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A Igreja no tempo - História breve da Igreja Católica

A Editora Grifo lançou no último mês de Março a 3.ª edição do livro “A Igreja no Tempo – História breve da Igreja Católica”, de D. Manuel Clemente.

A obra foi publicada pela primeira vez em 1978 pelo Secretariado do Ensino Religioso da diocese de Lisboa e pelo Centro de Estudos Pastorais do Patriarcado.

Mais do que uma reedição, o livro vem agora acrescentado do capítulo “A aplicação do Concílio”, de que apresentamos alguns excertos.

 

A aplicação do Concílio Vaticano II (1962-1965)

Paulo VI e João Paulo II dedicaram os seus pontificados à aplicação do Concílio Vaticano II, que tinham ajudado a realizar.

O primeiro pode realmente chamar-se «o papa do diálogo», porque tal corresponde à orientação profunda do seu espírito, com os mais diversos sectores, dentro e fora da Igreja.

A 6 de Agosto de 1964 assinou a encíclica Ecclesiam suam, apre­sentação e chave do seu pontificado: a verdade da Igreja, que a define e posiciona para o diálogo interno e externo, em círculos concêntricos cada vez mais alargados.

Um diálogo exigente, aliás, propondo a doutrina católica como contributo valioso para a dignificação humana. Assim, a 26 de Março de 1967, a encíclica Populorum progressio faz incidir a Doutrina Social da Igreja no desen­volvimento global do mundo, porque «o desenvolvimento é o novo nome da paz».

E, a 25 de Julho de 1968, a encíclica Humanae vitae insiste em que a fecundidade e a população têm de ser humana e não artificialmente encaradas e servidas. (...)

Levou à prática a colegialidade episcopal, reforçada no Vaticano II: a 29 de Outubro de 1967, abriu o sínodo dos bispos, primeiro de uma série que se tornou habitual.

Para além do âmbito estritamente eclesial, a l de Janeiro de 1968, celebrou o primeiro Dia Mundial da Paz, proposto a todos, crentes e não crentes, como jornada de reflexão e compromisso para uma humanidade mais solidária.

Foi também para activar o diálogo que inaugurou a era das grandes viagens pontifícias, ao encontro das Igrejas e dos povos. (...)

Também na Igreja, a aplicação do Vaticano II não era unívoca nem unânime. A 22 de Julho de 1976, monsenhor Lefebvre, que acusava o Concílio de anti-tradicional em pontos doutrinais e litúrgicos, é suspenso a divinis, medida julgada necessária, ainda que bem contrária à índole conciliadora do pontífice. (...)

Entre Agosto e Setembro de 1978 - esse ano de três papas -, o brevíssimo pontificado de João Paulo I indicava o mesmo sentido conciliar. A 27 de Agosto, na Sistina, apresentou um programa que tinha como primeira alínea receber o Vaticano II, sem imprudências nem atrasos.

Caminho aberto para o seu rápido sucessor: a 17 de Outubro, dia seguinte à sua eleição, João Paulo II disse aos cardeais que aplicaria o Concílio, guiando-se pela Lumen Gentium, para compreender a natureza da Igreja e a sua função no mundo.

O seu 'programa' veio na encíclica Redemptor Hominis, de 15 de Março de 1979: no limiar do ano 2000, a Igreja e o Mundo reviveriam a incarnação de Cristo, onde Deus deu ao homem a sua verdadeira dimensão. (...)

A 4 de Junho de 1979, João Paulo II estava em Jasna Gora, a «montanha resplandecente» da Virgem Negra de Czestochowa. Aí presidiu a uma reunião dos bispos polacos: insistiu na unidade do Episcopado; disse que a sua experiência polaca ecoaria agora além-fronteiras, intensificando a fé, face à crise do «humanismo» sem Deus. Retomou a doutrina do Vaticano II: liberdade da pessoa para aderir à Verdade, liberdade da Igreja para propor o Evangelho, prioridade da sociedade face ao Estado que a serve. (...)

