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Pedro Costa

O cinema é um ofício, é como ser pedreiro

Pedro Costa (Lisboa, 1959) é considerado um dos autores mais originais e idiossincráticos do cinema contemporâneo. Um dos aspectos mais interessantes da sua obra é a maneira singular de combinar as características do documentário e da ficção na construção de retratos sobre a vida quotidiana de pessoas que vivem a marginalidade e a exclusão pessoal.

O seu cinema distingue-se por uma construção particular e pela grande duração dos seus planos e, sobretudo, pela sua cumplicidade com os actores, que nunca são profissionais. A relação com eles constrói-se com o tempo passado a seu lado, sendo cúmplice e parte das suas vivências. Assim, os personagens de Vanda e Ventura (que se repetem em vários filmes) compõem com a sua própria vida um espaço e um tempo distantes do cinema clássico e todavia muito próximos da realidade.

Foi no Bairro das Fontainhas, nos arredores de Lisboa, que se realizaram vários dos seus projectos (Ossos, No Quarto de Vanda e Juventude em Marcha), ainda que a sua relação com aquele subúrbio ultrapasse o trabalho documental.

Mais recentemente, Pedro Costa produziu obras que se destinam a espaços expositivos mais ligados à arte contemporânea. Ainda que se baseiem em planos realizados em alguns dos seus filmes, estes trabalhos têm uma identidade própria e uma forte autonomia estética.

Excertos da entrevista à PhotoEspaña 2009.

O Sangue foi a sua primeira película, sobre a morte do pai e das crianças que ficam sozinhas. O que é que significou para si esta película, tendo em conta que foi a primeira da sua carreira?
É uma espécie de prefácio, um filme muito protegido pelo cinema. Estava muito dentro do cinema, muito cinéfilo. Pouco a pouco fui-me libertando um pouco mais dessa protecção do cinema. É o mais tradicional no sentido de que recorria ao cinema para tudo.

 

Foto

Tarrafal (fotograma)

 

Ossos, No Quarto de Vanda e Juventude em Marcha são três filmes sobre os habitantes de um bairro degradado nos arredores de Lisboa. Como surgiu a ideia de os fazer?
Não foi uma ideia, foi uma sucessão de acontecimentos. Antes tinha feito um filme em Cabo Verde, e aí deram-me umas cartas, mensagens para familiares e amigos emigrantes cabo-verdianos que moravam nesse bairro de Lisboa. Como falava um pouco do seu dialecto, fui lá entregar as cartas e fui imediatamente adoptado. Foi muito calorosa a forma como me trataram. Então fiquei por ali, fiquei ali, fiquei ali...

Esteve um ano e meio no bairro antes de começar a rodar...
Não sei, é um tempo que não contabilizo. é um tempo que não é o tempo do cinema. Não é a rodagem de cinco, seis ou sete semanas. É tudo mais indefinido. A rodagem é tradicional. Gosto e creio que é importante um ritual, uma cerimónia de alguma intimidade. É necessária uma responsabilidade, uma seriedade na altura de filmar um plano. Não pode ser algo fácil, o cinema é muito difícil, muito cansativo. É um ofício, como ser pedreiro.

 

Foto

Gatito, gatita

 

Normalmente utiliza actores que não são profissionais. Qual é a sua relação com eles? Como foi, por exemplo, a sua relação com Ventura e Vanda?
Eram pessoas reais. São os habitantes do bairro. Ao princípio necessitava de papei definidos, mas agora já não é assim. São os próprios jovens que dizem: “Gostava de fazer um papel contigo sobre isto”. São hipóteses infinitas, todos o podem fazer.
A minha relação com a Vanda foi diferente. Foi a primeira com quem tive uma relação mais próxima no bairro. Um dos filmes foi feito completamente em torno da sua vida, no seu próprio quarto. Ela resistia muito às coisas que não gostava, é muito rebelde.
Ventura é uma espécie de força do passado. É como outra cultura, fala pouquíssimo. Com ele tenho uma conversação um pouco silenciosa. É muito imponente, uma espécie de chefe. Era imigrante, como toda a geração maior de cinquenta anos deste bairro. Vieram de toda a África, agora também vêm de países do Leste, sobretudo da Ucrânia.

