Cinema
"Pelas Sombras": tão delicado, tão inconvencional
“Pelas Sombras”, o filme de Catarina Mourão que venceu o prémio “Árvore da Vida”, atribuído pela Igreja Católica no IndieLisboa, é “delicado” e “inconvencional”, nas palavras de Ana Margarida Carvalho.
Em texto publicado na “Visão”, a crítica de cinema diz que “Pelas Sombras” é “um documentário sobre a artista Lourdes Castro completamente nos antípodas dos documentários sobre artistas que se costumam fazer em Portugal. Tão delicado, tão inconvencional como a própria arte da guardadora de sonhos e sombras”.
“O filme – continua a crítica de cinema – começa num acesso de liberdade líquida. A sede de uma espera torna tudo mais urgente. E aí vão as águas na urgência após a retenção, abertas as comportas, numa corrida sobressaltada, pelos caneiros, arrastando as folhas que se desentopem para lhe dar passagem. É um ritual quinzenal de Lurdes Castro: dar de beber ao seu jardim, no Caniço, na Ilha da Madeira.
A artista das sombras que permaneceu na sombra durante anos é agora revelada no seu espaço, na sua quietude, no seu silêncio, na sua obscuridade pelas câmaras da realizadora Catarina Mourão. A ideia de filmar Lurdes Castro não surgiu de um impulso. Foi antes um processo moroso, de longa data, que envolveu anos, quase doze, de maturação, muitas conversas e encontros com a artista. Com ela aprendeu a desacelerar, "porque é as escuras e no silêncio que se trabalha", diz Lurdes Castro. Como os bolbos de jacinto que vão criando raízes em frascos guardados no escuro dos armários e debaixo do lava-louças. "Às vezes ponho-me a pensar como deve ser por debaixo da terra, as raízes todas, umas com as outras, aquele mundo às escuras", comenta ela... e sorri.
Catarina Mourão não queria de todo fazer um documentário nos moldes convencionais e pedagógicos, com entrevistas a críticos de arte, etc... Queria, através das sombras, da obra artística captar uma dimensão metafísica e abstracta. "Afinal, o grande desafio do cinema é tornar visível o invisível".
Também em filmes anteriores, como a Dama de Chandor (1998), interessava-lhe o micro-cosmos, e cavar mais fundo, "ir para baixo da terra". "No fundo, este é um filme sobre uma mulher de 80 anos numa casa".
Tal como os teatros de sombras a que Lurdes se dedicava, e a que Catarina um dia assistiu no CAM, aos 14 anos, - gestos lentos e delicados do quotidiano, tão efémeros, ilusórios e fugidios que fizeram Lurdes Castro perder o sentido da "arte para pendurar na parede".
A sua pintura agora é o seu jardim, 12 mil metros quadrados de tela que nunca estará completo. Catarina torna-se uma espécie de cúmplice nessa forma de fazer, quando a acompanha nos pequenos gestos, e a apanha a estender a roupa lentamente, a escovar os dentes em contra-luz, a pentear o cabelo ao ar livre, a fazer um arranjo de florinhas num copo de água, a desfolhar os seus 34 volumes onde arquiva, ao longo de anos, tudo o que se relaciona com sombras, em sentido lato, desde vultos, contornos, mapas, o homem que se pulverizou em Hiroshima, mas a marca do seu corpo ficou estampada na parede...
E quando deixa o tempo passar, e nos deixa a contemplar os musgos, as folhagens, a neblina, ao som de Schubert, a subir a montanha e deixar a paisagem em contornos esfumados. A sombra é isso: "Tem tudo o que tem o objecto mas o mínimo possível para ser reconhecido".”
“A construção do filme foi muito baseada na minha relação com a Lourdes Castro. 'Pelas Sombras' também é um documento sobre a minha relação com ela”, disse Catarina Mourão ao Ípsilon (Público).
"A Lourdes é, de facto, de uma lucidez impressionante. Aquele é um Éden construído. A obsessão pelo presente, por desfrutar o presente, a desaceleração... tudo isso influenciou-me. Foi um filme feito por etapas, porque a Lourdes tem o seu tempo. É engraçado porque eu pensava que podia ser uma manta de retalhos, mas aquele tempo foi entrando em mim de forma inconsciente."
Catarina Mourão estreou-se como realizadora em 1998 com "A Dama de Chandor", e em 2008 concebeu dois vídeos sobre o Mosteiro de Santa Clara, em Coimbra ("Vida e Morte do Mosteiro de Santa Clara de Coimbra" e "Memorial à Agua – Intervenções Contemporâneas", que integram o núcleo museológico do museu daquele monumento.
O Prémio “Árvore da Vida”, no valor de dois mil euros, foi atribuído pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura e pela Ecclesia, departamentos que fazem parte da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais.
02.05.10

Catarina Mourão
Foto: Enric Vives-Rubio




"Pelas Sombras" vence prémio atribuído pela Igreja Católica no IndieLisboa
Deliberação do Júri - Texto oficial
"Nenhum Nome": vida que morre, vida que nasce [VÍDEO]
IndieLisboa 2010 destaca cinema português e tem prémio da Igreja





