o revi depois nos muitos vestidos das suas filhas e das suas netas (ainda que dignas e belíssimas, como ela). É a elegância do vestido único, muito semelhante à dos pássaros do céu, que vence a de Salomão e das suas mil indumentárias, que supera até a da rainha de Sabá, que deve ter sido realmente extraordinária.

Voltei a ver a elegância do vestido único nas minhas viagens ao Brasil, África, Ásia. Aí, encontrando homens pobres, e sobretudo mulheres pobres, revi o vestido da minha avó, e com ele voltei a ver a sua esplêndida dignidade. Faz parte da riqueza da pobreza saber valorizar e proteger as poucas coisas, uma proteção que valoriza e exalta esses bens.

Há uma felicidade típica em saber que determinada coisa que possui é única, é rara; ao contrário, a grande ilusão do capitalismo é convencer-nos de que nada é único, nada é raro, tudo pode ser multiplicado ao infinito: é esta a sua promessa de vida eterna, das coisas, e quase também nossa.

Se tivéssemos conservado os valores daquelas mulheres agricultoras do século passado, não teríamos certamente depredado o planeta. Não daremos vida a nenhum novo modelo de desenvolvimento se não reaprendermos a apreciar a riqueza do pouco.


 

Luigino Bruni
In Messaggero di sant'Antonio
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: iiievgeniy/Bigstock.com
Publicado em 21.01.2019

 

 
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