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Testemunho

O secretário que não deixa morrer a memória de João Paulo II

Reza-lhe sempre. Reza por razões meteorológicas, pessoais ou profissionais. Stanislaw Dziwisz, arcebispo metropolitano de Cracóvia (Polónia) e antigo secretário pessoal do Papa João Paulo II, confessa que reza diariamente ao antecessor de Bento XVI e tem a certeza de que ele o atende. A ele e a milhares de pessoas que o invocam ou que passam diariamente pelo seu túmulo, em Roma.

Stanislaw Dziwisz recorda uma vez em Lvov, na Ucrânia, e outra em Toronto, no Canadá. O tempo não estava de feição para celebrações ao ar livre. Milhares de jovens cantavam e a alegria que se sentia era imensa. No seu coração, o cardeal pede: "Santo Padre, ajuda-me" - e a chuva dá lugar ao sol. "Digo a tanta gente, quando têm problemas sérios: rezem", conta. "Eu digo: 'Santo padre, ajuda-me.' E devo dizer que ele ajuda!"

É certo que João Paulo II não é santo nem foi ainda beatificado, mas o processo está em curso e o cardeal que foi secretário do Papa durante 39 anos - até à sua morte, em Abril de 2005 - assegura com toda a certeza que "há verdadeiras graças e milagres" de pessoas que invocaram João Paulo II nas suas orações e foram atendidas. Sobre a beatificação, nada revela. "A decisão principal foi tomada, esperamos os sinais do céu."

Stanislaw Dziwisz esteve no dia 4 de Novembro em Lisboa, para a inauguração de uma exposição e uma conferência sobre João Paulo II, na Universidade Católica.

A sua certeza de que o homem que acompanhou de Cracóvia até Roma era especial é inabalável. Mais um exemplo: o cardeal lembra o contexto da primeira visita que fizeram a Portugal, em 1982, um ano depois do atentado a 13 de Maio, na Praça de São Pedro, em Roma.

Antes de o turco Ali Agca ter tentado matá-lo em Itália, "certamente que [o Papa] conhecia Fátima, mas não se interessava tanto". Foi depois do atentado que "a sua atitude mudou; ficou convencido de que Nossa Senhora de Fátima o salvara". O atentado foi a 13 de Maio de 1981. "Ele estava convencido de que Nossa Senhora o tinha salvo do grande perigo que foi o atentado e a Providência escolheu-o para cumprir tudo o que Nossa Senhora pediu aos três pastorinhos."

A terceira parte do segredo de Fátima tinha a ver com João Paulo II? Dziwisz é cauteloso: "Não digo o segredo, mas o mistério da mensagem de Fátima." Afinal, nas aparições aos pastores, Nossa Senhora pediu a consagração da Rússia ao seu Imaculado Coração e isso cumpriu-se com a presença de todos os bispos russos na Praça de São Pedro e com o testemunho de muitos prelados do Leste durante o pontificado do Papa polaco. "Nossa Senhora disse que não haveria paz sem a consagração da Rússia. A Senhora esperou muito tempo pela vinda de João Paulo II", acredita o cardeal, interpretando a história universal das ultimas décadas. Afinal, o comunismo caiu, houve uma mudança "enorme, a maior revolução aconteceu no mundo sem derramamento de sangue".

No dia 12 de Maio de 1982 dá-se a primeira das três visitas de João Paulo II a Fátima. "Sentia-se obrigado a vir", para agradecer pela sua vida, que fora poupada no ano anterior. Mas eis que os acontecimentos do ano anterior quase se repetem.

 

Ferido em Fátima

A narrativa pela voz de Stanislaw Dziwisz: "Foi um facto gravíssimo. O Papa dirigia-se ao altar quando um homem com vestes eclesiásticas [o padre espanhol Juan Krohn] se dirigiu a ele para o atingir. Graças a Deus que foi bloqueado, que o atiraram por terra." Krohn, que tinha uma lâmina de uma baioneta antiga, foi neutralizado.

Na zona do altar, a confusão era muita e João Paulo II mostrava-se preocupado com aquele homem que fora deitado ao chão, continua o cardeal. Só quando regressaram à Casa de Nossa Senhora do Carmo, onde estavam hospedados, é que o secretário pessoal viu manchas de sangue. "Como foi, não sei, mas ele [o Papa] considerou a coisa pouco significativa", deu "pouca importância" porque aquele ferimento "não representava nenhum perigo para a sua vida". Além disso, não queria "aumentar a atmosfera de tensão que se vivia, nem arruinar a festa". Por isso nada foi divulgado sobre o assunto.

As lembranças do cardeal sobre o que aconteceu nas escadarias do Santuário de Fátima foram reveladas, pela primeira vez, no mês passado, quando foi divulgado o documentário Testemunho, feito com base no livro que escreveu em conjunto com o jornalista Gian Franco Svidercoschi, “Uma vida com Karol”, editado pela Esfera dos Livros.

