Vemos, ouvimos e lemos
Paisagens
Pedras angulares A teologia visual da belezaQuem somosIgreja e CulturaPastoral da Cultura em movimentoImpressão digitalVemos, ouvimos e lemosPerspetivasConcílio Vaticano II - 50 anosBrevesAgenda VídeosLigaçõesArquivo

Leitura

Pré-publicação: "Paciência com Deus"

Revelamos seguidamente alguns excertos de "Paciência com Deus", de Tomáš Halik, padre e académico checo, livro que é lançado a 18 de fevereiro em Portugal pela editora Paulinas.

...

Concordo com os ateus em muitas coisas, muitas vezes em quase tudo… exceto no que diz respeito à sua não crença de que Deus existe. Perante o bulício mercantil de artigos religiosos de todo o género, eu, com a minha fé cristã, por vezes, sinto-me mais próximo dos céticos, dos ateus, dos agnósticos, críticos da religião. Com certo tipo de ateus partilho um sentimento de ausência de Deus no mundo. Contudo, considero a sua interpretação de tal sentimento demasiado precipitada, como que uma expressão de impaciência.

...

Há poucas coisas que apontem para Deus e apelem tão instantemente a Deus como a experiência da sua ausência. Essa experiência é capaz de levar alguns a «acusar Deus» e, eventualmente, a rejeitar a fé. No entanto, existem muitas outras interpretações dessa ausência, de modo particular na tradição mística, e outras formas de reconciliação com ela. Sem a dolorosa experiência de um «mundo sem Deus», é difícil para nós apreender o sentido da busca religiosa, bem como de tudo o que queremos dizer acerca da «paciência com Deus» e dos seus três aspetos: fé, esperança e amor.

...

Estou convencido de que uma fé madura deve incorporar essas experiências, a que alguns chamam «a morte de Deus» ou – de forma menos dramática – o silêncio de Deus, embora seja necessário sujeitar essas experiências a uma reflexão interior, além de se lhes submeter e de as ultrapassar com sinceridade e não de uma forma superficial ou fácil. Não pretendo dizer aos ateus que eles estão errados, mas que têm falta de paciência.

...

Se a nossa relação com Deus se baseasse apenas na convicção de que Ele existe, que pode ser adquirida de forma indolor através de uma avaliação emocional da harmonia do mundo ou de um cálculo racional de uma cadeia universal de causas e efeitos, não corresponderia àquilo que eu tenho em mente quando falo de fé.

...

Naquela manhã invernosa, não era para a igreja nem para a universidade que eu me dirigia, mas para o edifício do parlamento. Entre as novidades daquela época, contava-se o costume, estabelecido vários anos antes, de convidar um membro do clero ao parlamento, uma vez por ano, imediatamente antes do Natal, para dirigir uma breve alocução… (...)

Concluí a alocução que dirigi aos deputados e senadores – a maior parte dos quais, provavelmente, nunca teriam tido uma Bíblia nas mãos – com uma referência à cena do Evangelho de Lucas, em que Jesus atravessa a multidão, em Jericó, e se dirige inesperadamente a um chefe dos cobradores de impostos, que o observa às ocultas por entre os ramos de uma figueira... (...)

Zaqueu poderá parecer a alguns um incorrigível individualista, um «marginal»; ali onde as outras pessoas se mostram imediatamente dispostas a alinhar em fileiras entusiásticas ou furiosas, ele procura instintivamente um esconderijo entre os ramos de uma figueira. Não o faz por orgulho, como poderia parecer; afinal, está bem ciente da sua «pequena estatura» e das suas grandes faltas, das suas lacunas em relação a postulados e desafios absolutos…

Há muitos Zaqueus entre nós. O destino do nosso mundo, da nossa Igreja e da sociedade depende – mais do que estamos dispostos a admitir –, até que ponto esses Zaqueus serão seduzidos ou não.

...

Sinto que o meu principal objetivo é ser um vizinho compreensivo para aqueles a quem parece impossível unirem-se às multidões exultantes sob as bandeiras desfraldadas de qualquer cor, para aqueles que se mantêm à distância.

Eu gosto dos Zaqueus. Penso que recebi o dom de compreendê-los. As pessoas interpretam, com frequência, a distância que os Zaqueus mantêm como uma expressão da sua «superioridade», mas não me parece que tenham razão – as coisas não são assim tão simples. Tenho visto, pela minha experiência, que é antes consequência da sua timidez. Em certos casos, a razão para a sua aversão às multidões, de modo particular às que usam slogans e estandartes, é por suspeitarem que a verdade é demasiado frágil para ser cantada na rua.

...

Talvez tenha chegado o momento de abandonarmos grande parte do «vocabulário piedoso» que utilizamos no nosso discurso e nos nossos estandartes, que perdeu o seu verdadeiro significado para nós, devido ao seu uso constante e muitas vezes descuidado. Algumas das nossas piedosas expressões já se transformaram num «tambor rebentado», deixando de ser capazes de cantar os louvores de Deus.

...

No seu best seller, What Jesus Meant, Garry Wills tem toda a razão ao descrever Jesus como um adversário explícito da «religião da elite do templo» e ao interpretar no mesmo tom, não só a cena bem conhecida de Jesus e dos cambistas, mas também várias outras passagens dos Evangelhos, incluindo a maldição da figueira estéril e a sua declaração subsequente de que «este monte» – o Monte do Templo! – podia ser levantado e lançado ao mar pela fé dos seus discípulos.

Não é coincidência que essa passagem termine com a promessa de que as orações serão ouvidas: a fé e a oração são as únicas coisas necessárias para comunicar com Deus; as ofertas no templo já não são necessárias. De forma muito semelhante, Jesus diz à samaritana que chega a hora em que já não serão necessários templos, nem o de Jerusalém, nem o da Samaria – o Monte Garizim –, porque os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade.

...

Enquanto eu meditava sobre o encontro de Jesus com Zaqueu e com os inúmeros outros exemplos do seu «interesse prioritário pelas pessoas situadas nas franjas», impressionou-me que talvez hoje seja necessária qualquer coisa extra para seguirmos plenamente as pegadas de Cristo: um interesse ou, melhor ainda, um interesse prioritário pelas pessoas situadas nas franjas da fé, aquelas que permanecem na antecâmara da Igreja, se realmente chegarem a aproximar-se tanto dela. Trata-se de um interesse pelas pessoas situadas na «zona cinzenta» entre a certeza religiosa e o ateísmo, um interesse pelos que duvidam e pelos que procuram.

 

Tomáš Halik
In Paciência com Deus, ed. Paulinas
© SNPC | 05.02.13

Redes sociais, e-mail, imprimir

Capa

Paciência com Deus

Autor
Tomáš Halik

Editora
Paulinas

Ano
2013

Páginas
288

Preço
14,90 €

ISBN
978-989-673-285-1


 

 

 

Página anteriorTopo da página

 


 

Subscreva


Siga-nos no Facebook

 


 

 


 

 

Secções do site


 

Procurar e encontrar


 

 

Página anteriorTopo da página

 

 

 

2012: Nuno Teotónio Pereira. Conheça os distinguidos das edições anteriores.
Leia a última edição do Observatório da Cultura e os números anteriores.