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O padre é um «servo da vida» que «caminha com o coração e o passo dos pobres», diz papa

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O padre é um «servo da vida» que «caminha com o coração e o passo dos pobres», diz papa

O Reino de Deus é a alegria do sacerdote, mesmo sabendo que nunca lhe vão agradecer o ter dado sem medida a sua vida, afirmou hoje o papa ao abrir os trabalhos da assembleia plenária dos bispos de Itália.

O padre, sublinhou Francisco, «sabe que o amor é tudo», pelo que «não procura seguranças terrenas ou títulos honoríficos», e como está consciente de ser «um paralítico curado», distancia-se «da frieza do rigorista».

Excertos da intervenção:

«Esta noite não desejo oferecer-vos uma reflexão sistemática sobre a figura do sacerdote. Tentemos, antes, inverter a perspetiva e colocarmo-nos à escuta, em contemplação. Aproximemo-nos, quase em bicos dos pés, de algum dos muitos párocos que se gastam nas nossas comunidades; deixemos que o rosto de um deles passe diante dos olhos do nosso coração, e perguntemo-nos com simplicidade: o que é que dá sabor à vida? Por quem e por que coisa dá o melhor do seu serviço? Qual é a razão última do seu dar-se? (...)

1.
Que coisa, então, dá sabor à vida do "nosso" presbítero? O contexto cultural é muito diferente daquele em que deu os primeiros passos no ministério. (...)

Nós, que muitas vezes nos encontramos a deplorar este tempo com tom amargo e acusatório, devemos também dar-nos conta da sua dureza: no nosso ministério, quantas pessoas encontramos que vivem angustiadas pela falta de referências para quem olhar. Quantas relações feridas. Num mundo em que cada um se pensa como a medida de tudo, já não há lugar para o irmão.

Perante este cenário, a vida do nosso presbítero torna-se eloquente porque é diferente, alternativa. Como Moisés, ele é alguém que se aproximou do fogo e deixou que as chamas queimassem as suas ambições de carreira e poder. Incendiou também a tentação de interpretar-se como um "devoto", que se refugia num intimismo religioso que de espiritual tem bem pouco.

Está descalço, o nosso padre, em relação a uma terra que se obstina a crer e considerar santa. Não se escandaliza pela fragilidade que sacode a alma humana: consciente de ser ele próprio um paralítico curado, é distante da frieza do rigorista, como também da superficialidade de quem quer mostrar-se condescendente a baixo preço. Aceita suportar as responsabilidades, sentindo-se participante e responsável pelo seu destino.

Com o óleo da esperança e da consolação, faz-se próximo de cada um, atento a partilhar o abandono e o sofrimento. Tendo aceitado não dispor de si, não tem uma agenda a defender, mas entrega a cada manhã ao Senhor o seu tempo para se deixar encontrar pelas pessoas e fazer-se encontro. Assim, o nosso sacerdote não é um burocrata ou um anónimo funcionário da instituição; não está consagrado a um papel de empregado nem é movido por critérios de eficiência.

Sabe que o amor é tudo. Não procura seguranças terrenas ou títulos honoríficos, que levam a confiar no homem; no ministério não pede para si nada que vá além da sua real necessidade, nem está preocupado em amarrar a si as pessoas que lhes são confiadas. O seu estilo de vida simples e essencial, sempre disponível, apresenta-o credível aos olhos das pessoas e aproxima-o dos humildes (...).

Servo da vida, caminha com o coração e o passo dos pobres; tornou-se rico por os frequentar. É um homem de paz e de reconciliação, um sinal e um instrumento da ternura de Deus, atento a espalhar o bem com a mesma paixão com que outros tratam dos seus interesses.

O segredo do nosso presbítero - vós o sabeis bem - está naquela sarça-ardente que lhe marca a fogo a existência, a conquista e a conforma à de Jesus Cristo, verdade definitiva da sua vida. É a relação com Ele a protegê-lo, tornando-o estranho à mundanidade espiritual que corrompe, como também a todo o compromisso e mesquinhez. É a amizade com o seu Senhor a levá-lo a abraçar a realidade quotidiana com a confiança de quem crê que a impossibilidade do homem não permanece como tal para Deus.

2.
Torna-se assim mais imediato enfrentar também a outra pergunta de que partimos. Para quem dá o melhor do seu serviço o nosso presbítero. A pergunta talvez precise de ser mais precisa. Com efeito, ainda antes de nos interrogarmos sobre os destinatários do seu serviço, devemos reconhecer que o presbítero o é na medida em que se sente participante da Igreja, de uma comunidade concreta da qual partilha o caminho. O povo fiel de Deus permanece o ventre de onde ele foi tirado, a família em que está envolvido, a casa a que é enviado.

Esta pertença comum, que brota do Batismo, é a respiração que liberta de uma autorreferencialidade que isola e aprisiona: «Quando o teu batel começar a criar raízes na estagnação do cais - recordava D. Helder Câmara -, faz-te ao largo!». Parte! E, acima de tudo, não porque tens uma missão a cumprir, mas porque estruturalmente és um missionário: no encontro com Jesus experimentas a plenitude da vida e, por isso, desejas com todas as forças de ti próprio que outros se reconheçam nEle e possam guardar a sua amizade, alimentar-se da sua Palavra e celebrá-lo na comunidade.