O documentário, assinado pelo polaco Pawel Pitera e narrado pelo actor Michael York, tem excertos de conversas com Dziwisz, imagens de João Paulo II e reconstituições de episódios da sua vida, representados por actores. Foi durante o lançamento do filme de memórias, em Roma, que o cardeal polaco contou que o Papa fora ferido em Fátima. Estas declarações foram imediatamente desmentidas por Juan Krohn, padre ligado aos movimentos integristas que consideravam João Paulo II muito liberal. No seu blogue pessoal, o sacerdote, citado pela Reuters, denuncia a "escandalosa hipocrisia" daquelas declarações. "Se eu feri (levemente) - o que não é certo - João Paulo II em Fátima, uma coisa é certa: a mim, ao contrário do turco Ali Agca, nunca me perdoaria, nem antes nem depois da minha libertação da prisão portuguesa." Krohn foi condenado a sete anos de prisão, foi posto em liberdade depois de três anos cumpridos por bom comportamento e expulso de Portugal.

O Santuário de Fátima, por seu lado, declarou em comunicado desconhecer que o Papa tinha sido ferido. Também o bispo emérito de Leiria-Fátima, D. Serafim Ferreira e Silva, disse ao Correio da Manhã que na altura estava presente nas celebrações marianas e não se apercebeu de que João Paulo II ficara ferido, mas acredita que seja verdade. E justifica o silêncio do Papa: "Ele sempre foi um homem com uma grande força cívica e interior. Nunca procurou protagonismo nem espectáculo. Agiu dando um grande exemplo de que não é na luta violenta que está a fé, mas no respeito pelo próximo."

Stanislaw Dziwisz continua: "Eu conhecia bem o Papa, era uma pessoa delicada e sensível e não deu a conhecer a situação para não prejudicar o agressor e não aumentar a atmosfera de tensão. Graças a Deus, não houve perigo de vida."

E, de repente, já não é de Krohn que fala, mas de Ali Agca, para lembrar que João Paulo II estava ferido e quando viajava para o hospital já havia perdoado ao "assassino". "E isso fazem os santos e não há mais nada a dizer." Faz uma pausa, que interrompe para concluir: o Papa era também "um grande exemplo" - afinal, foi ao hospital e à prisão visitar o agressor e chamou-lhe irmão. Só os santos agem assim, sublinha.

Portugal era tema de conversa entre o Papa e o seu secretário pessoal e havia datas em que era inevitável falar sobre o país, mais concretamente sobre Fátima. Nos dias 13 de Maio e de Outubro, Stanislaw Dziwisz e Karol Wojtyla iam para o terraço e cantavam "esse canto famoso de Portugal". "Isso aproximava-o do povo português", conta, recordando os peregrinos de Fátima, os seus lenços a acenar, os cânticos, a oração do terço, os sacrifícios dos peregrinos. João Paulo II admirava a devoção dos fiéis a Nossa Senhora de Fátima, com milhares de pessoas a rezar em uníssono. "Penso que estes factos o aproximaram de Portugal, não tanto do país, mas do povo português... E não podia deixar de amar esta gente e este lugar", confessa.

E os católicos amam João Paulo II. As visitas ao seu túmulo são diárias. "Penso que as pessoas querem encontrá-lo, pedir-lhe algo. Cada um de nós tem alguma coisa a dizer-lhe e a pedir-lhe." O antigo secretário pessoal testemunha que, no fim da vida, João Paulo II já pouco falava, mas ouvia tudo o que lhe diziam. Nas audiências, quando recebia pessoas, "rezava por elas e confiava-as e aos seus problemas ao Senhor."

O cardeal classifica João Paulo II como "um homem de grande pensamento e sobretudo de grande oração", diferente de Bento XVI. Apesar de entre os dois pontificados haver uma marca de "continuidade", o actual Papa tem "o seu carácter", fruto da sua proveniência e herança cultural, resume em poucas palavras, para voltar ao seu tema de eleição: João Paulo II. "Se procurais um forte protector junto de Deus, conhecei-lo bem: é João Paulo II, que vos amava."

A intercessão dos santos faz parte da tradição católica e Stanislaw Dziwisz não a deixa por mãos alheias. No final do encontro com os jornalistas, na última terça-feira, na Embaixada da Polónia, Dziwisz recebe da mão do seu secretário um conjunto de pagelas que distribui pela comunicação social. De um lado, uma oração em italiano a "rezar para implorar graças por intercessão do servo de Deus, o Sumo Pontífice João Paulo II"; do outro, a imagem de João Paulo II, de mãos postas, em Fátima. No canto inferior esquerdo estão quatro milímetros de tecido. É uma relíquia daquele que a Igreja poderá em breve tornar santo.

 

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Barbara Wong

in Público, 06.11.2008

07.11.2008

 

 

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João Paulo II
© Bernard Bisson/Sygma/Corbis
























































































































































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