Herança conciliar também cumprida no campo ecuménico: a 29 de Novembro de 1979, encontrou-se em Istambul com o patriarca Dimitrios I. No dia seguinte, festa de Santo André, lamentou que ainda não pudessem concelebrar. Mas confiava na oração, para que o terceiro milénio refizesse a unidade perdida no segundo e a Europa se rein­tegrasse. De 15 a 19 de Novembro de 1980, fez a sua primeira visita papal à Alemanha (Ocidental). Aí, disse aos protestantes: «Venho ao encontro da herança espiritual de Lutero... Todos pecámos [contra a unidade].» E aos judeus: «Ninguém alcança Cristo sem encontrar o judaísmo.»

Doutrina conciliar também no campo da família, seguindo a Gaudium et Spes. A 22 de Novembro de 1981, assinava a exortação Familiaris consortio, entre as luzes e as sombras da família contemporânea: mais do que um contrato ou uma conveniência utilitária, a família corresponde à vocação de todos para o amor; pode ser exigente, mas liberta, se pascalmente vivida; e sem se contradizer pela contracepção, nem ser espoliada da sua responsabilidade educativa.

A 13 de Maio de 1981, João Paulo II fora baleado por Ali Agca na praça de São Pedro. Mas encarou a sobrevivência como milagre e confirmação do seu caminho e programa. A 12 e 13 de Maio de 1982, esteve em Fátima, agradecendo a protecção da Virgem, porque «nos desígnios da Providência não há meras coincidências...» A 10 de Outubro seguinte canonizou Maximiliano Maria Kolbe, como mártir de Auschwitz. Bem no espírito conciliar, de uma santidade proposta a todos, canonizaria mais cristãos do que todos os pontífices anteriores. (...)

De 24 de Novembro a 8 de Dezembro de 1985, realizou-se um Sínodo extraordinário, para assinalar o vigésimo aniversário do Concílio Vaticano II. O Catolicismo crescera em número, de cerca de 600 milhões em 1965 para cerca de 830 milhões em 1985, com os maiores aumentos na América Latina e na África. A indigenização prosseguira também, com aumento de bispos autóctones. Crescera a participação laical.

Mas, no «Ocidente», clérigos e religiosos/as atravessavam uma profunda crise, com grande número de desis­tências. Por vezes, o desígnio conciliar de influir na cultura moderna parecia contrafazer-se, com a perturbação do Cristianismo por alguns traços mais polémicos da modernidade.

Mas o Sínodo reafirmou o Concílio, para que a Igreja fosse no mundo moderno o baluarte mais seguro da dignidade humana, inteiramente revelada em Cristo. De Cristo, mais do que de si mesma, deveria falar a Igreja. Daí a necessidade de crescer na santidade, testemunhando-a no Mundo, contando também com os «novos movimentos».

Quanto à vida interna da Igreja, tanto a colegialidade episcopal como o papel de cada bispo diocesano foram reafirmados. Como o foi o empenho ecuménico. Decidiu-se a redacção dum Catecismo da Igreja Católica, em ordem à apresentação sistemática da verdade evangélica. (...)

Aplicando sempre a doutrina conciliar sobre a Igreja como factor de coesão em qualquer socie­dade, João Paulo II continuava a acompanhar o processo de unificação europeia: a 11 de Outubro de 1988, falando ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, insistia na unidade da Europa, aquém e além Cortina-de-Ferro, pelo reencontro com a sua base cristã comum; também pela inspiração cristã da democracia (dar a César o que é de César, sem esquecer de dar a Deus o que é de Deus, para que a transcendência divina garanta a liberdade do homem face a qualquer totalitarismo). Igualmente diria aos jovens - e a todos - na Jornada Mundial da Juventude, em Agosto de 1989, em Santiago de Compostela, ser necessário manter a herança cristã da Europa.

João Paulo II revelou a mesma inspiração conciliar face aos graves conflitos internacionais que se sucederam. Assim na primeira guerra do Golfo: a 2 de Agosto de 1990, Saddam Hussein invadiu o Kuwait, reduzindo-o a uma província iraquiana. A 26 desse mês, no Angelus, o Papa denunciou tal invasão como «uma violação grave dos direitos internacionais e da Carta das Nações Unidas, bem como dos princípios éticos que têm de gerir a vida entre os povos». Mas pediu insistentemente uma resolução pacífica do conflito, sem esquecer a problemática geral do Médio Oriente (Líbano, Terra Santa...). Como na mensagem do Natal desse ano: «Que desapareça a ameaça de conflito. Deixai que os líderes se convençam de que a guerra é uma aventura sem retorno!»

