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Padre António Vieira

O imperador da língua portuguesa foi devoto de Nossa Senhora

Neste ano centenário do nascimento de Vieira muito se tem escrito sobre o jesuíta, «imperador da língua portuguesa», no dizer de Fernando Pessoa. Tem-se falado do escritor clássico, do erudito, do inovador, do pregador, do missionário, do diplomata, do político, do profeta, do utopista, do empírico, do moralista, do combatente, do derrotado.

No fundo todos satisfazem o pedido de Frei Tomé da Conceição, “calificador do santo Oficio” no segundo volume a que Vieira chama Segunda Parte, quando roga que «se comunique a todos a fecundidade de tão profundo e claro engenho».

Muito pouco se fala de Vieira como homem de fé profunda, com um grande amor a Deus, ao Santíssimo Sacramento e a Nossa Senhora.

No entanto, a fé de Vieira é muito enaltecida pelo Padre André de Barros na sua conhecida Vida do Padre António Vieira, publicada 49 anos após a morte do Pregador. Curiosamente António José Saraiva e Óscar Lopes ocultam esta biografia na sua conhecida História de Literatura Portuguesa, talvez por verem esta obra com valor sobretudo moral, religioso e de edificação.

O autor desta primeira biografia de Vieira dá-nos uma visão bastante completa do jesuíta a quem os índios do Brasil já chamavam “homem grande”. Não falta na obra uma análise do amor de Vieira a Deus e à Igreja. Há mesmo um estudo intitulado «Da sua devoção a Maria Santíssima».

André de Barros diz que no «trato com Deus era o padre António Vieira frequentíssimo», acrescentando que estando no Colégio de Coimbra, “passava horas e horas diante do Santíssimo Sacramento”.

Em seis de Maio de 1653, o próprio Vieira escrevia: “nenhuma coisa faço que não seja com Deus e para Deus”.

Vieira era realmente um homem de oração, com uma fé profunda, um zelo imenso pela salvação das almas, uma caridade sem limites. Tinha também um imenso e enternecido amor à Virgem Maria.

Hoje interessa-nos focar este amor a Nossa Senhora, um amor profundo, constante, pois a Mãe de Deus está sempre na sua vida. Este amor vem do tempo de meninice, quando ouvia sua mãe rezar o terço, desse tempo em que sentiu o “estalo” que o transformou e, segundo diz a tradição, por influência de Maria. Em 11 de Abril de 1623 resolveu ser religioso, ao passar junto da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, onde mais tarde havia de fazer vários sermões escutados pelas gentes da Baía.

Como sacerdote “divulgou o nome de Maria, estendeu a sua devoção, aumentou o seu culto”, como escreve João de Barros. Pregou muitos sermões sobre a Mãe de Deus com os mais variados títulos como Visitação, Conceição, Assunção, Natividade. Tem sermões à Senhora do Carmo, à Senhora do Ó, Senhora da Luz, a Maria medianeira, a Maria mãe das misericórdias. Mas a invocação mais frequente é a de Nossa Senhora do Rosário a quem dedica trinta sermões. Dois tomos das suas obras englobam estes sermões marianos. Nestes sermões tanto fala da defesa dos escravos, como do amor à mãe de Deus, ao seu Filho e aos homens. Este amor não ficava dentro do seu grande coração, pois era partilhado por todos aqueles com quem convivia, fosse nas igrejas, nas aldeias do sertão ou sobre as ondas do mar.

Quando sulcava as águas do Atlântico rezava o terço com os outros passageiros. A oração era ainda mais intensa em momentos de tempestade. Quantas vezes aconteceu Vieira dar a absolvição geral depois de ter invocado Nossa Senhora e os anjos da guarda como podemos ler no Sermão de santa Teresa inserido no sétimo volume. Em Maria Rosa Mística, no volume 15 dos Sermões ouvimos o pregador confessar que; “Fizemos voto em voz alta de rezar todos os dias da vida o terço do Rosário, se a Senhora nos livrava das gargantas da morte” e depois acrescentou que a Virgem os ouviu e imediatamente o navio se voltou a endireitar.

André de Barros diz a este propósito que “A devoção da Rainha do céu era a âncora em que confiava entre aquele bravo elemento”. Um dia ao passar pelos Açores confessa que era sua intenção introduzir nas ilhas a devoção à Mãe de Deus e por lá deixou o hábito de rezar o terço. Vieira foi também um grande apóstolo da devoção do rosário aos sábados, e da oração do rosário em família, no silêncio das casas. Nós amamos nossa Senhora, ela nos ama. O amor que a Virgem Maria nos tem está neste grito de Vieira: “Nossa Senhora como mãe nossa nos ama muito; como Mãe de Deus nos ama infinitamente”.

Pela oração do Santo Rosário Vieira pensava na santificação pessoal e ao mesmo tempo sonhava ser mais fácil criar um tempo messiânico de paz e bem, de justiça e santidade. Um reinado de libertação do homem onde o amor a Deus e à sua mãe fosse o alicerce da felicidade e da salvação. Para realizar este sonho criou confrarias, edificou várias Igrejas dedicadas a Nossa Senhora do Rosário, à a Mãe da misericórdia

Mais tarde com os olhos cansados, já doentes, sentiu dificuldades em ler o Breviário. Passou a rezar dois terços por dia, oração feita de modo meditativo, pois gastava duas horas neste diálogo com Deus e com a Mãe do Céu.

É muito curioso notar que ao estudar a obra de Vieira muitos analistas fiquem bastante na circunstância do espaço e do tempo, na relação biografia-discurso, na interacção vida-verbo, recorrendo à memória e à evocação. Isso nos confirma Margarida Vieira Mendes no seu livro A Oratória Barroca de Vieira ao escrever que o que mais impressiona nos Sermões de Vieira é “o facto de neles emergir, em modos vários, a consciência de uma personalidade, de uma vida: uma biografia”. No entanto, Vieira não escrevia para falar de si, mas para falar de Deus e de Nossa Senhora que amava e via como factores de esperança e salvação. Os estudiosos esquecem por vezes que o pregador jesuíta foi essencialmente um sacerdote que amava profundamente a Deus e sua mãe. Ao falar de Vieira não vale a pena tentar explicar este profundo amor à mãe de Deus. O melhor é empreender. Explicar, como a palavra diz, é tirar, é ficar no pormenor. Compreender é atingir o conjunto, a plenitude. E este amor não se compreende sem o amor que Vieira tinha aos outros, sobretudo aos mais necessitados. Na realidade Vieira não é para encontrar, mas somente para procurar, pois estamos perante um génio que não se alcança.

Termino com a frase que alguém escreveu na primeira edição dos Sermões, que possuo como um tesouro. No final do Sermão do bom ladrão inserido na Terceira Parte alguém escreveu há muito tempo, referindo-se a Vieira: “Benedictus Dominus Deus noster qui te creavit” – “Bendito seja Deus que te criou”. E à boa maneira portuguesa acrescentaremos: “e sua Mãe Maria Santíssima”.

P. Júlio Pinheiro
Referente da Pastoral da Cultura na Diocese da Guarda

in Síntese, Novembro/Dezembro 2008

03.12.2008

 

 

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