Aquele que vive para o Evangelho, entra assim numa partilha virtuosa: o pastor é convertido e confirmado pela fé simples do povo santo de Deus, com o qual trabalha e em cujo coração vive. Esta pertença é o sal da vida do presbítero; faz, assim, com que o seu traço distintivo seja a comunhão, vivida com os leigos em relações que sabem valorizar a participação de cada um. Neste tempo pobre de amizade social, a nossa primeira função é a de construir comunidade; a atitude face à relação é, por isso, um critério decisivo de discernimento vocacional.

Do mesmo modo, para um sacerdote é vital encontrar-se no cenáculo do presbitério. Esta experiência, quando não é vivida de maneira ocasional, nem por causa de uma colaboração instrumental, liberta dos narcisismos e dos ciúmes clericais; faz crescer a estima, o apoio e a benevolência recíproca; favorece uma comunhão não só sacramental ou jurídica, mas fraterna e concreta. No caminhar juntos dos presbíteros, diferentes pela idade e sensibilidade, espalha-se um perfume de profecia que maravilha e fascina. A comunhão é, realmente, um dos nomes da Misericórdia. (...)

Numa visão evangélica, evitai sobrecarregar-vos numa pastoral de conservação, que é um obstáculo à abertura à perene novidade do Espírito. Mantende apenas aquilo que pode servir para a experiência de fé e de caridade do povo de Deus.

3.
Por fim, somos interrogados sobre a razão última da doação do nosso presbítero. Quanta tristeza suscitam aqueles que na vida estão sempre a metade, de pé levantado. Calculam, avaliam, não arriscam nada por medo de se perderem... São os mais infelizes. O nosso presbítero, ao contrário, com os seus limites, é alguém que se joga até ao fim: nas condições concretas em que a vida e o ministério o colocaram, oferece-se com gratuidade, com humildade e alegria. Mesmo quando ninguém se parece dar conta. Mesmo quando intui que, humanamente, talvez ninguém lho agradecerá na medida do seu dar-se sem medida.

Mas - ele sabe-o - não poderia fazer doutra maneira: ama a terra, que reconhece visitada cada manhã pela presença de Deus. É homem da Páscoa, do olhar voltado para o Reino, para o qual sente que a história humana caminha, não obstante os atrasos, a obscuridade e as contradições. O Reino - a visão que Deus tem do homem - é a sua alegria, o horizonte que lhe permite relativizar o resto, de diluir preocupações e ansiedade, de permanecer livre das ilusões e do pessimismo; de guardar no coração a paz e de a difundir com os seus gestos, as suas palavras, as suas atitudes.»

E agora, um excerto do texto do arcebispo brasileiro D. Helder Câmara (1909-1999) que Francisco citou:

«Quando o teu batel
ancorado há muito tempo no porto,
te deixar a impressão enganosa
de ser uma casa,
quando o teu batel
começar a criar raízes
na estagnação do cais,
faz-te ao largo.

É preciso salvar a qualquer preço
a alma viajante de teu batel
e a tua alma de peregrino.

E parte...
Partir é antes de tudo partir de si.
romper aquela crosta de egoísmo
que tende a aprisionar-nos
no próprio eu.

Partir é não deixar-se fechar
nos estreitos problemas
do pequeno mundo a que pertencemos.

Qualquer que seja a importância
do nosso pequeno mundo,
a humanidade é maior
e é só ela que devemos partir.

Partir: não devorar quilómetros
atravessar mares, voar
a velocidades supersónicas.

Partir é antes de tudo abrir-se aos outros,
descobri-los, ir ao seu encontro.

Partir é abrir-nos às ideias,
mesmo aquelas contrárias às nossas.

Significa pôr-se em marcha
e ajudar os outros a começar
a mesma marcha para construir
um mundo mais justo e mais humano.»

 

Rui Jorge Martins
Publicado em 16.05.2016 | Atualizado em 21.04.2023

 

 
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A vida do nosso presbítero torna-se eloquente porque é diferente, alternativa. Como Moisés, ele é alguém que se aproximou do fogo e deixou que as chamas queimassem as suas ambições de carreira e poder. Incendiou também a tentação de interpretar-se como um "devoto", que se refugia num intimismo religioso que de espiritual tem bem pouco
Com o óleo da esperança e da consolação, faz-se próximo de cada um, atento a partilhar o abandono e o sofrimento. Tendo aceitado não dispor de si, não tem uma agenda a defender, mas entrega a cada manhã ao Senhor o seu tempo para se deixar encontrar pelas pessoas e fazer-se encontro
É um homem de paz e de reconciliação, um sinal e um instrumento da ternura de Deus, atento a espalhar o bem com a mesma paixão com que outros tratam dos seus interesses
«Quando o teu batel começar a criar raízes na estagnação do cais - recordava D. Helder Câmara -, faz-te ao largo!». Parte! E, acima de tudo, não porque tens uma missão a cumprir, mas porque estruturalmente és um missionário
Aquele que vive para o Evangelho, entra assim numa partilha virtuosa: o pastor é convertido e confirmado pela fé simples do povo santo de Deus, com o qual trabalha e em cujo coração vive. Esta pertença é o sal da vida do presbítero
Quanta tristeza suscitam aqueles que na vida estão sempre a metade, de pé levantado. Calculam, avaliam, não arriscam nada por medo de se perderem... São os mais infelizes
Ama a terra, que reconhece visitada cada manhã pela presença de Deus. É homem da Páscoa, do olhar voltado para o Reino, para o qual sente que a história humana caminha, não obstante os atrasos, a obscuridade e as contradições
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