A 7 de Dezembro de 1990 - no 25° aniversário do decreto conciliar Ad gentes - João Paulo II assinou a encíclica Redemptoris Missio. Tratava-se de relançar a missão, no contexto da vocação evangelizadora da Igreja, proposta imprescindível num mundo pluralista. (...)

Tema maior e não menos conciliar de todo o pontificado de Wojtyla foi a salvaguarda e promoção da vida, da concepção à morte natural: a 25 de Março de 1995, foi publicada a encíclica Evangelium Vitae, porque os direitos humanos básicos deviam ser reforçados contra ameaças como o aborto, a eutanásia ou a manipulação genética. Antes de ser uma questão religiosa, era da própria civilização que se tratava, bem como da base essencial da democracia. (...)

A eclesiologia do Vaticano II supõe uma Igreja cheia de dinamismo espiritual e carismático. Isto mesmo reconhecia João Paulo II a 30 de Maio de 1998, reunindo no Vaticano meio milhão de aderentes a vários movimentos eclesiais. Com isto, como que culminava um período de cuidadoso reconhecimento dessas novas formas de associação. João Paulo II reconheceu-lhes a força carismática, para a revitalização da Igreja e a evangelização do mundo: «Como se o que aconteceu em Jerusalém há dois mil anos estivesse a repetir-se neste final de tarde nesta praça [...]. O Espírito Santo está aqui connosco! É ele a alma deste maravilhoso encontro de comunhão eclesial.»

Dez anos antes, na exortação apostólica pós-sinodal Christifideles Laici, de 30 de Dezembro de 1988, já estabelecera (n.° 30) os critérios de eclesialidade das associações laicais: o primado dado à vocação de cada cristão à santidade; a responsabilidade em professar a fé católica; o testemunho duma comunhão sólida e convicta com o papa e os bispos e com as outras formas de apostolado; a participação na finalidade apostólica da Igreja, concretamente na nova evangelização; a presença na sociedade humana, realizando a doutrina social da Igreja.

De 14 de Setembro de 1998 é a encíclica Fides et Ratio. A oportunidade cultural era flagrante, dada a fragmentação mental e existencial da sociedade na viragem de milénio. Em 1870, o Concílio Vaticano I tinha defendido a razoabilidade da fé; mas a segunda metade do século XX acentuou a descon­fiança sobre a capacidade da razão humana para atingir a verdade universal e objectiva. Esta desistência teria consequências redutoras no estatuto da religião, deixada à sensibilidade apenas; do direito, que se resumiria ao positivismo ocasional; da socie­dade e da cultura, igualmente rarefeitas. Com a Fides et Ratio, João Paulo II insiste de novo na capacidade da razão humana para se abeirar da verdade, do bem e do belo, sendo essa, aliás, a única base estável da humanidade no seu todo. A fé e a razão são como «duas asas», que elevam o espírito humano até à verdade de que não pode dispensar-se. (...)

De 2001 a 2005, suceder-se-iam ainda momentos e documentos marcantes, na mesma senda conciliar. Logo a seguir ao trágico 11 de Setembro de 2001, em que fundamentalistas suicidas tinham morto tantas pessoas em Nova Iorque, João Paulo II, no Cazaquistão e na Arménia, quis sublinhar o papel imprescindível dos verdadeiros crentes, cristãos ou muçulmanos, no sentido da paz. Arriscando-se em tempos e espaços difíceis, o pontífice apelava assim à contenção e ao reencontro. (...)

A eleição de Bento XVI, em Abril de 2005, inscreve-se ainda na senda conciliar. Também ele estivera presente e activo, como perito, nos trabalhos do Vaticano II. Não admiram, portanto, frases tão esclarecedoras como estas, de 20 de Abril de 2005, dia seguinte à sua eleição: «Com o passar dos anos, os Documentos conciliares não perderam actualidade; ao contrário, os seus ensinamentos revelam-se particularmente pertinentes em relação às novas situações da Igreja e da actual sociedade globalizada.»

 

D. Manuel Clemente
Bispo do Porto, presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais
In A Igreja do tempo, ed. Grifo
22.04.10

Capa

A Igreja no tempo
História breve da Igreja Católica

Autor
D. Manuel Clemente

Editora
Grifo

Ano
2010 (3.ª ed.)

Páginas
160

Preço
9,00 €

ISBN
978-972-817-8369






















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