O primeiro Evangelho é o da Vida
«O ser espiritual comunica-se numa língua e não através de uma língua. A questão, “o que é que a língua comunica?”, deve ter por resposta: cada língua comunica-se a si mesma». Esta asserção do filósofo Walter Benjamin encontra em Jesus uma concretização inaudita. De facto, a filiação divina revelou-se num ‘pathos’ humano concreto, que não deve ficar na sombra. A maneira como Jesus actuava, a importância que dava à hospitalidade e aos encontros, a força simbólica que atribuía ao espaço, a narrativa do seu olhar, a estratégia do seu silêncio e da sua oralidade são chaves indispensáveis de acesso à Sua Boa-Nova. De forma muito incisiva se constata que o Evangelho da Vida que Jesus revela não é imediatamente uma doutrina, mas é declaradamente uma experiência. O modo como Ele viveu e fez outros viver faz-nos “ouvir”, faz-nos “ver com os nossos olhos”, faz-nos “contemplar e tocar com as nossas mãos” o Verbo da Vida (1Jo 1,1).
O ministério de Jesus visa tocar e reconstruir a vida no seu nível mais profundo e global. Mesmo se os relatos evangélicos surgem pontuados por curas e acções miraculosas no domínio da saúde, o programa messiânico de Jesus é bem mais alargado e não se confunde com o desenvolvimento de uma ciência terapêutica. Os circunstancialismos em que os vários sujeitos aparecem mergulhados são antes vistos, por Jesus, como a possibilidade de acudir à vida na sua acuidade histórica mais dramática, mas também mais total, mostrando a cada homem e a cada mulher no que a existência se torna quando a realidade do Reino a atravessa. Não se aborda, por exemplo, a doença e o sofrimento numa perspectiva de causalidade, mas sempre num desígnio que sonda e se abre a novos fins. Os obstáculos à vida não são explicados ou dissolvidos pela afirmação de uma racionalidade. São antes transfigurados pela manifestação de ordem messiânica que eles provocam. É impossível descrever a verdade de Jesus sem se deter longamente no significado incalculável do sintagma joanino: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10,10).
Jesus de Nazareth inaugura o definitivo Evangelho do Deus da vida, do Deus que ama e protege a vida, do Deus que a relança constantemente e a revivifica.
P. José Tolentino Mendonça
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