 

Foto

Colina de sol

 

Os moradores do bairro foram realojados um bairro novo, o que foi documentado por si. Como é que foi vivida esta mudança?
Esperavam muitíssimo, estavam ansiosos por mudar. Agora passaram quatro anos e estão muito tristes. Não gostam de viver ali porque estão separados. Já não é possível a vida da rua, não é possível fazer nada do que faziam, como por exemplo os churrascos, a carne assada... a polícia não deixa, há leis europeias que impedem esse tipo de coisas. Perderam todo o dinheiro que tinham a comprar móveis e televisores, para reproduzir os modelos das casas das pessoas endinheiradas que limpam.
É tudo um pouco violento, mas não falo de uma violência física, é uma violência de outro género. Antes não era assim, eram pobres, miseráveis, sem condições mínimas para viver... mas tinham o bairro. O bairro é uma atitude. As pessoas do bairro não gostam de mudar nem de sair, cria-se uma espécie de gueto que se vai ampliando.

 

Foto

Tarrafal (fotograma)

 

NO Quarto de Vanda só utiliza um tripé e uma câmara. Porque é que decidiu abandonar os jogos técnicos e filmar com uma câmara pequena?
Queria ver se resultava. Ao princípio não sabia se era um filme. Não tinha compromissos nem contractos com produtoras. Foi a Vanda que me propôs voltar ao bairro. Eu tinha anteriormente feito um filme com ela, que não gostou, e queria fazer algo mais simples, mais pausado. Comprei uma câmara pequena, compacta, e pouco a pouco pensei que talvez pudesse resultar.
Não se pode esperar uma riqueza de imagens nem uma grande produção; é outra coisa. Esta maneira para mim é mais humana, com menos dinheiro é mais fácil consegui-lo. Há menos confusão.
Antes, o problema para mim era que detrás da câmara havia demasiada ficção e à frente não havia ficção, havia algo morto. Tratava-se de encontrar um equilíbrio a todos os níveis. A Vanda gostou muito mais do resultado deste filme. Prefiro estar perto deles do que pensar em fazer coisas distantes do bairro, que não vão entender.

 

Foto

Juventude em Marcha (fotograma)

 

Falemos da evolução do seu cinema. Desde O Sangue até ao último filme observam-se muitas mudanças. Como é que foi esta evolução?
Agora os filmes são muito mais baratos do que ao princípio. Agora procuro a harmonia e não tanto cinema comercial, que gasta muito em todos os sentidos (dinheiro, energia...). Os meus filmes demoram muito tempo porque não gosto de trabalhar depressa. Nunca escrevo um guião, não tenho ideias de cinema nem tenho imaginação. Creio que não estou na família dos criativos, mas na família dos que preferem a realidade e que essa realidade provoque algo.

Em que projectos é que está a trabalhar?
Acabo de terminar um filme que fiz com uma amiga francesa que canta numa banda de rock. Pensava fazer um videoclip, e no final estendeu-se para uma hora e meia de ensaios, repetições... portanto é uma película de trabalho musical, um pouco diferente das outras.

Tem intenção de continuar a gravar no bairro?
Eu estou sempre no bairro por outros motivos. Pertenço à associação de moradores, à biblioteca, sou padrinho de quarenta e sete crianças, tesoureiro de outra associação... a minha vida no bairro não se limita aos filmes, e seria mau que assim fosse. Estou lá por outras obrigações, mas estamos em fazer algo proximamente. A Vanda irá aparecer, mas em pequenos papéis, quero variar um pouco.

Como é que está a ser a recepção das suas películas na filmoteca?
Boa. Ontem estava cheia. Na filmoteca há um público que de certa maneira já conhece o meu trabalho. Gostaria de mostrar os filmes noutros locais de Madrid ou Barcelona. Na filmoteca nunca haverá conflitos, portanto está tudo bem.

Há algum tema na sua cabeça que queira trabalhar?
Não, não penso em nada. E quanto menos penso, melhor. Muito melhor será o filme. Não penso na intenção nem nos temas, e quando parece que não há nada, é quando na realidade há alguma coisa.

 

Pedro Costa
In PhotoEspaña 2009
© SNPC (trad.) | 26.06.09

Pedro Costa
Foto: Julio César González

 

 

 

 

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