No Evangelho segundo Mateus, 5, 37, a posição de Cristo acerca do «logos» humano é muito clara: que este seja «sim, sim; não, não», clara, diamantina e inequivocamente, pois, fora deste regime lógico, «o que está a mais é mau». A tradução comum de «logos» por «palavra», «linguagem», mesmo «afirmação» e outros termos aparentados, perde a grandeza que o termo «logos» encerra.
Lógica e ontologicamente, antes de ser «palavra», isso que é dado à palavra e que se procura transmitir pela palavra é «sentido», o absoluto de isso que se intui no contacto humano inteligente com tudo. É isto o «ser», este correlato necessário da inteligência, não uma «coisa» habitante da ´humana cabeça’ ou dela alienada em impossível referência.
Deste modo, quer a superficial palavra quer o sentido a que corresponde – mais ou menos profundo e largo –, isto é, isso que constitui o cerne lógico da existência humana, no entender de Cristo, obedece, a fim de prosseguir um caminho de bem – não o excesso que é o mal –, à lógica, quer dizer, à estrutura de sentido, que separa logicamente o sim, reafirmado, do não, reafirmado.
Não há meio-termo, assim como não há ‘meio-sentido’.
De notar que, até agora, não se disse que o sim tem de ser dado à possibilidade de bem e o não à possibilidade de mal. É apenas o contexto geral do Evangelho e da sua parte em que se insere este trecho que confere a indicação de que o sim é para ser dado à possibilidade de bem e o não dado à possibilidade de mal.
A lição é sobre o necessário rigor da ação humana, perspetivada a partir do seu possível sentido – o «logos» –, que implica que, quando se age, se discirna e se escolha nitidamente isso que se vai realizar. Não há meio-termo, pois não há meio-ato: qualquer seja a escolha, posta em ato, este é completo, por pior que seja, por mais dano ontológico que insira no mundo.
Este dano é o humano reino da humana entropia, correlato da restante. Apenas o sim à possibilidade do bem é, ainda que efemeramente – mas, nesta efemeridade, absolutamente real e, nisso, bom – antientrópico. É esta a grandeza da possibilidade da ação humana como possível ato anticaótico. Em cada ato de bem como que pondo uma breve, mas irredutível ‘ressurreição’, precisamente na forma do sentido do bem assim posto.
Quanto mais se age – vivendo: a vida é isto; o mais é morte em vida, adiada cadaveridade – segundo este sentido cortante, mais perto se está da possível perfeição humana, a exata, semelhante à de Cristo, esse que assim viveu.
Não há compromisso possível com o mal, quando assim se age: como não houve por parte de Cristo. O preço a pagar é o mesmíssimo que este excruciantemente pagou.
Não há compromisso com os agentes do mal. Quando alguém se compromete com os agentes do mal, torna-se agente do mal, por meio de tal compromisso. Ora, não procurar impedir tal agência já é uma forma de compromisso.
O compromisso com o mal é um modo de perspetivar a história: quanto da totalidade desta, na sua imensidade de ação humana, não consiste em compromisso com o mal, com os agentes do mal?
Compromete-se com os agentes do mal qualquer ‘lei’ que os protege contra as vítimas; compromete-se com os agentes do mal todo o ser humano que, por pensamento, palavra, ato e omissão, de algum modo os ajuda e promove.
Quantas vítimas inocentes foram já sacrificadas ao compromisso com o mal? Todo o mal é, ontologicamente, salvo magia, irresgatável; embora os seus agentes sejam resgatáveis. Todavia, o mal feito a inocentes condena o mundo que os não protegeu a uma mácula eterna que nada pode apagar.
Mesmo no seio da infinita misericórdia divina – que não é mágica – a vítima inocente sê-lo-á para toda a eternidade. E esta é a dimensão da misericórdia divina: que, perante tal, não seja imediatamente destruído o mundo que tal permite.
E, no entanto, sob o regime que despreza a clareza do mandamento crístico da irredutibilidade entre o sim e o não, o sim ao bem e o não ao mal, absolutos, deixado a si próprio, o mundo, que vive algures entre sim e não, irá, por tal, destruir-se.
Na Incarnação, na Paixão, na Morte e na Ressurreição, não há meias-palavras, meios-atos, meio-amor.
O amor é sempre um absoluto sim à possibilidade do bem. Este sim confunde-se com o «logos» de Deus ao criar o mundo.
O mundo como bem cria-se apenas por meio deste sim: do divino que o põe absolutamente em ato; do humano que assim o continua.
Quem, em vez de buscar o amável Deus, busca o desprezível diabo, encontra este último na terra de ninguém entre o sim e o não, no mundo do compromisso.
Aproxima-se o tempo em que a jovem Maria, questionada sobre se queria ser a mãe do Emmanuel, disse simplesmente que sim.