«Continua em Portugal a ideia de que o católico na Igreja está infetado por uma fé dogmática, imóvel e incapaz de pensamento aberto e crítico», observa o P. Anselmo Borges na coluna que assina semanalmente na edição digital do “Diário de Notícias”.
O professor da Universidade de Coimbra recorda «as feridas deixadas pela Inquisição, que tolheu a abertura do pensar» e o «clero frequentemente inculto, que se deixou ultrapassar pelo mundo moderno - ouça-se as homilias de grande parte dos padres, impreparadas, inúteis ou mesmo prejudiciais».
O passado e o presente assinalados no parágrafo anterior resultam na «convicção de que a Igreja se imobilizou num mundo do dogma repetitivo de uma doutrina que já não é aliciante para a vida e que, pelo contrário, transformou o Evangelho, notícia boa e felicitante, em Disangelho, notícia infeliz e de desgraça».
O artigo cita o jesuíta Jorge Costadoat quando defende que «a distância da Igreja em relação à cultura - a cultura predominante e as diversas culturas - é crescente», porque a «atual configuração histórica e cultural da Igreja não suporta tantas e tão aceleradas mudanças», diagnóstico que já vem de há 50 anos, do concílio Vaticano II.
Sem uma teologia que «atenda também à pluralidade cultural, a proposta evangelizadora está a naufragar», aponta o religioso da Companhia de Jesus, acrescentando o P. Anselmo Borges que o papa Francisco «tem dado o exemplo», não só porque «não condenou teólogos como pede pensamento teológico novo na liberdade de pensar e de expressão».
Além de renovar o pensamento e o discurso, a Igreja deve ser capaz de acolher a diversidade de opiniões: «Kant tinha razão ao escrever que a religião, apesar da sua majestade, não pode ficar imune à crítica. Só uma Igreja autocrítica e que acolhe a crítica da sua realidade tantas vezes tenebrosa pode criticar as infâmias do mundo».
Para o cronista, «os dois princípios que têm de animar os católicos, começando por aqueles a quem foi entregue a missão de presidir à Igreja», são «o Amor, a Bondade, e a Razão, a Inteligência». E explica: «A bondade sem inteligência não abre caminhos novos e pode causar imensos estragos irreparáveis; a inteligência sem a bondade pode tornar-se cruel e fazer um sem número de vítimas».
«A Igreja tem de dialogar com humildade e sem medo com as ciências, com todos, incluindo os agnósticos e os ateus», frisa o sacerdote.