Leitura
Uma atracção irresistível
Estimado leitor:
Neste livro, que escrevi para ti, vais conhecer um pouco da minha vida e como Deus agiu em mim para eu ser o que sou hoje, uma monja de clausura.
Isto é algo que parece estranho aos olhos de muitos. E é estranho e paradoxal também para mim, que fui ateia convicta e estive afastada da Igreja durante anos. Nunca teria imaginado vir a ser monja. E se alguém mo dissesse, rir-me-ia.
É tudo isto que vou partilhar contigo. Não sei se és crente ou não-crente, mas não importa: em qualquer dos casos pode ser um gosto para ti, e é certamente uma alegria para mim.
Se quiseres, então, vira a página, que eu conto-te. (...)
Desconhecimento e ideias erradas
Muitas pessoas têm dificuldade em compreender a nossa opção pela vida contemplativa – pela vida de clausura, portanto –, que é sem dúvida a mais radical. Mas uma das causas dessa incompreensão é o desconhecimento, que dá origem a ideias erradas.
Pensa-se que levamos uma vida melancólica e apagada, metidas numa casa sombria, entre grades, a rezar o dia todo... Quase que nos imaginam seres anormais.
É claro que dedicamos a nossa vida à oração, mas o dia tem muitos momentos: os da oração, os do trabalho, e até os de convívio e lazer...
Vida inútil
A ideia de que a nossa vida é inútil é das mais comuns. O meu padrinho, por exemplo, precisamente por estar convencido disso, ainda hoje se recusa a visitar-me no mosteiro e só consente em falar comigo por telefone. Diz o mesmo que o meu pai dizia: “Ainda se ajudasses crianças, velhinhos ou doentes, via-se bem o que fazias!”
De facto, humanamente falando, ser consagrado a Deus não faz sentido. Se se tem a Deus como um simples conceito, é um absurdo; se se tem a Deus como inexistente, é uma ingénua ilusão. Mas não é absurdo nem ilusão, é a resposta a um chamamento concreto de Deus. Responde-se com a entrega pessoal, por amor, e aceita-se a investidura de uma missão. Mas mesmo para quem acredita Deus é difícil entender a vida em clausura, o sentido da nossa entrega a Deus. Entende-se uma vida com atividades concretas de assistência prática a pessoas nas mais diferentes situações de necessidade. Mas uma vida dedicada à oração... (...)
A clausura
Só a palavra “clausura” já faz arrepiar muita gente. É uma palavra que assusta, talvez por evocar a ideia de uma prisão.
Mas a clausura monástica nada tem de prisão, de reclusão forçada, de contrário não seríamos tão felizes aqui dentro.
O silêncio dentro de um espaço delimitado, longe de ser acabrunhador, é uma dádiva que nos permite viver a nossa vida de oração e recolhimento. Não sair livremente, como qualquer pessoa sai de sua casa, impressiona muita gente. Mas para mim o contrário é que seria um suplício. E digo o mesmo a respeito do silêncio: se pudesse conversar á vontade durante o dia tirar-me-iam o que tenho de mais precioso, pois é no silêncio que Deus fala. O silêncio é que nos torna próximos de Deus.
Muita gente fica confundida pelo facto de abandonarmos tudo o que uma vida lá fora nos proporcionaria. De facto, quando entramos no mosteiro, deixamos a família, os amigos, os colegas, as relações sociais, o trabalho e muitas outras atividades, e também deixamos muitos bens materiais, para passarmos a viver só com o essencial. Mas é precisamente este conjunto de renúncias que nos ajuda a ter o espírito mais despojado e liberto, para alcançarmos s paz e o silêncio interior. Libertamo-nos de muitas dispersões, e até mesmo de muitas preocupações, para termos a nossa atenção inteiramente voltada para Deus.
Ir. Raquel Silva
In Uma Atracção Irresistível, ed. Tenacitas
19.07.10