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Nos 60 anos da igreja de Santo António de Moscavide

Nos 60 anos da igreja de Santo António de Moscavide

Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins

A igreja paroquial de Santo António de Moscavide resulta de um gesto significativo e consciente, em prol da renovação da arquitetura religiosa, por parte do Cardeal Patriarca D. Manuel Gonçalves Cerejeira, que encomenda o projeto da igreja ao futuro seminarista e ainda estudante de arquitetura João Medeiros de Almeida, que solicita a colaboração do colega fundador do MRAR – Movimento de Renovação da Arte Religiosa e recém-licenciado arquiteto, António de Freitas Leal, para desenvolver o trabalho.

Esta escolha, que ocorreu em 1953 e daria origem a um edifício de rutura, único nas suas características na história da arquitetura religiosa portuguesa, é tanto mais significativa quando enquadrada na sequência de inaugurações que o Cardeal Patriarca vinha fazendo das conhecidas igrejas revivalistas de Lisboa – Santo Condestável (14 de agosto de 1951) e São João de Brito (2 de outubro de 1955), ambas do arquiteto Vasco Regaleira, e São João de Deus (8 de março de 1953) do arquiteto António Lino.



Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins

Por indicação do Cardeal Patriarca, no início da década de 1950, João de Almeida viajou para Paris a fim de estagiar com os padres dominicanos Marie-Alain Couturier e Pie-Raymond Régamey, diretores da famosa revista Art Sacré, e depois para a Suiça, onde trabalhou proximamente com o arquiteto Hermann Baur, grande construtor de igrejas no centro da Europa. Daqui traz ele todas as bases conceptuais que formam a igreja de Moscavide, com um especial relevo para a igreja de Todos os Santos, em Basileia, de 1951, na qual trabalhou.

Como consequência, a igreja de Santo António surge como um edifício vinculado ao estilo moderno e essencialmente funcionalista, extremamente sóbrio e recusando qualquer tipo de monumentalidade, numa atitude de grande humildade no que se refere à sua integração urbana.

O seu elemento mais destacado, a torre sineira, equipada com um carrilhão de sete sinos, implanta-se isoladamente a alguns metros da fachada da igreja, numa solução que se recorda então, não ser de modo algum novidade, por fazer parte da rica tradição da arquitetura religiosa cristã.



Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins

Quanto ao volume da igreja, de marcada influência da arquitetura Suiça Alemã, traduz exteriormente a caracterização litúrgica do espaço interno, procurando simultaneamente responder às exigências da arquitetura meridional no respeitante às aberturas, cor e proporções.

A fachada, que transcreve o desenho das duas águas da cobertura, encontra-se balançada sobre o nível da entrada, correspondendo ao recuo da tribuna-balcão. Este alçado é forrado por um painel de azulejos policromados, não figurativo, da autoria de Manuel Cargaleiro, muito elogiado na época por conseguir «tirar um efeito surpreendente de cores e matéria rica, mostrando deste modo a possibilidade que grandes painéis de azulejo oferecem quando integrados em exteriores de arquitetura moderna, o que, para nós, tem um significado especial, porquanto se retoma uma tradição antiga com fortes raízes em Portugal».

Os restantes panos exteriores são caracterizados pelo contraste acentuado dos revestimentos aplicados, cor branca da tinta-de-água aplicada sobre os elementos estruturais de betão armado, num plano mais recuado que o dos enchimentos, em cavanite cinzenta clara, em perfeita coerência com o princípio seguido pelos autores de lutar pela verdade e autenticidade dos materiais e técnicas construtivas, sem mascaradas nem falsidades.



Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins

A entrada na igreja efetua-se por um pórtico composto por três portas, uma central e principal, e duas laterais. Diante destas, já no interior, encontram-se duas esguias, mas bem proporcionadas pias de água benta em granito negro, soltas da parede, enquadradas pela luz coada que penetra das frestas existentes no embasamento da fachada.

A zona de receção caracteriza-se como um espaço de transição, tensamente marcado pela reduzida altura a que se encontra a superfície inferior da tribuna-balcão, que em plano inclinado, permite o acolhimento de uma centena de fiéis em boas condições de visibilidade. Na parede de fundo da tribuna-balcão, dezenas de pequenos orifícios que intercalam com o painel cerâmico da fachada, trazem para o interior uma luz suave e coada, grande responsável pelo ambiente harmonioso do interior da igreja.

Esta zona é também espaço de contenção de enquadramento do batistério, numa localização que não foi óbvia para os próprios autores, mas que se justificou por ser o sacramento do batismo a porta de entrada na Igreja. A pia batismal, de granito rosado e cercada por uma grade baixa e muito simples, encontra-se alinhada com o eixo da nave e com o altar, constituindo ponto de partida físico e sacramental do percurso dos fiéis até à mesa da comunhão.



Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins

Transposta a tribuna, descobre-se um interior litúrgico com uma conceção inteiramente nova nos jogos dos espaços e da luz, orientado para uma valorização do altar, sendo o primeiro exemplar em Portugal a fazer uso de uma nova tipologia do espaço litúrgico, antes ensaiada na Alemanha, que privilegia a funcionalidade e a proximidade entre os fiéis e o altar.

O altar, centro da igreja, pela intensidade plástica exponenciada com a presença do baldaquino, pela maior concentração luminosa conseguida através da iluminação zenital, pela ligeira sobreelevação do presbitério relativamente às naves circundantes, adquire indiscutivelmente uma posição de relevo e destaque.

Localizado com bastante afastamento da grande parede de fundo apenas forrada a pedra cinzenta sem retábulo ou outros elementos, o altar é abordado pelos fiéis por três lados, aproximando-se destes e chamando-os à participação, para o que contribuía a redução da balaustrada da comunhão a uma simples estrutura em alumínio dourado, eliminando-se ao máximo possível as barreiras entre o altar e os fiéis.



Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins

A área litúrgica propriamente dita organiza-se então de um modo cruciforme, distribuindo a assembleia pela nave central e os dois braços do transepto. Do lado direito, a nave comunica diretamente com a capela lateral, de reduzido pé-direito, favorecendo uma atmosfera recolhida, adequada à oração privada e à adoração do Santíssimo Sacramento presente no sacrário aqui localizado.

A iconografia reduz-se ao indispensável, de modo a evitar o tradicional excesso de estímulos visuais e consequente desconcentração dos fiéis.

Como indispensável elemento de equilíbrio da composição do presbitério, surge suspenso o baldaquino de cores fortes, contrastando com a superfície neutra do fundo. Da autoria do pintor José Escada, representa a mão direita de Deus, tema recorrente da tradição cristã e mormente da medieval. Este autor realizaria ainda o único vitral existente nesta igreja, na capela lateral, segundo um desenho abstrato intitulado “Estrela da Manhã”.



Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins

Junto ao presbitério, no lado do Evangelho, encontra-se a imagem em gesso de Santo António, do escultor Lagoa Henriques, que interpretou o patrono da igreja em volumes fortes e sóbrios. Do mesmo autor é o crucifixo do altar-mor, em bronze, que repete o modelo que tinha realizado poucos anos antes para a capela do Cemitério da Nossa Senhora das Angústias, no Funchal.

Na capela secundária existe um outro crucifixo, do escultor Hélder Batista. De Graziela Albino é a porta do Sacrário e do próprio João de Almeida, o Sacrário e os castiçais. A paramentaria ficou a cargo de Madalena Cabral, membro destacado do MRAR – Movimento de Renovação da Arte Religiosa e profunda conhecedora da história e atualidade da temática.

Na igreja de Santo António de Moscavide, tudo foi novo, tudo foi objeto de uma renovação profunda. A arquitetura, a arte e a liturgia. Mas como defenderam os arquitetos, se havia rutura era com os modelos falsos que se vinham copiando, pelo que o que esta igreja fez foi recuperar o modo de ser e de estar posto em prática ao longo de séculos e de estilos na construção de igrejas. Tratou-se, portanto, de uma tentativa de voltar a integrar a arquitetura religiosa na verdadeira corrente de uma tradição milenar, que andava desfigurada.



Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins

O resultado final foi uma igreja polémica, com tantos defensores como opositores. Várias pessoas iam propositadamente de Lisboa para lá rezar, e seminaristas como Henrique de Noronha Galvão ou João Andrade Peres pediam para ser ali ordenados, preferindo Santo António de Moscavide à Sé Patriarcal de Lisboa. Não mais se poderia negar o vento novo que soprava no ar, nem o Espírito renascido que levaria a Igreja ao Concílio. Os umbrais da renovação estavam levantados.

 

A primeira pedra da igreja de Santo António de Moscavide foi lançada em 1955, a 13 de junho, dia em que os católicos evoca Santo António, e a sua inauguração realizou-se a 9 de dezembro de 1956.



Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins




Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins




Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins




Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins




Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins




Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins




Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins




Imagem Igreja de Santo António de Moscavide | Fotografia: Rui Jorge Martins.

 

João Alves da Cunha
Arquiteto, membro do Grupo de Arquitetura do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
In "Didaskalia", 40, 2010
Publicado em 07.07.2016 | Atualizado em 29.07.2024

 

 
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