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Pré-publicação: "Paciência com Deus" (2)

Apresentamos seguidamente a segunda parte de excertos de "Paciência com Deus", de Tomáš Halik, padre e académico checo, livro que é lançado a 18 de fevereiro em Portugal pela editora Paulinas.

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Assim como a Igreja deve libertar-se não só dos sinais exteriores de triunfalismo barroco – como recomendou o último Concílio – mas, acima de tudo, do triunfalismo monopolista de ser o único repositório da verdade. Também me parece útil ou até essencial, no tempo presente, em que vários tipos de religiosidade comercial oferecem os seus produtos de forma tão atraente, tomar a sério o facto de que Deus não está assim tão «facilmente apreensível».

Deus é mistério: deveria ser esta a primeira e a última frase de qualquer teologia. Sempre que nós escrevemos ou dizemos alguma coisa acerca de Deus, cada uma das nossas frases deveria ser acompanhada por dois anjos a gritar «Mistério! Mistério!», como é prática na liturgia do Oriente – à semelhança dos guerreiros de Israel, que marchavam para o combate precedidos por cantores. Na minha escrivaninha, em Praga, tenho um grande anjo de madeira que me recorda: «Se vais escrever acerca de Deus, lembra-te que estás a entrar numa nuvem de enigma.»

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Segundo Badiou, no seu Anticristo, Nietzsche caricaturou completamente a doutrina de Paulo e o papel deste, mas uma das suas intuições estava correta: nada da vida de Jesus interessa a Paulo; Paulo só queria saber «da morte na cruz, e de pouco mais». Mas esse «pouco mais», esse «pouco» que conquista a morte, foi precisamente o eixo fundamental para Paulo.

Sim, poderíamos concordar que Paulo ignora por completo o ensinamento de Jesus e que praticamente não presta atenção à sua pregação, aos seus milagres ou à sua vida como um todo, tal como é descrita nos Evangelhos – com uma exceção: os acontecimentos da Páscoa. Paulo constrói todo seu Evangelho, toda a sua versão do Cristianismo, apenas com base na Páscoa [de Jesus] – na Eucaristia, na cruz e na ressurreição.

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Uma jovem da Normandia foi lançada nas trevas daquilo que ainda tendia para uma espécie de «ateísmo intelectual» de finais do século XIX, enquanto para o inferno de Auschwitz – instrumento satânico de liquidação das pessoas escolhidas – foi enviado esse sacerdote polaco e também uma carmelita judia, Edith Stein, que se convertera da cultura intelectual mo derna. Levanta-se, inevitavelmente, a seguinte questão: Quem será aquela luz de Deus nas trevas do mal galopante do «terrorismo religioso»? Quem enviará Deus para sofrer essa forma particularmente refinada de afastamento de Deus «em nome de Deus»? Quem mostrará aos cristãos de hoje que não devemos responder à violência apenas com violência, nem invocar o nome de Deus em «guerras santas» sem Deus, e como é que eles se revelarão?

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Se eu vier a ser assassinado, sou capaz de entender e de aceitar que alguém me possa matar pelas minhas convicções políticas ou religiosas, ou simplesmente porque o meu rosto não lhe agrada, mas horroriza-me só de pensar que alguém me pudesse matar, apenas porque eu ia a passar na Oxford Street, às 10h42m de uma manhã de terça-feira. Esta forma de matar, completamente indiscriminada, priva as vítimas da sua identidade e da sua dignidade humana, como se fossem vítimas das câmaras de gás, despojadas das suas roupas.

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O jesuíta indiano Anthony de Mello chamou a atenção para o facto de em parte nenhuma dos Evangelhos Jesus ter pedido aos pecadores que manifestassem remorsos: não há lugar para remorsos no processo de conversão. Esse processo é um acontecimento de profunda alegria. A aflição suscitada pelo pecado sempre se misturou com a alegria e a gratidão pelo dom do perdão e pela sua generosa aceitação.

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São Zaqueu tornou-se o padroeiro e o protetor dos eternos buscadores, dos «vigilantes». E, para nossa surpresa, o seu papel não é convertê-los (qualquer velho santo poderia fazê-lo), mas velar pela sua paciência na antecâmara da fé. Afinal, Deus tem de ter «dos seus» mesmo fora dos edifícios das igrejas; aliás, também os tem nos intrincados labirintos da busca, em que os «piedosos» nunca se perderam nem sequer se aventuraram...

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Acreditar num Deus que não vemos também significa, no mínimo, esperar que Ele esteja onde nós não o podemos ver e, muitas vezes, onde estamos absolutamente convencidos que Ele não está nem poderia estar.

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Certa noite, depois de uma conversa extremamente longa e muito cansativa com um rapaz que, tal como eu, durante anos não se conseguira decidir sobre se acreditava ou não em Deus – e, acreditando, se a sua fé seria suficiente –, disse-lhe: «Sabes, não é tão importante ter a certeza de que acreditas em Deus. Com efeito, o mais importante não é se tu acreditas nele. O fundamental é que Deus acredita em ti. E talvez, neste preciso momento, seja suficiente para ti ter consciência disso».

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Há apenas uma forma de conquistarmos esse apaixonado ateísmo de protesto: abraçando-o. Abracemo-lo com a paixão da nossa fé e abençoemo-lo: façamos da sua experiência existencial parte da nossa própria experiência. Só poderemos obter a bênção da maturidade se a nossa fé tomar a sério a experiência humana da tragédia e da dor, e se suportar essa experiência sem a banalizar com consolações religiosas fáceis. A fé madura é a permanência paciente na noite do mistério.

 

Tomáš Halik
In Paciência com Deus, ed. Paulinas
© SNPC | 05.02.13

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Capa

Paciência com Deus

Autor
Tomáš Halik

Editora
Paulinas

Ano
2013

Páginas
288

Preço
14,90 €

ISBN
978-989-673-285-1


 

 

 

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